OPINIÃO: O TAR e a certidão negativa de débitos – a ilegalidade da exigência
Publicado em: 29 de agosto de 2022

Hoje a maior dificuldade para se recadastrar Termo de Autorização de Serviços Regulares é conseguir a emissão de tais documentos junto à ANTT
MARCELO BRASIEL
Na habilitação de novas empresas ou para o simples recadastramento do TAR – Termo de Autorização de Serviços Regulares, a ANTT exige algumas Certidões Negativas de Débitos, sob pretexto de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista das transportadoras, através da Resolução/ANTT nº 4770/2015, arts. 11 e 12.
Porém, exigir essas certidões negativas para recadastramento e emissão do TAR é ilegal, de acordo com o que foi julgado pelos principais tribunais.
Vale ressaltar que, hoje a maior dificuldade para se recadastrar o TAR é conseguir a emissão das tais Certidões Negativas de Débito junto à ANTT.
Normalmente, a empresa enxerga apenas duas saídas para não perder sua autorização: (i) pagar todo o saldo de multas junto à ANTT ou (ii) pedir parcelamento dos débitos [1], para emissão da Certidão Positiva com Efeito de Negativa, se obrigando ao pagamento total da dívida em salgadas prestações.
Ao fazer tal compromisso de pagamento ou parcelamento, a empresa pode sofrer diversos danos colaterais, dentre eles, destaco os seguintes:
a) Perda significativa de fluxo de caixa;
b) Parcelamento de mais débitos do que o necessário [2];
c) Renúncia ao direito de recorrer administrativamente e judicialmente das multas;
d) Desistência de ações judiciais e recursos administrativos em andamento;
e) Confissão irretratável e irrevogável de todo o débito parcelado, que, em caso de inadimplência, podem ser inscritos no CADIN e na Dívida Ativa, sem notificação.
Contudo, por essas e outras razões, várias transportadoras recorrem ao judiciário para se desobrigarem de apresentar as Certidões Negativas de Débito para o recadastramento ou cadastramento do TAR.
Nos casos judiciais, comumente são aplicados em analogia os entendimentos das súmulas nº 70 e 547, ambas do Supremo Tribunal Federal. Vejamos:
Súmula STF nº 70: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula STF nº 547: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
Isso porque, a ANTT exige a Certidão Negativa como condição para o exercício da atividade econômica desenvolvida pelas transportadoras. Por isso é medida ilegal e inconstitucional, que deve ser prontamente combatida.
A pretensão de condicionar a emissão ou recadastramento do Termo de Autorização à quitação de multas diante da existência de meios jurídicos próprios para cobrança e recebimento de tais dívidas, é descabida.
Nesse sentido é que a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1 [3] e do Superior Tribunal Federal – STF [4] adotam o entendimento de que a exigência de demonstração de regularidade fiscal do contribuinte para a prestação de um serviço público pela administração extrapola os limites de seu poder regulamentar, consistindo em meio coercitivo indireto para pagamento de tributo, o que é incabível.
Ainda de acordo com o STF, a exigência de apresentação da comprovação de ausência de multa impeditiva junto à ANTT como condição para a obtenção do Termo de Autorização de Serviços Regulares (TAR) viola o princípio da proporcionalidade, uma vez que se trata de medida desnecessária e gravosa ao interessado.
Além disso, as exigências de necessidade de comprovação da regularidade fiscal através de certidão, bem como de regularidade trabalhista não decorrem de lei e, representam, por via indireta, a cobrança de dívidas por meio de sanções administrativas, o que é vedado conforme exposto acima nos enunciados das Súmulas nº 70 e 547 do Supremo Tribunal Federal.
A grande afronta ao que vem sendo julgado pelos tribunais é que, provavelmente, tais exigências sejam ratificadas através do art. 5º, I, II, IV, V, VI e VII, da nova minuta de resolução [5]. Veja:
Art. 5º Para a comprovação da regularidade econômica, serão exigidos: I- Certidão Negativa de Débitos ou Certidão Positiva com efeitos de Negativa de débitos relativos aos créditos tributários federais e à Dívida Ativa da União, emitida, conjuntamente, pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), relativa à sede da pessoa jurídica;
II- Certidão Negativa de Débitos ou Certidão Positiva com efeitos de Negativa de Débitos com a Fazenda Estadual em que a pessoa jurídica for sediada, assim como nas Unidades da Federação nas quais a transportadora tiver Inscrição Estadual, inclusive quanto à dívida ativa; […] IV- Certidão Negativa de Débitos ou Certidão Positiva com efeitos de Negativa de Débitos com a Fazenda Municipal em que a pessoa jurídica for sediada, inclusive quanto à dívida ativa; V- Certidão Negativa de Dívida Ativa ou Certidão Positiva com efeitos de Negativa de débitos emitida pela Procuradoria Federal junto à ANTT, que comprove a inexistência de débitos inscritos na dívida ativa da ANTT;
[…]
VI- Certificado de regularidade do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), relativa à sede da pessoa jurídica;
VII- Certidão Negativa ou Certidão Positiva com efeitos de Negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que comprove a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho;
Assim, correto é o entendimento de que a ANTT não pode exigir das transportadoras as Certidões Negativas que comprovem inexistência de débitos fiscais ou trabalhistas para condicionar a emissão/recadastramento do Termo de Autorização e, caso persista tal exigência na nova resolução, esta poderá tão logo sofrer intervenções judiciais por estar em desconformidade com a lei e a constituição.
NOTAS:
[1] Resolução nº 5.830, de 10 de outubro de 2018.
[2] Em razão do tempo real que leva para a aprovação do parcelamento de débitos e emissão da Certidão Negativa da ANTT, algumas “novas multas” que não estavam no parcelamento acabam sendo inscritas em dívida ativa durante esse trâmite, e quando a aprovação do parcelamento é concluída, a empresa tem que pagar as “novas multas” que entraram em dívida ativa para poder emitir a Certidão Negativa. O que acaba forçando a transportadora a incluir mais “multas” do que o necessário, para evitar uma grande dor de cabeça. Em outra oportunidade pretendo discorrer mais sobre o tema.
[3] (AMS 1003698-50.2019.4.01.3400, JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA (CONV.), TRF1 – SEXTA TURMA, PJe 10/08/2021 PAG.) – (AMS n. 1018942-53.2018.4.01.3400 – Relatora Desembargadora Federal Daniele Maranhão Costa – e-DJF1 de 15.01.2020) – (AC n. 0001613-04.2016.4.01.3307 – Relator Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro – e-DJF1 de 21.10.2020)
[4] ARE 1382921,”PRESIDENTE”,”18/05/2022″,”17/05/2022″, “https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho1305491/false”
[5] Site:<https://participantt.antt.gov.br/Site/AudienciaPublica/VisualizarAvisoAudienciaPublica.aspx?CodigoAudiencia=502>. Acesso em 26/08/2022.
Marcelo Brasiel é advogado, especialista na área de transportes terrestres e representante de empresas do setor, sócio fundador da banca de advogados Villela, Machado & Brasiel Advogados, com sede em Brasília e filial em São Paulo.
Já começa errado sendo as multas julgadas por técnicos em regulação, ou seja, fiscal analisando multa de outro fiscal e na mesma região da autuação. Por mais elaborada e com provas apresentadas, sempre prevalece a “fé pública do agente”. Digo isso por já ter passado por tal experiência várias vezes, mas não é esse o tema.
Em setembro do ano passado comecei a saga de renovação de um TAR. Com toda a documentação em dia, chegou a vez da CND da ANTT. Em resposta apenas informaram a existência de débitos, mas não apontaram quais e, no local indicado onde gastaram páginas de explicação de como acessar, sendo que eu já tinha acesso, encontrei alguns que enviei para pagamento. Tão logo os pagamentos foram quitados, solicitei novamente a CND e veio a mesma resposta de existência de débitos acompanhada da explicação de acesso. Porém desta vez não havia mais nada pendente, foram pagas até as que não eram impeditivas para não correr o risco. Já no início de dezembro, depois da terceira resposta repetitiva, demonstrei minha perda de paciência e finalmente me enviaram uma listagem onde continha autos já fora do âmbito da agência, ou seja, na procuradoria federal para envio de aviso de execução. Entrei em contato, consegui resolver. Já no começo de janeiro, solicitei nova CND e veio a mesma resposta. Verifiquei a listagem e nada pendente, marcado como impeditivo. Inclusive a própria procuradoria enviou um e-mail para eles informando que não havia mais nada lá. Depois de muita insistência informaram que a pendência era um auto da PRF do ano de 2016 e que por várias vezes tentei pagar para ficar livre e apenas abria a mensagem de indisponível para pagamento.
Essa novela somente foi resolvida em fevereiro, seis meses depois de dar entrada na documentação. E poderia ser bem simples se eles enviassem uma listagem clara na primeira solicitação.
O autor da opinião é meio confuso na matéria. Há certidões tributárias e trabalhistas a serem apresentadas, mesmo sendo positivas (com efeito de negativas) e há as de multas ditas impeditivas (ou seja, aquelas que ou não foram quitadas até o vencimento ou sequer a empresa recorreu) e administradas pela agência. Quando se dá entrada para novo TAR ou renovação, o requerimento (protocolo) é criado independente de haver a CND do interessado.
Se essas exigências servem para ‘barrar’ uma nova entrante (empresa interessada em atuar no sistema), por que razão seriam dispensáveis para uma operadora já com uma LOP?
De outra forma, não se deve argumentar com essas ‘inconveniências’ pelo simples fato de que são autorizatarias executando um serviço público em nome do Estado – natural que a administração pública cobre a seus parceiros a regularidade fiscal, trabalhista e infracional. Ou então se retirem essas exigências a qualquer um pretendente, ativo ou novo.
É exatamente isso Wilson.. um looping eterno de pagamentos, que te levam a pagar inclusive as multas não impeditivas. Sem contar a ilegalidade da cobrança. Uma regra que tem que deixar de existir.
Obrigado por sua opinião. De fato, dentre as certidões foquei como exemplo a CND que é emitida junto à ANTT e que causa o maior embaraço no recadastramento do TAR, porém, fundamento a ilegalidade de exigência de todas as certidões (de regularidade fiscal e trabalhista – arts. 11 e 12 da 4770/2015) em decisões judiciais, inclusive do STF. De toda forma, sua opinião enriquece o debate sobre o tema.
1. A CND precisa continuar a ser solicitada;
2. Se houver erro ou abuso do agente público, este deve ser chamado a responsabilidade, através do processo competente para isso. Ou seja, na Ouvidoria do Órgão Público e com o respectivo processo por dano material e moral. A desídia do funcionário não pode ser desculpa para perpetuar-se a sonegação fiscal.