OPINIÃO: O dilema de ônibus só com passageiros sentados

Dados de bilhetagem poderiam orientar Plano São Paulo de reabertura

O discurso é bonito, mas, na prática, a solução está fora do sistema de transportes e só colocar mais ônibus não resolve

ADAMO BAZANI

Um tema ganhou destaque no noticiário de transportes de São Paulo: a recomendação da SMT – Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes de que os ônibus preferencialmente circulem apenas com passageiros sentados como forma de tentar evitar a disseminação da Covdi-19 com a abertura gradual de algumas atividades econômicas.

O que era recomendação virou uma ameaça.

No início da tarde de hoje (segunda-feira, 08 de junho de 2020), o prefeito Bruno Covas disparou: Se até sexta-feira, 12, tiver gente sendo transportada em pé nos ônibus de São Paulo, Edson Caram não será mais secretário de mobilidade da cidade, como mostrou o Diário do Transporte

Ouça aqui:

https://diariodotransporte.com.br/2020/06/08/bruno-covas-diz-que-se-ate-sexta-feira-ainda-estiverem-passageiros-em-pe-nos-onibus-vai-demitir-secretario-de-transportes/

Seja o objetivo foi soltar uma fase de efeito, pensar mesmo na segurança da população contra a Covid-19 ou mesmo “aproveitar uma oportunidade” para mexer na pasta, ainda não se sabe.

Mas tornar uma recomendação deste tipo em obrigação/intimação evidencia falta de conhecimento do que é um sistema de transporte, ainda mais da grandeza como de São Paulo.

Nessa pandemia, a mobilidade (e Caram, como chefe da pasta) se viram às voltas com medidas além de pouco eficazes, difíceis de serem colocadas em prática: primeiro foram os bloqueios em vias importantes, que não diminuíram o isolamento e ainda geraram problemas para ambulâncias, médicos e até ônibus passarem. Depois foi o mega-rodízio par ou ímpar que também não reduziu o isolamento e ainda criou várias confusões.

Agora, é a história de somente passageiros sentados.

Ninguém quer que os ônibus andem cheios e abarrotados em uma pandemia, mas num sistema como São Paulo, onde a prioridade para o transporte coletivo no espaço urbano é pífia (130 km de corredores em 17 mil km de vias) é ilusão pensar que a população vai ter confiança em deixar um ônibus passar para esperar um vazio atrás.

Em linhas centrais e entre terminais, a confiança pode ser maior, mas na periferia, onde o ônibus atrasa porque tem na rua uma caçamba de entulho que dificulta a passagem do coletivo, a situação não é contemplada em discursos, coletivas ou frases de efeito.

A SPTrans diz que foram colocados em circulação mais 784 coletivos nesta segunda-feira. Assim, a frota sobe de 8.394 veículos (65,5% da frota de ônibus municipais da capital paulista de um dia útil de antes da pandemia) para  9.178 veículos ou 71,62% da frota operacional nos dias úteis pré-quarentena, sem oscilação fora dos horários de pico.

A frota total que as viações possuem para as linhas municipais é de 14.034 ônibus, mas nem todos estes ônibus podem ser usados, porque é necessário ter frota reserva entre as empresas e caso o Metrô ou CPTM peçam PAESE, por exemplo.

Os 784 ônibus fazem parte dos dois mil veículos que a prefeitura prometeu deixar à disposição caso haja aumento de demanda por causa da retomada gradual de algumas atividades na fase laranja da flexibilização da quarentena.

Mas a lotação e a frequência de um sistema de ônibus não são determinadas pela quantidade de coletivos, mas pela fluidez e velocidade comercial destes veículos.

E São Paulo negligenciou isso por anos e anos, gestões e gestões.

Mas como não dá para construir faixas e corredores em tempo recorde, o que fazer para evitar a superlotação e que os ônibus se tornem disseminadores do novo coronavírus?

Do ponto de vista de transporte, usar a tecnologia para monitorar a demanda, reativar trajetos que foram aposentados por causa das sobreposições para criar uma rede momentânea de atendimento nesta fase e fazer serviços especiais de acordo com a demanda, como linhas “interhospitais” ou circulares em áreas de concentração de escritórios, por exemplo.

A solução emergencial, entretanto, vem de fora da área de transportes. Além do escalonamento de entrada e saída dos trabalhadores dos setores beneficiados com o relaxamento da quarentena, uma fiscalização rigorosa em estabelecimentos não autorizados vai revelar que tem muita gente já trabalhando (e não se discute necessidade econômica destas pessoas) e que precisam se deslocar.

Ninguém pega ônibus às 5h, 6h e 7h para passear.

Além disso, antes de mudar de fase ou relaxar, muitas vezes mais por questões de pressão política e econômica, já há de se mensurar o impacto na área de transportes e não fazer o que não dá.

O Bilhete Único gera dados preciosíssimos sobre isso. Para onde as pessoas vão (por exemplo, para locais onde têm concentração de determinadas atividades econômicas), que horas esse pessoal se desloca e qual o caminho que faz. Mas os dados do Bilhete Único são pouco utilizados.

Quem sabe com estes dados não seria possível fazer a estratégia inversa? Em vez de o “Plano São Paulo” mandar o transporte se virar com as fases da flexibilização, o Raio X da Mobilidade que a tecnologia possibilita indicar o que pode abrir, quando e em que ritmo.

O transporte coletivo é planejado para pessoas andarem em pé (não exprimidas) e é impossível mudar essa característica em dias, semanas e meses.

Nos locais onde se determinou a mesma coisa, como no Rio de Janeiro, não deu certo e não vai dar ainda mais quando outras fases forem flexibilizadas.

O que se deve evitar é superlotação e isso depende de outras áreas, além da secretaria de transportes.

E fora que tudo tem de reservar um mínimo bom senso.

Se eu entrar em um ônibus, com um único banco livre, mas o passageiro ao lado mesmo com máscara estiver espirrando e tossindo, com todo respeito a esse passageiro, eu vou preferir ficar em pé no corredor vazio a sentar do lado dele.

E por causa disso o secretário vai ser demitido?

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes

Comentários

Comentários

  1. João Luis Garcia disse:

    Se algum setor da prefeitura quer a saída do Secretário de Transportes e Mobilidade Sr Édson Caram, com certeza essa possibilidade ganha grande força com o discurso do Sr Bruno Covas.
    Um total desrespeito do prefeito para com seu secretário de governo.

  2. “O Bilhete Único gera dados preciosíssimos sobre isso. Para onde as pessoas vão (por exemplo, para locais onde têm concentração de determinadas atividades econômicas), que horas esse pessoal se desloca e qual o caminho que faz. Mas os dados do Bilhete Único são pouco utilizados.”

    Perfeito Adamo, perfeito…

  3. Júnior de Oliveira disse:

    Se eu fosse esse secretário, pedia demissão antes de sexta-feira. O prefeito acha que está em uma cidade de pequeno porte, onde ‘talvez’ fosse possível que os ônibus só andem com passageiros sentados.

    Pensa o prefeito que o sistema de transporte urbano de uma cidade como São Paulo, seja parecido com o transporte de passageiros rodoviário, onde os ônibus só trafegam com passageiros sentados.

    Duvido que qualquer secretário de transporte, tenha uma fórmula mágica para que TODOS os ônibus de uma cidade como São Paulo, só trafeguem com passageiros sentados.

    O prefeito empurra um problema insolúvel, para seu secretariado, sem imaginar que, em se falando de uma cidade gigantesca como São Paulo, onde há pouco ou nenhum investimento em transporte sobre trilhos, é quase impossível que TODOS os ônibus trafeguem só com lotação de banco.

    Existe mão de obra para fiscalizar TODOS os ônibus da cidade?
    Haverá fiscais em TODOS os grandes corredores e avenidas, observando a lotação dos ônibus?
    E quando um ônibus sair de algum terminal ou ponto final só com passageiros sentados, ele não vai atender mais nenhum ponto em percurso, não vai embarcar mais nenhum passageiro, até que alguém desça?
    E se o motorista parar em algum ponto em percurso, com bancos vagos, e haver mais passageiros para embarcar, além da lotação de banco, o que vai acontecer?

    Acjo que nem em cidades de primeiro mundo, nos países mais desenvolvidos, os ônibus só andam com passageiros sentados…

  4. Marcos disse:

    Com a nova licitacao e corte de linhas..vemos que o sistema ê planejado para os onibus ir cheios…..só nao ve que nao quer…linhas com menos passageiros sao extintas…sobre carrregando outras Linhas ja lotadas

  5. Janete Sakie Ogawa disse:

    Muita coisa precisa mudar antes de exigir que todos os passageiros fiquem sentados nos ônibus. Além de número insuficiente para carregar todos os usuários – ainda que a frota integral esteja nas ruas – dificilmente haverá assentos suficientes, principalmente nas horas de pico. Além disso, a maioria dos bancos são para duas pessoas e isso fere o princípio do distanciamento. Corre mais o risco de o passageiro se contaminar se sentar-se ao lado de alguém que esteja tossindo ou espirrando. E se o ônibus passar direto porque não tem mais vagas para sentar, isso vai atrasar o passageiro e haverá reclamações.

  6. Paulo Gil disse:

    Amigos, boa noite.

    Parabéns Adamo e ao DT, matéria muito bem escrita.

    Qualquer terráqueo que assumir a SMT sabe que é uma canoa furada.

    A Jestão atual, já se encerrou; não fez nada até não é agora na reta final que vai fazer.

    E tem mais é os novos e modernos contratos recém assinados, parece que do dia pra noite ficaram obsoletos só por causo do COVID-19?

    Motivo de força maior existe nos contratos desde que o mundo é mundo, não é possível que o último contrato não contemple esta cláusula.

    E sem muitas elucubrações mentias o problema do buzão de Sampa só resolve de uma forma.

    APLICANDO A MATEMÁTICA.

    A matemática claculada por um profissional capacitado fará linhas sensacionais, “inclusivamene” considerando que:

    “A menor distância entre dois pontos é uma reta.”

    E depois outra considerando-se a pandemia faça-mos faixa de buzão Tupiniqui mesmo, o iimportante é ter faixa exclusiva de buzão.

    Peguem um zilhão de baldinhos plásticos de 3,6 litros, um zilhão de cabos de vassou, encham os baldinhos com cimento e coloque os cabos de vassoura, se forem caprichosos pintem de amarelo com listras pretas e distribuam nas vias que não são corredores.

    Pronto já teremos a disposição de todos faixas exclusivas de buzão Tupiniquim.

    Afinal pandemia = emergência.

    Simples assim.

    Menos falação, menos disse que disse, menos fake news e MAIS TRABALHO, afinal gestão pública não pode ser Revista Contigo, que só trata de fofocas. (Com todo respeito a Revista Contigo e nada contra o tema).

    Mas gestão pública tem de ser séria.

    NADA MUDA NO BARSILei.

    SAÚDE A TODOS!

    Att,

    Paulo Gil
    “Buzão e Emoção é a Paixão”

  7. Dirceu dos Santos disse:

    Perfeito o comentário do Sr. Adamo, primeiro, o prefeito quer mesmo a troca do secretario de transporte, segundo, é impossível esta ação de viajar sentado nos ônibus urbanos, como disse o Sr. Adamo, ninguém da periferia sai às 05hs, 06hs, 07hs da manhã para passear. Estes gestores não conhecem a nossa cidade e principalmente a periferia.

  8. vagligeiro disse:

    Interferência da gestão Covas em linhas da EMTU do Alto Tietê prejudica 70 mil pessoas por dia, diz empresa de ônibus
    https://diariodotransporte.com.br/2020/06/05/interferencia-da-gestao-covas-em-linhas-da-emtu-do-alto-tiete-prejudica-70-mil-pessoas-por-dia-diz-empresa-de-onibus/

    Mais um abaixo-assinado tenta reverter cancelamentos de linhas da EMTU por ordem da prefeitura de São Paulo

    https://diariodotransporte.com.br/2020/06/05/mais-um-abaixo-assinado-tenta-reverter-cancelamentos-de-linhas-da-emtu-por-ordem-da-prefeitura-de-sao-paulo/

    Por determinação da prefeitura de São Paulo, mais linha da EMTU é cortada

    https://diariodotransporte.com.br/2020/06/04/por-determinacao-da-prefeitura-de-sao-paulo-mais-linha-da-emtu-e-cortada/

    Moradores de Taboão da Serra fazem abaixo-assinado contra corte de linha da EMTU
    https://diariodotransporte.com.br/2020/06/02/moradores-de-taboao-da-serra-fazem-abaixo-assinado-contra-corte-de-linha-da-emtu/

    Por determinação da prefeitura de São Paulo, 12 linhas da EMTU serão paralisadas na terça-feira (26)
    https://diariodotransporte.com.br/2020/05/25/por-determinacao-da-prefeitura-de-sao-paulo-12-linhas-da-emtu-serao-paralisadas-na-terca-feira-26/

    EMTU corta trajeto de linha intermunicipal de Diadema para São Paulo
    https://diariodotransporte.com.br/2020/05/22/emtu-corta-trajeto-de-linha-intermunicipal-de-diadema-para-sao-paulo/

    O SITE NÃO ignora a falha do mesmo ter retirado linhas da EMTU que atendiam regiões mais centrais de São Paulo – o que mostra que sim, Caram falhou também em não ter previsto a necessidade de coexistir serviços de diferentes modalidades – municipais, intermunicipais, regionais. E a redução de linhas deveria ter sido pensada bem antes.

    Provocar parte dos fãs de transportes para também “tirar a bunda da cadeira” (ou a cara do gradil esperando o ônibus) e pedir para eles tentarem também ajudar a contribuir com ideias e até alguma participação na monitoria do serviço, seria de uma grande valia. Precisamos hoje de cabeças atuando para fazer o transporte público ser seguro (para a saúde) e eficiente para auxiliar a população na mobilidade.

    O uso dos dados do Bilhete Único, a propósito, é um dilema. Para isso, precisaria “anonimizar” tais informações, o que seria similar ao que é feito com as informações de celular: pega-se mais a concentração e o origem-e-destino do que a informação específica da pessoa em si. O dilema é que muitas pessoas pegam linhas que geram um padrão que dificulta o mesmo ser anônimo. Em tempos de preservação de dados, é algo que deve ser discutido com segurança.

    A fiscalização, outro ponto, é difícil. Toda cidade tem problemas sérios com isso – e em partes por causa da nossa cultura que sempre vai priorizar a corrupção que beneficia sem ter violência (só ver que temos dificuldades em controlar o comércio ambulante e a venda de contrabando) do que ter uma população temente a legislação e a fiscalização. A mesma acaba sendo totalmente ineficiente, quanto não, problemática, criando conflitos inúteis entre profissionais públicos e privados. Apesar disso, a mudança do sistema de horários para um escalonamento seria interessante e deveria ser incentivado politicamente.

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