Especialista alerta para lacunas, definições não muito claras e possíveis problemas na implantação da inspeção veicular

Foto: Divulgação

Apesar de considerar um avanço a resolução da Contran, que tornou obrigatória a inspeção técnica veicular em todo o país até 2019, o engenheiro Olimpio Alvares faz alguns comentários. Leia a entrevista abaixo:

ALEXANDRE PELEGI

O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou na edição desta sexta-feira (8) do Diário Oficial da União (DOU) a resolução nº 716, que define as regras do programa de inspeção técnica veicular, tornando-a obrigatória em todo o país até 31 de dezembro de 2019.

Fomos ouvir Olímpio Alvares, engenheiro e especialista em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar.

A primeira pergunta foi óbvia. Sendo ele um dos maiores defensores da inspeção veicular no país, perguntamos se com a resolução federal o problema estaria, por ora, encaminhado para uma solução definitiva.

Olimpio respondeu que a inspeção técnica veicular da forma como foi anunciada pela resolução, vinculada ao licenciamento anual, “é um programa necessário e obrigatório em todos os países civilizados. No Brasil é lei federal desde 1997 no Brasil, cuja obrigatoriedade está explicitada no artigo 104 do Código de Trânsito Brasileiro”.

Quando pergunto o motivo então de até hoje o Brasil não ter uma inspeção veicular, Olimpio explica que o motivo da lei não ser cumprida se deve a motivos demagógicos e eleitoreiros.

Os gestores públicos brasileiros, especialmente as autoridades de trânsito e ambientais, nunca se constrangeram em ignorar a lei, e assim não cumpri-la – especialmente as ambientais, que já tinham todos os elementos regulatórios definidos pelo Conama desde 1993”.

Para Olimpio, mais que uma falta total de visão de homens de Estado, essa atitude de descaso vem provocando milhares de mortes e danos de saúde e materiais desde 1997, com custos associados bilionários”, ele explica.

“Apesar da consciência dos danos que esta omissão produz, os agentes que deveriam cuidar da defesa do interesse público, seguem na omissão inconstrangida e impune.”

A resolução do Contran, avalia Olimpio, é boa inicialmente porque se as coisas se ajeitarem durante os próximos meses na área regulatório e de definição de atribuições e regras de credenciamento, pode-se colocar um ponto final nessa vergonhosa novela de mais de 20 anos.

Para explicar o resultado da obrigatoriedade da inspeção, Olimpio descreve, a partir de uma situação corriqueira em todas as cidades brasileiras, como será a implantação da inspeção:

“Se o cidadão quere conduzir um veículo que causa risco à população – que é o que acontece desde sempre em nossos municípios -, ele terá a obrigação de demonstrar, por sua conta e continuamente à sociedade exposta, que minimiza todos os riscos que ele pode causar, e que mantém seu veículo em bom estado. Isso significa dizer que cuida e mantém todos os aspectos de segurança e emissões de poluentes de seu veículo, e ainda por cima terá de pagar por isso”.

Fazendo isso, o proprietário de um veículo ajudará a reduzir em alguns pontos percentuais a estatística geral de acidentes, e isso é muito significativos pelo tamanho da frota brasileira”. E Olimpio completa: “no lado ambiental ele estará contribuindo para reduzir a poluição do ar (especialmente por material particulado ultrafino cancerígeno do diesel) e a sonora (um dos maiores problemas de conforto e saúde da poluição urbana)”.

Mas além dos deveres e obrigações, a inspeção trará benefícios diretos ao motorista, “como a redução no consumo de combustível em até cerca de 5% – além das emissões de CO2 que causam o aquecimento global. Só na redução dos custos, garante Olimpio, o motorista economizará dinheiro suficiente para cobrir os custos diretos e indiretos da inspeção”.

Para a sociedade, além da redução dos acidentes e das emissões de poluentes, a inspeção trará outros benefícios, como descreve Olimpio Alvares: “ajuda na ordem do cadastro de veículos dos Detrans; identifica estatisticamente e reporta publicamente defeitos típicos por modelo de veículo; dificulta o furto de veículos; aquece e capacita o mercado na reparação e de peças de reposição de boa qualidade”.

Por ter desenvolvido e criado este Programa – do lado ambiental – aqui no Brasil quando atuava na Cetesb, tem dados e estatísticas que comprovam que existe sim uma grande quantidade de benefícios nesse programa que, para ele, é um modelo tipo “ganha-ganha”: o individual se submetendo ao interesse maior do coletivo acaba sendo bom para todos, situação que não ocorre hoje, quando o excesso de veículos em más condições mecânicas só traz prejuízos para a sociedade.

Mas sua maior preocupação é com a chamada “Frota Cabrita”, que não faz mais seu licenciamento anual, tem passivos de multas estrondosos, e cujos veículos, segundo Olimpio, “não comparecerão às inspeções, isso é óbvio”.

Segundo Olimpio, “os governantes vêm fechando os olhos para este problema há décadas e precisam fazer algo, porque chegamos a uma frota circulante clandestina de cerca de 30% do total, uma enorme aberração civilizatória“, ele diz.

Olimpio afirma categoricamente: “se não equacionarmos definitivamente este problema, para zerá-lo em uns 15 anos, o crescimento da Frota Cabrita será sensível e inspecionaremos somente os veículos cujos proprietários têm maior cuidado com seu estado de manutenção, uma vez que os piores ficarão de fora da inspeção”.

Olimpio se refere a esse efeito como o “apartheid automotivo”, e afirma: “ninguém está cuidando disso, e é essencial fazê-lo“.

Antes que eu pudesse encerrar a entrevista, Olimpio diz que há um aspecto fundamental a considerar: a forma como a inspeção vai ser implantada e realizada no país.

Não pode ter inspeção mal implantada, ineficiente e carente de rigorosa supervisão de terceira parte. Se for assim, deixa tudo como está, é muito dinheiro jogado fora e acabará descambando para a fraude generalizada. Claro, porque se tudo estiver ‘dentro dos conformes’, o jeitinho brasileiro resolve o laudo”, finaliza.

PRÓXIMOS PASSOS:

Olimpio encerra a entrevista observando que o primeiro grande passo está dado, “para enfim os estados implementarem seus programas integrados (emissões e segurança) de inspeção veicular, tudo junto num mesmo momento e local feito pelo mesmo operador”.

Mas, muitos ajustes precisam ser feitos, ele reforça. “O mais urgente é acertar na forma mais adequada da terceirização. Como disse o colega Aquiles Pisanelli, o modelo de credenciamento livre de empresas sugerido na Resolução do Contran pode levar à concorrência predatória em certas áreas e deserta em outras. Não funciona. Daí, os estados terão necessariamente que determinar lotes geográficos limitados de operação e contratar por concorrência as empresas que operarão cada lote por tempo determinado, não inferior, nem superior a 10 anos”.

E alerta: “Muitos outros elementos regulatórios também carecem de revisão. Mas, o mais importante, seria estabelecer as sanções para os governadores estaduais que continuarem a ignorar esta exigência legal. Sem isso, o risco de não haver programas é grande”.

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transporte

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