OPINIÃO: Transporte Coletivo é diferente de “aglomeração”

Ônibus em Porto Alegre

ROBERTO SGANZERLA

Temos visto nos últimos dias alguns mms e vídeos rodando na internet, questionando por que não se pode fazer “aglomeração” em casa, em festas privadas ou clandestinas, e no “transporte coletivo” pode.

A resposta é porquê não são a mesma coisa, por mais que esta afirmação possa parecer contrária ao senso comum, e fazer afirmações baseadas apenas no senso comum e não em estudos qualificados, pelos menos referente a esta pandemia, pode ter alta margem de erro.

O problema se agrava quando muitos da imprensa continuam dando voz a tais afirmações, ao invés de respaldarem seu ponto de vista em estudos científicos e trabalhos confiáveis realizados em diversos lugares do mundo, inclusive no Brasil, que tratam do assunto. Mas emitir opinião pelo senso comum, sempre é mais fácil do que a pesquisa e o estudo.

Vamos a priori analisar uma das constatações do inquérito sorológico da capital paulista, realizado pela Prefeitura de São Paulo em parceria com a USP (Universidade de São Paulo), apresentado em Fevereiro/21, sobre o risco de pegar a covid-19 na cidade de São Paulo, conforme noticiado pelo Diário Transportes 1:

  • Entre os que saem para atividades não essenciais, como lazer, bares e restaurantes, a taxa de prevalência é de 19,2% (sem restrição alguma).

 

  • saindo para trabalhar ou para outras atividades essenciais, seja de carro e transporte público (ônibus, trens e metrô), a taxa de prevalência é de 13,6%

 

  • Ficar em casa ainda é mais seguro, mas não muito mais do que em relação a quem trabalha: a prevalência é de 11,4%

 

O Professor Jose Medina – Médico do Centro de Contingência da covid-19 em São Paulo, em sua fala nesta quinta-feira (11/03) durante a coletiva do governador João Dória, no Palácio dos Bandeirantes, complementa:

 “O risco de contágio é maior em aniversário com aglomerações do que no transporte público. No aniversário você tem tempo de exposição maior e tem aglomerações de pessoas com faixas etárias diferentes. E com muita informalidade. Todos conhecemos histórias de quem foi em festas e depois apareceram 3 ou 4 pessoas contagiadas. No transporte público é mais difícil definir isso, mas lá tem protocolo, tem máscara e as pessoas estão pensando no vírus”.

Outro ponto importante a se destacar, que demostra que o Transporte Coletivo não é um vetor de transmissão como alguns pensam, é o fato de que o índice de contaminados pela covid- 19 entre os funcionários do sistemas de transportes coletivos, via de regra, tem sido expressivamente menor do que a média da população da cidade, a exemplo de Porto Alegre.

Segundo a estatística realizada em Fevereiro/21 o índice de contaminados pela covid- 19 entre os funcionários do sistema de Transporte por Ônibus da Capital de Porto Alegre, foi 28% menor que o da população geral da cidade.

Esta não foi apenas uma constatação pontual, desde agosto de 2020 os índices são acompanhados periodicamente em Porto Alegre, e em todos os levantemos o % de contaminados entre os funcionários do setor de transporte tem sido cerca de 30% menor do que a média da população.

Se o transporte coletivo fosse o grande vetor de transmissão da covid-19, os colaboradores do transporte público deveriam estar entre os grupos que mais se contaminam com o coronavírus e contraem a covid-19, abaixo apenas dos profissionais da saúde que trabalham em hospitais, como alguns sugerem.

Isto não ocorre porque a maioria das empresas de transporte coletivo do país e do mundo, tem adotado protocolos de segurança, composto por dezenas de medidas de prevenção a convid-19, portanto, o transporte público sendo operado com “protocolos”, e os passageiros fazendo a sua parte na prevenção, pode sim ser um meio seguro para a mobilidade urbana.

Um estudo feito pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) e Universidade de Oxford (Inglaterra) 4 que sugere que locais como o transporte coletivo, mesmo com alta ocupação, apresenta baixo risco de contagio, devido as características do serviço:

ü  período curto de permanência,

ü  espaço fechado mas bem ventilado (janelas abertas) 3,

ü  obrigatório o uso máscara,

ü  não ficam falando, gritando, cantando,

ü  as empresas operadoras seguem protocolos de segurança.

Isto o diferencia significativamente das chamadas “aglomerações”, quer sejam elas feitas em casa (com pouca ou muita gente) ou em festas clandestinas, pancadões etc.. que tem como características frequentes:

ü  períodos longos de permanecia,

ü  espaços nem sempre bem ventilados,

ü  a maioria não usa máscara,

ü  conversam, gritam, cantam, comem,

ü  via de regra, não seguem protocolos de segurança.

A campanha “Protocolo Transporte Seguro” 4, realizada pela FETRASUL, com apoio da NTU, que foi veiculada em Goiânia e Anápolis – GO, Palmas -TO e Brasília -DF, demonstra de modo didático, o estudo realizado pelo MIT/Oxford.

Portanto, para os tempos pós-normais, o problema não está no “coletivo”, mas no “coletivo sem protocolos”.

 

1 https://diariodotransporte.com.br/2021/02/12/risco-de-a-covid-19-pegar-quem-sai-para-atividades-nao-essenciais-e-quase-o-dobro-do-que-em-deslocamentos-para-trabalho/

 

2

 

3 Um estudo desenvolvido pela Marcopolo e a Universidade de Caxias do Sul/RS, constatou que o volume de ar por pessoa dentro de um ônibus chega a ser 63% superior do que o exigido pela ABNT para renovação de ar em estabelecimentos comerciais como shopping certes, bancos, supermercados, academias, aeroportos entre outros.

4 Campanha semelhante também está sendo veiculada em São Bernardo do Campo, Diadema, Guarulhos (SP), Porto Alegre e Rio Grande (RS) e na Grande Vitória (ES).

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Roberto Sganzerla

Especialista em Marketing de Transportes e Mobilidade Urbana

 

Mestrado em Liderança pela Andrews University – Berrien Springs, MI – USA

MBA em Gestão de Negócios e Liderança

Pós-Graduação em Marketing

 

OS ARTIGOS DE OPINIÃO NÃO REPRESENTAM NECESSARIAMENTE A POSIÇÃO DO DIÁRIO DO TRANSPORTE 

 

Comentários

Comentários

  1. Gabriel Silva disse:

    O problema é que ninguém liga para transporte público além de aspectos superficiais como comodidade e rapidez, o resultado está aí: empresas falindo e greves pipocando por todo o país.
    Tem gente que parece que pensa que transporte público não custa nada para operar, que a tarifa se trata de um mero luxo de avarentos empresários, o que não poderia estar mais errado.
    Não me entenda errado: o empresário do transporte médio não é flor que se cheire e é culpado por uma série de vícios que assombram o transporte público rodoviário como um todo. No entanto, usar isso como argumento para colocar as duas mãos nas orelhas e olhos, fingindo que o setor está umas mil maravilhas e que se não fosse por eles a frota estaria rodando em 100% em todas as cidades é de uma miopia imensa.
    O fato é: o transporte público custa dinheiro e muito, a passagem não custeia o serviço. Muito tem se falado sobre fontes alternativas de receitas, mas pouco tem sido feito.
    A pandemia está aí e vai mudar muito o cenário da mobilidade urbana nos próximos anos, agora só nos resta saber o quão profunda essas mudanças serão e se estamos preparados para elas.

  2. Wesley.lima570@gmail.com disse:

    Entendi, agora sei pq isso não é divulgado. Passariam vergonha ao tentar explicar isso. Parece até que nunca pegaram trem em horário de pico. Aff

  3. Vagner disse:

    Entendi… quer dizer, então, que o fato de as pessoas interagirem com milhares de pessoas DIARIAMENTE (indo e voltando do trabalho) não impactam no índice de contágio porque elas estão de máscaras e não estão conversando, cantando ou qualquer outra coisa.
    Muito interessante…
    Ainda mais quando nós vemos essas aglomerações (oops, ajuntamentos) diários de pessoas e como elas são obrigadas a ficarem a menos de meio metro das demais. Ônibus, metrôs e trens lotados fazem com que as pessoas fiquem bastante próximas, algo em torno de 4 a 5 pessoas por metro quadrado. Mas, felizmente, como dizem esses estudos, isso NÃO impacta na taxa de contágio.
    Fico muito aliviado em saber disso. Eu tinha a impressão que o fato de as pessoas ficarem muito juntas em locais fechados (mesmo com janelas abertas) 10 vezes por semana (ida e volta do trabalho de 2ª a 6ª), o que dá mais ou menos 40 vezes por mês, 240 vezes a cada 6 meses ou 480 vezes por ano fosse algo a se preocupar. Ainda bem que a minha percepção estava errada. E que essas milhões de pessoas que interagem direta ou indiretamente nos transportes públicos estão protegidas.

    Ufa… o meu amigo invisível que está aqui do meu lado direito (ou será esquerdo) também está aliviado

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