OPINIÃO: Perpetuação do Moto-Greenwash no Conama

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OLIMPIO ALVARES

Violado seguidamente e vítima de filicídio, o Promot finalmente descansou.

Foi consagrada pessoalmente pelo Ministro do Meio Ambiente, presidente do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama em 24.04.2019 a perpetuação do Greenwashna na área do controle de emissões de poluentes de motocicletas no Brasil – marco histórico do sepultamento do (desde 2011) agonizante Programa Nacional de Controle de Emissões de Motocicletas – Promot.

(Leia mais em Conama aprova que motos possam ter catalisadores com apenas 20 mil km de durabilidade)

Com os fiéis votos de diversas entidades que, por missão institucional precípua, deveriam defender o meio ambiente e a saúde da população, e zelar pela qualidade ambiental dos veículos automotores comercializados no Brasil, o Conama e, especialmente, sua Câmara Técnica, rasgaram a “Regra de Ouro” do dimensionamento de engenharia dos catalisadores:

“O processo de licenciamento ambiental dos sistemas de controle de emissões dos veículos deve garantir, que se demonstre objetivamente na prática, que os limites regulamentados de emissão de poluentes sejam atendidos durante o mínimo de cinco anos ou sessenta mil km (no caso das condições da intensidade média de uso brasileira), em uso normal”.

No Brasil, as motocicletas rodam em média doze mil km por ano, cerca do dobro da média europeia – mas as centenas de milhares de motoboys que circulam intensamente em grandes centros urbanos brasileiros (só o Município de São Paulo tem cerca de 250 mil veículos de moto-frete), rodam de trinta a cinquenta mil km por ano; o uso intenso e as condições do pavimento, típicos do Brasil, aceleram o desgaste das peças e componentes dos veículos, especialmente os de menor qualidade, afetando decisivamente sua performance.

A solução para esses problemas de degradação precoce passa muitas vezes por um processo de engenharia amplamente praticado pela indústria automotiva nacional, conhecido por “tropicalização” do projeto.

De fato: dada a buraqueira típica de nossas ruas e estradas, há muito, cobramos com todo rigor dos fabricantes e importadores de veículos aqui no Brasil, que os automóveis tenham a suspensão customizada, bem mais robusta do que aquela dos veículos projetados para as condições do pavimento das vias dos países desenvolvidos. Se não fosse assim, a suspensão de veículos seminovos no Brasil seria danificada em poucos meses; e com isso, os consumidores brasileiros seriam negativamente afetados (no tempo, no bolso e em sua própria segurança), e o risco de acidentes fatais aumentaria.

Pois bem, no caso dos catalisadores automotivos, vale a mesma ideia: os catalisadores de motos no Brasil deveriam ser adaptados (tropicalizados) para as condições locais de intensidade de uso, para garantir seu funcionamento pelo período de cinco anos, conforme a prática dos países desenvolvidos (Regra de Ouro); e também conforme a prática corrente de projeto dos catalisadores dos automóveis brasileiros, que – ironicamente – acaba de ser corrigida pelo próprio Conama (com a devida e pacífica concordância dos civilizados fabricantes de automóveis) de oitenta mil, para cento e sessenta mil km.  Trata-se de uma demanda prioritária bem antiga da sociedade e dos ambientalistas, de mais oito anos, finalmente aprovada pelo Conama.

Assim, pela lógica óbvia e simples da tropicalização, o requisito mínimo de comprovação da durabilidade do atendimento dos limites de emissão do Promot para as motos pequenas (as mais vendidas – com velocidade máxima menor que 130 km/h), deveria ser aumentado dos atuais dezoito mil km (radicalmente insuficientes), para sessenta mil km – pouco menos do dobro dos atuais trinta e cinco mil km exigidos na Europa – para suas motos que rodam anualmente em média a metade das brasileiras.

Não obstante, essa mesma indústria de motocicletas – liderada pelos fabricantes japoneses – que recebe amplos (talvez questionáveis) incentivos neste País, desde sua instalação na Zona Franca de Manaus, recusa-se terminantemente – e com absurda ousadia e inaceitável truculência – a adequar seus produtos e procedimentos de licenciamento ambiental; e ainda, afronta as instituições brasileiras, sem apresentar motivação técnica consubstanciada para essa recusa em corrigir a flagrante distorção funcional de seu produto. E o mais grave: faz isso com a plena anuência do Conama e a inexplicável discreta omissão da maioria dos especialistas e autoridades ambientais oficiais presentes nas muitas discussões que se desenvolveram no Conama.

Consagrou-se desse modo em 24.04.2019, a notável captura pela indústria (leia-se, os poluidores) do comando do processo de definição das regras legais de comprovação da qualidade ambiental de seus próprios produtos, sem apresentar sequer um único um estudo técnico. Afinal, “a raposa tomou conta definitivamente do galinheiro.”

Em verdade, faltaram, e não foram cobrados pelos coordenadores da Câmara Técnica do Conama, os estudos técnicos necessários à tomada de decisão – envolvendo pelo menos os modelos mais vendidos no mercado brasileiro – sobre a capacidade de atendimento dos limites de emissão do Promot ao longo de sessenta mil km, em uso normal. Isso seria o mínimo a ser exigido dos fabricantes para que pudessem então (eventualmente) justificar sua recusa de adoção de requisitos sistemáticos de comprovação de durabilidade de emissões até sessenta mil km para todos os modelos nos processos de homologação de veículos novos, previamente à sua comercialização.

Sem isso, a autoridade ambiental, na prática, abre mão da comprovação técnica, objetiva e garantida da qualidade ambiental dos veículos ao longo do período mínimo de durabilidade aceitável para as motocicletas brasileiras (60 mil km) – que também, por coincidência, é o limite típico de durabilidade de um escapamento de boa qualidade, no interior do qual é fundido o catalisador.

Com essa estranha concessão aos (supostamente) controlados, as autoridades ambientais governamentais controladoras adotaram a prática nefasta e pouco republicana de ignorar as boas práticas da engenharia e acreditar cegamente na palavra oca dos representantes técnicos de uma indústria de motocicletas viciada em subsídios e facilidades, e que veio ao Conama trazendo apenas suas vagas queixas, lágrimas e um pires nas mãos – e sem nada a oferecer em compensação ao aumento dos índices de morbimortalidade nas grandes cidades brasileiras.

Por sua vez, o Conama, um dos mais importantes fóruns de regulamentação ambiental das Américas, chega ao fundo do poço. Esse Conselho perde a pequena reserva de credibilidade que ainda lhe restava após a aprovação (também sem justificativa técnica) da Resolução 491/2018, relativa aos novos padrões de qualidade do ar nacionais – estes, aprovados em um processo tumultuado e arrastado por diversos anos, e não menos polêmico que este do Promot. Os novos padrões de qualidade do ar aprovados pelo Conama são também insuficientes para a proteção ambiental e da saúde de dezenas de milhões de brasileiros. Parece, portanto, que o termo “insuficiência protetiva” tem sido frequente nas narrativas envolvendo os processos abrigados pelo Conama nos assuntos relativos à poluição do ar e controle veicular.

O quadro político atual é controverso, de negação injustificada das mudanças climáticas, liberação de agrotóxicos proibidos em outros países, desconsideração da opinião técnica de uma instituição tecnológica de referência como a Agência Ambiental do Estado de São Paulo – Cetesb, desmonte dos Conselhos ambientais; tudo isso, num ambiente de preconceito e aversão a ambientalistas, no qual o novo Ministro afirma reiterada e mecanicamente que irá focar sua gestão no controle da poluição urbana.

Difícil imaginar o que seria de nós, aspirantes urbanos, se a poluição do ar não fosse seu maior foco de atenção! E, comparando, o que se pode esperar da gestão ambiental em temas que não estão posicionados no centro de seu foco pessoal de atenção? A propósito, como chegamos ao ponto de um indivíduo sem muito conhecimento das nuances e particularidades de cada área do meio ambiente, decidir a priori – unilateralmente – pelo conjunto da Nação, onde por o foco da atenção do Estado?!

Tudo isso é moralmente ruim para o Poder Público – além do próprio desprezo do Estado pela necessidade premente de reduzir os elevados índices de morbimortalidade por doenças cardiorrespiratórias nos centros urbanos brasileiros.

Resta agora para os técnicos, ambientalistas e defensores públicos, além da frustração continuada e do aumento inexorável das concentrações de veneno no ar, arregaçar as mangas para levar a cabo providências essenciais para urgente reversão desse difícil quadro de asfixia regulatória.

Olimpio Alvares é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1981, Diretor da L’Avis Eco-Service, especializado no Japão e Suécia em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos; é fundador e Secretário Executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP; Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT; é assistente técnico do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental – PROAM; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina – CAF, do Sindicato dos Transportadores de Passageiros do Estado de São Paulo – SPUrbanuss e da Autoridade Metropolitana de Florianópolis; é membro titular do Comitê de Mudança do Clima da Prefeitura de São Paulo e coordenador de sua Comissão de Transporte Limpo e Energias Renováveis; membro do grupo de trabalho interinstitucional de qualidade do ar da Quarta Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR) do Ministério Público Federal; assessor técnico das entidades ambientalistas na Comissão de Acompanhamento do Proconve – CAP; colaborador do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, Ministério do Meio Ambiente, Instituto Saúde e Sustentabilidade, Instituto Mobilize, Clean Air Institute, World Resources Institute – WRI-Cidades, Climate and Clean Air Coalition – CCAC e do International Council on Clean Transportation – ICCT, do qual participou de sua fundação nos anos dois mil; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb, onde atuou por 26 anos; participa da coordenação da Semana da Virada da Mobilidade.

Comentários

Comentários

  1. Paulo Gil disse:

    Olimpio Alvares, bom dia.

    A bússola do Barsil esta sem ponteiro desde 1500.

    Agora então nem bússola mais temos, a preocupação é:

    – Tititi nas redes sociais;

    – Horário de verão;

    – Censurar peça de comercial do Banco do Brasil, lembrando que foi bem feita e ficou legal.

    – Andar de moto sem capacete.

    – E demais problemas domésticos diários, que não são da competência do alto escalão e muito menos do Presidente de uma República, mesmo sendo esta o Barsil.

    A política nunca pode interferir na técnica; senão não teríamos nenhuma fábrica de hidrogênio no Barsil, caso contrário todas já teriam explodido literalmente.

    E nem a tabela básica do INSS com os valores das Receitas, despesas e fraudes; afinal eu não vi ninguém apresentá-la, afinal sem esta tabela não como propor a mudança de nem uma vírgula no INSS.

    E anotem ai mais uma previsível do Paulo Gil, o Ministro Paulo Guedes, não vai aguentar está ineficiência política quanto a aprovação ou não da reforma previdenciaria, afinal cada dia de inércia aumenta o rombo, logo logo ele entrega a carta de demissão que já esta impressa, assinada; só faltando assinar e entregar.

    Eu nunca vou me esquecer de um artigo seu que trouxe a baila o “Princípio do Poluidor Pagador”; este até então desconhecido por mim; portanto PP – Pagou Poluiu.

    Não há mais nada a esperar da gestão infantil do Barsil.

    Abçs,

    Paulo Gil

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