Para Procurador, decisões recentes do Conama sobre Euro 6 e índices de qualidade do ar demonstram atraso do Estado brasileiro no combate à poluição atmosférica

José Leonidas Bellem de Lima, Coordenador de Grupo de Trabalho Qualidade do Ar do Ministério Público Federal, faz críticas contundentes ao atraso da fase P8 do Proconve e à revisão dos índices de poluição

ALEXANDRE PELEGI

Em reunião no dia 30 de outubro de 2018 o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) referendou a fase P8 do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), referente ao controle das emissões de gases poluentes para veículos pesados novos. Além disso, revisou a Resolução 03/90, sobre índices de poluição.

No caso do Proconve, o Conama decidiu adotar o ano de 2023 para a adoção do Euro 6, mais moderno e eficiente no controle das emissões de poluentes de caminhões e ônibus. O Euro 6, alertam os especialistas, já foi adotado por outros países, como Estados Unidos (em 2010), Europa (em 2012) e, em breve, na China (2021).

Não à toa, cientistas e ativistas criticaram as decisões aprovadas no Conselho, que definem como de alto potencial poluidor. O pior, alegam eles, é que tudo foi feito com o aval do Ministério do Meio Ambiente.

As reclamações não são bravatas alarmistas; antes pelo contrário, se fundamentam em dados, estes sim alarmantes. No Brasil, os veículos pesados – caminhões e ônibus – respondem por 80% das emissões de material particulado, causador de doenças respiratórias e um grande contribuinte para o aumento da mortalidade nas metrópoles.

Estimativas da OMS dão conta de que cerca de 7 milhões de pessoas podem morrer por causa do ar tóxico. Outro dado: a poluição do ar pode ser responsável por um terço das mortes por acidente vascular cerebral, câncer de pulmão e doenças respiratórias.

Uma semana antes da decisão do Conama, uma pesquisa do Instituto Saúde e Sustentabilidade e da Escola Paulista de Medicina, divulgada no dia 24 de outubro de 2018, referendou a preocupação dos especialistas.

Segundo a pesquisa, a poluição do ar devido ao material particulado fino (MP2,5), caso persista nos mesmos patamares até 2025 na região metropolitana de São Paulo (RMSP), causará 51.367 mortes. Serão, portanto, 6.421 mortes anuais, ou 18 mortes por dia na RMSP, com uma perda de produtividade estimada em R$ 22,3 bilhões.

PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA QUESTIONA DECISÕES DO CONAMA:

José Leonidas Bellem de Lima, Procurador Regional da República e Coordenador do Grupo de Trabalho Qualidade do Ar da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), divulgou nesta quarta-feira, dia 14 de novembro de 2018, um texto que enviou para a rede institucional de membros do MPF, ao qual o Diário do Transporte teve acesso.

Sob o título “Entre Brasília e Genebra: O Conama na Contramão da Qualidade do Ar”, Bellem de Lima começa citando a votação e aprovação, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de duas resoluções que, segundo ele, “demonstram de forma escancarada o atraso do Estado brasileiro no combate à poluição atmosférica e mesmo o descaso que vêm demonstrando em relação ao meio ambiente e às vidas humanas que são anualmente ceifadas por esse grave problema”.

O texto de Bellem de Lima é uma crítica contundente às duas decisões do Conama, tanto ao prazo remetido para 2023 da fase P8 do Proconve, quanto à revisão da Resolução sobre índices de poluição.

Comparando dois momentos distintos em reuniões que aconteciam simultaneamente em Brasília e Genebra, na Suíça, o Procurador escreve que, enquanto aqui “se davam os trâmites finais para aprovação de regulamentações deficientes quanto à proteção dos nossos direitos fundamentais (ambiente, saúde e vida) e mesquinhas ante a enormidade do problema”, na cidade suíça “o resto do mundo dava início a uma discussão de alto nível sobre a urgência de se tomar atitudes concretas para a melhoria da qualidade do ar”.

Em Genebra, nos dias 30 de outubro e 1º de novembro, mesma época das decisões do Conama, acontecia a Primeira Conferência Global Sobre Poluição do Ar e Saúde, promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em outro trecho do documento, Bellem de Lima realça as diferenças entre os momentos vividos pelas duas cidades, Brasília e Genebra, quanto à primeira das resoluções aprovadas pelo órgão ambiental, “fruto da revisão da obsoleta Resolução 03/90, que estabelece os padrões nacionais de qualidade do ar (PQAr), que são, a grosso modo, índices-limite de concentrações para determinados poluentes atmosféricos”.

Escreve o Procurador: “No mesmo momento em que aqui se aprovava essa verdadeira licença eterna para poluir, em Genebra se estabelecia a meta de conseguir o compromisso de ao menos 20 países e 50 cidades para o atingimento, até 2030, dos valores-guia da OMS. Os mesmos valores-guia que os conselheiros do Conama frequente e comodamente afirmam que “não vinculam” o Estado Brasileiro, pois seriam apenas recomendações. No resto do mundo, o chamado pelo “compromisso voluntário”; no Brasil, a esquiva fácil da não obrigatoriedade”.

Bellem de Lima critica a segunda resolução aprovada no Conama, que consolidou a fase P8 do Proconve, equivalente ao Euro 6: “foi aprovado o maior prazo entre os propostos – o ano de 2023 – para a adoção do padrão mais moderno e eficiente de controle de emissões de poluentes para caminhões e ônibus”. Bellem afirma que a tecnologia para solucionar esses problemas já é bem conhecida, e questiona: “por que não adotá-la para o mercado interno brasileiro?”.

Citando o encontro de Genebra, ele aponta que lá falou-se em urgência para a adoção de “soluções de emissão zero” e meta de redução de dois terços, até 2030, do número de mortes causadas pela poluição do ar (estimadas em 7 milhões de pessoas por ano no mundo inteiro e 50 mil só no Brasil).

E conclui: “Se ainda restava alguma dúvida de que o Conama, ao privilegiar interesses políticos econômicos e classistas, tem corrido na contramão do resto do mundo no que toca à melhoria da qualidade do ar, essa lamentável coincidência de eventos ao menos tem o condão de demonstrar isso de maneira didática e cristalina”.

Confira na íntegra o texto distribuído pelo Procurador Regional da República José Leonidas Bellem de Lima:

Entre Brasília e Genebra: O Conama na Contramão da Qualidade do Ar

No dia 30 de outubro, foram votadas e aprovadas no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) duas resoluções que demonstram de forma escancarada o atraso do Estado brasileiro no combate à poluição atmosférica e mesmo o descaso que vêm demonstrando em relação ao meio ambiente e às vidas humanas que são anualmente ceifadas por esse grave problema.

Enquanto em Brasília se davam os trâmites finais para aprovação de regulamentações deficientes quanto à proteção dos nossos direitos fundamentais (ambiente, saúde e vida) e mesquinhas ante a enormidade do problema, em Genebra o resto do mundo dava início a uma discussão de alto nível sobre a urgência de se tomar atitudes concretas para a melhoria da qualidade do ar. Entre os dias 30 de outubro e 1º de novembro, acontecia naquela cidade a Primeira Conferência Global Sobre Poluição do Ar e Saúde, promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Um resumo dos pontos discutidos e das metas traçadas na conferência já está disponível no sítio da OMS pelo link <http://www.who.int/phe/news/clean-air-for-health/en/&gt;.

A primeira das resoluções aprovadas pelo Conama é fruto da revisão da obsoleta Resolução 03/90, que estabelece os padrões nacionais de qualidade do ar (PQAr), que são, a grosso modo, índices-limite de concentrações para determinados poluentes atmosféricos. Se a antiga resolução se encontrava defasada, com valores muito inferiores ao que a ciência médica passou a indicar como minimamente aceitáveis para a saúde humana, a nova nada significa para a transformação desse quadro: estabelece PQAr’s iniciais em valores muito superiores aos que são recomendados pela OMS, e não prevê mecanismos de estímulo (prazos peremptórios, sanções etc.) para que essas metas “de partida” sejam substituída pelas subsequentes, mais protetivas.

No mesmo momento em que aqui se aprovava essa verdadeira licença eterna para poluir, em Genebra se estabelecia a meta de conseguir o compromisso de ao menos 20 países e 50 cidades para o atingimento, até 2030, dos valores-guia da OMS. Os mesmos valores-guia que os conselheiros do Conama frequente e comodamente afirmam que “não vinculam” o Estado Brasileiro, pois seriam apenas recomendações. No resto do mundo, o chamado pelo “compromisso voluntário”; no Brasil, a esquiva fácil da não obrigatoriedade.

A outra resolução aprovada no Conama consolidou uma das fases do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), que trata do controle das emissões de gases poluentes para veículos pesados novos.

No Proconve, foi aprovado o maior prazo entre os propostos – o ano de 2023 – para a adoção do padrão mais moderno e eficiente de controle de emissões de poluentes para caminhões e ônibus. O padrão P8 no Brasil é equivalente ao Euro 6, que já foi adotado nos Estados Unidos em 2010, na Europa em 2012 e que deve ser adotado pela China em 2021. No Brasil, segundo a nova resolução do Conama, isso só passará a valer em 2023. A tecnologia para solucionar esses problemas já é bem conhecida. E por que não adotá-la para o mercado interno brasileiro? A regra do Conama permitirá mais quatro anos de folga.

Já em Genebra, fala-se em urgência para adoção de “soluções de emissão zero” e meta de redução de dois terços, até 2030, do número de mortes causadas pela poluição do ar (estimadas em 7 milhões de pessoas por ano no mundo inteiro e 50 mil só no Brasil).

Se ainda restava alguma dúvida de que o Conama, ao privilegiar interesses políticos econômicos e classistas, tem corrido na contramão do resto do mundo no que toca à melhoria da qualidade do ar, essa lamentável coincidência de eventos ao menos tem o condão de demonstrar isso de maneira didática e cristalina.

O Ministério Público Federal, ao longo de todo o tempo de trâmite dessas normas no Conama — e ao lado das ONG’s ambientalistas legítima e exclusivamente comprometidas com o meio ambiente, a saúde e a vida da população — se posicionou com tenacidade e embasamento técnico para que o Brasil estivesse em consonância com as melhores práticas do mundo para a concretização de uma política de ar limpo no Brasil.

As expectativas que foram frustradas no Conama não são, contudo, fruto de simples capricho de nossa parte: elas derivam da própria Constituição Federal, que estabelece o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. E como disse a Procuradora-Geral da República em audiência pública que promovemos sobre o processo de revisão da Resolução 03/90, “qualquer regramento que não garanta a extensiva e e eficaz proteção a esses direitos [meio ambiente e saúde] não estará sob a guarda da nossa ordem constitucional”.

José Leonidas Bellem de Lima

Coordenador do GT Qualidade do Ar, da 4ª CCR


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Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes

Comentários

Comentários

  1. Rodrigo Zika! disse:

    A única coisa que as empresas querem e isenções, investir pra melhorias nada, só fazem isso na Europa, porque lá o governo não da boi pra empresa, ou faz ou toma multas milionárias, uma vergonha.

  2. Luis Ronconi disse:

    Temos soluções para reducao de Particulados para onibus urbano sem.precisar ir direto p Conama P8 vide licitacao ganha com forcenimento de 700 onibus articulados e biarticulados para Bogotá…

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