Idosa cai dentro do ônibus e fratura fêmur, em Santo André

Maria de Lourdes Fachinelli, de 76 anos, ficará acamada pelo menos até o final do ano, segundo prognóstico médico. Foto: Jessica Marques

Passageira não conseguia passar o Cartão Prioridade no validador e, quando a catraca foi liberada, a idosa foi lançada para trás

JESSICA MARQUES / ADAMO BAZANI

Uma simples viagem de ônibus mudou completamente a vida da moradora de Santo André Maria de Lourdes Fachinelli, de 76 anos. Há menos de um mês, a idosa saiu para comprar remédios e, na volta, não conseguiu passar o Cartão Prioridade no validador do coletivo. Quando a catraca foi liberada, a mulher foi lançada para trás e quebrou o fêmur.

O ônibus em que Maria de Lourdes estava era o B51 (Jardim Oriental – Jardim Bom Pastor), da Viação Vaz, que opera em Santo André, no ABC Paulista. A passageira seguia sentido centro da cidade, até o terminal, onde esperaria um segundo coletivo para voltar para casa, no Parque João Ramalho.

Ao tentar passar pela catraca, a passageira não conseguiu liberação por meio do Cartão Prioridade, pois a biometria necessária para validar a entrada não estava sendo reconhecida. Após algumas tentativas, o motorista liberou o acesso.

“Na hora em que eu estava passando pela catraca, o motorista acelerou o ônibus, deu um tranco e eu fui parar na porta do cadeirante. Não consegui segurar em nada. Eu tomei uma pancada, caí no chão, bati a cabeça no ferro do banco e as minhas pernas dobraram. A hora que eu caí, a perna esquerda caiu em cima do lado direito. Já vi que eu tinha quebrado alguma coisa. Gritei muito. Muita dor” – relembrou Maria de Lourdes, com lágrimas nos olhos.

Após o acidente, a passageira foi levada ao pronto-socorro, mas antes, o motorista parou na Rua Siqueira Campos para que os passageiros desembarcassem, até que a ambulância chegasse ao local.

“O motorista ligou para a empresa, desceu do ônibus e intimidou o pessoal dizendo que não estava errado em nada. Eu falei que vou provar que ele deu tranco no ônibus, porque eu não tinha força para ir parar onde parei. Ele disse que eu poderia falar o que eu quiser, porque a favor dele, ele tem câmeras” – relembrou Maria de Lourdes.

FALHA NA BIOMETRIA E ENTRADA PELA PORTA DIANTEIRA

Desde a última semana, os passageiros de Santo André, no ABC Paulista, estão proibidos de embarcar nos ônibus pela porta traseira na maioria dos veículos da cidade. A medida foi adotada após acordo entre as empresas de ônibus e a Prefeitura.

Os idosos com 65 anos ou mais podem ter acesso à gratuidade garantia por lei federal por meio do Cartão Prioridade, que está causando transtornos por problemas na leitura da biometria. Outra opção é identificar-se mostrando o documento de identidade para o cobrador ou motorista, para poder passar pela catraca gratuitamente.

A reportagem do Diário do Transporte percorreu pontos de ônibus e terminais da cidade e constatou que as únicas linhas que ainda não adotaram a medida são as troncais e alimentadoras do sistema de transporte da Vila Luzita, operadas pela Suzantur (proprietário Claudinei Brogliato), além da I-08 (Hospital Mário Covas / Jardim das Maravilhas), da TCPN – Transportes Coletivos Parque das Nações (proprietário Carlos Sófio). Nas demais, a proibição já está valendo.

Relembre: Santo André proíbe embarque de passageiros pela porta traseira do ônibus

Ouça a entrevista:

TRATAMENTO E CUSTOS

Maria de Lourdes mora com a filha, a comerciante Elisabete Fachinelli, 53 anos. Desde o acidente, que ocorreu em 5 de junho, Elisabete teve que abandonar as atividades do comércio para dedicar-se integralmente aos cuidados com a mãe.

“Dia 5 de julho ela tem volta no ortopedista. O osso vai calcificar sozinho e ela vai fazer fisioterapia. Ela vai ficar com uma perna mais curta que a outra, vai precisar usar palmilha. O prognóstico do ortopedista é para 90 dias ela começar a colocar o pé no chão” – contou Elisabete.

O tratamento está pesando no bolso da família. Maria de Lourdes está em cima de uma cama, cujo aluguel é de R$ 129 por mês, além de R$ 80 do transporte do leito. Um dos remédios custou R$ 240 para 30 dias. As fraldas e materiais de limpeza também estão pesando no orçamento.

Em 29 de junho, um responsável pela Viação Vaz levou para a família o valor que foi gasto até o momento. Elisabete decidiu contratar uma enfermeira para realizar os cuidados necessários. Além disso, precisaria também de um fisioterapeuta, durante o processo de recuperação.

A família da passageira informou que pretende mover uma ação contra a Viação Vaz. Contudo, os trâmites ainda não foram definidos, pois as partes tentam negociação sem intermédio da Justiça.

“Toda dor que eu senti e ainda sinto, quanto eu gritei naquele hospital, de dor, por causa de um funcionário irresponsável. Quantos eles machucam e nada acontece, as pessoas desistem. Ninguém leva à frente isso, mas eu vou levar, porque não pode acontecer mais isso” – disse a passageira.

Além de todo o sofrimento causado pelo acidente à passageira, por causa das dores, há ainda a angústia da incerteza. Maria de Lourdes é cardiopata e não pode fazer cirurgia, portanto, o prognóstico é que ela fique pelo menos até o final do ano em cima de uma cama.

“Infelizmente, o prefeito Paulo Serra fez uma coisa muito errada ao tirar de nós idosos [o direito [de entrar pela porta de trás e passar pela porta da frente. Eu fui maltratada por três motoristas. Com esse que me derrubou, foi o quarto” – desabafou.

MUDANÇA NA ROTINA

Maria de Lourdes contou que cuidava de casa enquanto a filha, o genro e os netos iam trabalhar e estudar. “Eles levantam 5h30 e vêm para casa 21h. Ela, marido e os dois filhos que vão para a escola cedo, depois vão para a loja trabalhar com eles e só vêm na hora que fecha a loja. Minha vida era aqui dentro” – lamentou a idosa.

Elisabete sentiu o impacto da mudança de rotina logo nos primeiros dias, mas o futuro também é preocupante para ela.

“Vou ter que fazer procuração para banco, remédio, trazer o escrivão aqui. É uma série de transtorno, coisa que não tinha antes. Ela saiu de casa andando e voltou acamada. Ela é uma mulher produtiva dentro de casa, é ativa e eu tenho meu comércio. Trabalho com meu marido há 25 anos e isso acabou, eu não posso mais sair de casa” – lamentou Elisabete.

OUTRO LADO

O Diário do Transporte procurou a Viação Vaz, cujo proprietário é Ozias Vaz, para comentar sobre o caso e a empresa informou que não se posiciona para a imprensa sobre acidentes que ocorrem dentro dos veículos.

A Prefeitura de Santo André também optou por não se manifestar sobre o assunto. Em uma entrevista ao Diário do Transporte, o secretário de Mobilidade Urbana Edilson Factori afirmou ter conhecimento de que alguns passageiros estariam tendo dificuldade com o sistema de biometria. Segundo o chefe da Pasta, a Prefeitura já estava vendo alternativas para alterar o sistema de identificação dos passageiros.

Apesar da projeção, nenhuma mudança foi informada pela administração municipal até o momento, para resolver o problema.

INVESTIR EM TREINAMENTO É LUCRATIVO E, ACIMA DE TUDO, HUMANO

Diferentemente do que ocorria há alguns anos, cada vez mais passageiros que sofrem acidentes em ônibus por imperícia dos motoristas têm entrado na Justiça e ganhado as causas.

O judiciário, em muitas vezes, invoca o Código de Defesa do Consumidor e artigos de responsabilização civil, no entendimento de que há uma relação de consumo no transporte de passageiros e a empresa transportadora, seja de ônibus, trem ou metrô, deve responder pela segurança do cliente (o passageiro) do início ao fim da viagem, assim como pela postura de motoristas e cobradores no trato com os usuários.

Como tem mostrado o Diário do Transporte, algumas indenizações são altas. Do ponto de vista da qualidade dos serviços, o atual quadro de entendimento judiciário é positivo. As empresas de ônibus que não se importavam em investir em treinamentos e capacitação dos motoristas por consideração ao passageiro, que é quem as sustenta, pelo menos começam agora a fazer isso pensando no próprio bolso.

Claro que, mesmo com os treinamentos, ainda pode haver acidentes e outras ocorrências nos transportes, uma atividade sujeita a diversas interferências externas, muitas vezes fora do controle dos operadores.

Mas é importante destacar alguns pontos:

– Com treinamentos adequados (não apenas uma palestrinha uma vez por ano), comprovadamente o número de acidentes e a gravidade deles cai de maneira significativa.

– Na maior parte dos casos que as empresas de ônibus perderam nos tribunais, o motorista, cobrador ou outro funcionário foram imprudentes, desatentos e não transportaram o passageiro, que é o cliente do serviço, com dignidade, cordialidade e preparo.

– Mesmo que não comprovada a culpa, a empresa de ônibus teve de pagar. Além do Código de Defesa do Consumidor, os juízes têm se baseado no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, pelo qual o prestador de serviço é responsável pela segurança e eventuais danos aos clientes, independentemente de ter ou não culpa.

“Pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes (…) independentemente da demonstração de culpa.”

Casos como este, de acidente no transporte público, têm obrigado as empresas transportadoras a pagar indenizações. Ocorrências de assédio sexual dentro de vagões (carros) de trens e metrô e de ônibus, além de mau atendimento, também são motivos para processos judiciais.

Veja alguns casos recentes:

Justiça condena Santa Luzia e Prefeitura de São José do Rio Preto a pagar indenização de R$ 100 mil por queda de idosa em ônibus

https://diariodotransporte.com.br/2018/06/30/justica-condena-santa-luzia-e-prefeitura-de-sao-jose-do-rio-preto-a-pagar-indenizacao-de-r-100-mil-por-queda-de-idosa-em-onibus/

Sambaíba é condenada a pagar R$ 2,8 mil de indenização a passageiro que foi destratado por motorista

https://diariodotransporte.com.br/2018/06/27/sambaiba-e-condenada-a-pagar-r-28-mil-de-indenizacao-a-passageiro-que-foi-destratado-por-motorista/

Empresa de ônibus do ABC é condenada a pagar R$ 20 mil a passageira que caiu na hora do desembarque

https://diariodotransporte.com.br/2018/06/19/empresa-de-onibus-do-abc-e-condenada-a-pagar-r-20-mil-a-passageira-que-caiu-na-hora-do-desembarque/

Passageira que fraturou tornozelo em acidente de ônibus receberá indenização de R$ 50 mil, em Goiânia – https://diariodotransporte.com.br/2018/06/18/passageira-que-fraturou-tornozelo-em-acidente-de-onibus-recebera-indenizacao-de-r-50-mil-em-goiania/

STJ condena CPTM a indenizar passageira em R$ 20 mil por assédio sexual –https://diariodotransporte.com.br/2018/05/15/stj-condena-cptm-a-indenizar-passageira-em-r-20-mil-por-assedio-sexual/

Vega Manaus terá de pagar pensão vitalícia e indenização para passageira que quebrou o pé em ônibus – https://diariodotransporte.com.br/2018/05/09/vega-manaus-tera-de-pagar-pensao-vitalicia-e-indenizacao-para-passageira-que-quebrou-o-pe-em-onibus/

Viação é condenada a pagar indenização por mãe e filha terem sido prensadas na porta do ônibus – https://diariodotransporte.com.br/2018/05/04/viacao-e-condenada-a-pagar-indenizacao-por-mae-e-filha-terem-sido-prensadas-na-porta-do-onibus/

CPTM é condenada a pagar R$ 50 mil a passageira vítima de assédio sexual dentro de trem – https://diariodotransporte.com.br/2018/03/23/cptm-e-condenada-a-pagar-r-50-mil-a-passageira-vitima-de-assedio-sexual-dentro-de-trem/

Justiça condena Viação Itapemirim a pagar indenização por parada de 5 horas –https://diariodotransporte.com.br/2018/01/09/justica-condena-viacao-itapemirim-a-pagar-indenizacao-por-parada-de-5-horas/

Empresa de ônibus de Santo André é condenada a pagar indenização para passageira que se machucou no veículo – https://diariodotransporte.com.br/2018/02/02/empresa-de-onibus-de-santo-andre-e-condenada-a-pagar-indenizacao-para-passageira-que-se-machucou-no-veiculo/

Justiça condena empresa de ônibus a pagar indenização por não atender adequadamente passageiro com deficiência –https://diariodotransporte.com.br/2018/04/23/justica-condena-empresa-de-onibus-a-pagar-indenizacao-por-nao-atender-adequadamente-passageiro-com-deficiencia/

Empresa de ônibus é condenada a pagar indenização de R$ 3 mil por deixar idosa esperando duas vezes na rodoviária –https://diariodotransporte.com.br/2018/04/02/empresa-de-onibus-e-condenada-a-pagar-indenizacao-de-r-3-mil-por-deixar-idosa-esperando-duas-vezes-na-rodoviaria/

Empresa de ônibus de Santo André é condenada a pagar indenização para idosa que fraturou coluna – https://diariodotransporte.com.br/2017/03/24/empresa-de-onibus-de-santo-andre-e-condenada-a-pagar-indenizacao-para-idosa-que-fraturou-coluna/

Prefeitura e empresas de ônibus da Grande São Paulo são condenadas a pagar indenização por elevadores que não funcionam –https://diariodotransporte.com.br/2017/05/22/prefeitura-e-empresas-de-onibus-da-grande-sao-paulo-sao-condenadas-a-pagar-indenizacao-por-elevadores-que-nao-funcionam/

Empresa de ônibus é responsabilizada por morte de cadeirante e terá de pagar indenização – https://diariodotransporte.com.br/2017/02/21/empresa-de-onibus-e-responsabilizada-por-morte-de-cadeirante-e-tera-de-pagar-indenizacao/

Adamo Bazani e Jessica Marques, jornalistas especializado em transportes

Comentários

Comentários

  1. Juliana Brasil Forte disse:

    Triste realidade pela qual os moradores de Santo André passam. Moro aqui há 7 anos e utilizo diariamente o transporte público. Quase que diariamente também, presencio imprudências e cenas de desrespeito com idosos e usuários no geral. Em uma ocasião, registrei uma reclamação junto a AESA pq o motorista gritava comigo (na época grávida) descontrolado, dizendo que não aguentava mais lidar com passageiros.
    Lamentável que pessoas que são pagas para SERVIR a população tenham uma postura como essa.

  2. Me expliquem pra que serve esse cartão que não funciona com a biometria de ninguém ? Meu pai, mãe, e outros que fizeram o cartão tb não tiveram suas digitais reconhecidas e ganharam o cartão com uma etiqueta avisando que a biometria não funciona;que coisa mais inútil. Arrumem isso.Lamentável o que ocorreu com essa senhora, mas meus pais tb já se machucaram em ônibus, alguns correm como se estivessem numa pista de autódromo, e no mais ,motorista não é cobrador , ou dirige, ou cobra, se ele não pode se distrair com celular ao volante, pq pode com cobrança de passagem? ME EXPLIQUEM COM ARGUMENTOS PLAUSÍVEIS .

  3. Edna disse:

    Que tristeza,tratam os idosos como se fossem um estorvo,Passou da hora de melhorar de punir quem não trata com dignidade os idosos e jovens tbm!! Melhorar essa porcaria de cartão que nunca funciona direito.Realmente motorista não tem que cobrar, isso é serviço para cobrador…Isso mesmo D.Maria De Lourdes, eles tem que pagar pelo que fizeram a senhora……Desejo melhoras…

  4. Código Civil: Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.

  5. Tamires Rodrigues disse:

    Já passei passei por uma situação complicada, utilizando os ônibus da linha Aesa.
    Não foi a biometria do cartão mas sim a falta de educação dos motoristas e a falta de comprometimento com as vidas que carregam.
    Motoristas mal educados que acham que carregam animais… e olhe lá, pois nem meus cachorros eu carrego assim no meu carro.
    Há um mês atrás eu peguei o ônibus da linha T15 me senti um lixo andando naquilo, pois eu que sou nova não conseguia me equilibrar imagina os idosos! O motorista fez uma curva que na hora eu pensei, pronto… morremos!
    Claro, a empresa não é culpada de contratar um motorista como esse, mas infelizmente alguns deles não sabem tratar um passageiro.

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