Senado adia votação de projeto que propõe volta de licitação de ônibus interestaduais pela ANTT

Autor do projeto concordou em passar votação para quinta-feira (05)

De acordo com o autor de PL, modelo atual de autorizações individuais por linhas é inconstitucional

ADAMO BAZANI

O Senado Federal adiou nesta terça-feira, 03 de novembro de 2020, a votação do Projeto de Lei PL 3.819/2020, de autoria do senador Marcos Rogério (DEM-RO) que propõe a retomada do modelo de licitação para as linhas de ônibus interestaduais e internacionais.

O tema deve ser o primeiro item a ser votada na sessão de quinta-feira (05)

AUTOR DO PROJETO CONCORDOU COM MUDANÇA DE DATA 

A senadora Kátia Abreu, que chegou a defender o projeto na última semana, nesta terça-feira (03) ponderou que ao verificar pareceres técnicos e jurídicos, entendeu que é necessária uma melhor análise do tema.

Já a senadora Soraya Thronicke disse que a questão é muita técnica e que acredita que os parlamentares ainda não têm condições de decidir.

“Não é questão de ser favorável ou contra, mas de entender melhor algo que vai mexer com o ir e vir das pessoas, em especial as mais pobres. Precisamos ouvir o ministro Tarcísio [de Freitas, da Infraestrutura].”

O senador Fernando Bezerra Coelho disse que não foi possível construir um entendimento entre o Governo (que é contra o projeto) e a corrente de senadores, como do relator Acir Gurgacz, (favoráveis ao projeto). Entretanto, Bezerra Coelho destacou que houve sim amplo debate para que houvesse decisão sobre a matéria, defendendo uma votação simbólica.

O autor senador Marcos Rogério disse nesta terça-feira (03) que os critérios atuais para liberação das autorizações são falhos e que “atribuir o projeto a outros interesses que não sejam o fomento das concorrências” não é correto. Para Marcos Rogério, pode haver problemas relacionados a direcionamento das autorizações pela falta de critérios concorrenciais do atual modelo.

Marcos Rogério, entretanto, concordou com a retirada da pauta desta terça-feira e transferência para quinta-feira

O senador sustenta que o atual regime de autorizações individuais por linhas é inconstitucional, uma vez que os serviços de ônibus, além de serem considerados um Direito Social, precisam ser regulados por meio de concessões ou permissões possíveis apenas por licitações.

PREJUÍZO AOS PEQUENOS:

As correntes contrárias ao projeto sustentam que o regime de concessão por lotes, com subsídios cruzados pelos quais linhas de alta demanda bancariam linhas de menor retorno financeiro, pode prejudicar pequenos e médios empresários de ônibus ou mesmo novos investidores.

De acordo com opositores ao projeto, ao contrário do que o autor do PL argumenta, linhas de menor retorno financeiro podem ser interessantes para pequenos operadores regionais. Tais linhas poderiam não estar nos planos ou mesmo não receberem a atenção devida de grandes grupos empresariais.

Além disso, a entrada de novos operadores poderia ampliar a oferta de serviços, reduzir tarifas e melhorar serviços.

AUTORIZAÇÕES SÃO INCONSTITUCIONAIS E HÁ CONFLITO LEGAL EM MODELO DA ANTT, ENTENDE SENADOR

O autor do projeto, senador Marcos Rogério (DEM-RO), alega que a lei 12.996 de 2014 possibilitou que a exploração desse serviço público fosse feita pelo regime de autorização, mas segundo o parlamentar, o modelo atual é inconstitucional porque o transporte é um serviço público essencial e um direito fundamental previsto na Constituição e, por isso, deve ser prestado por regime de concessão ou permissão e sempre por meio de licitação.

Atualmente, qualquer empresa, mesmo sem ter ônibus próprios desde que alugue veículos, pode solicitar uma linha interestadual para a ANTT. Se atender aos requisitos mínimos da agência, a empresa tem chances de conseguir a ligação e o mercado.

Para o senador, existe atualmente um conflito entre dois dispositivos da Constituição: o artigo 175, segundo o qual as outorgas para o transporte de passageiros devem ser feitas mediante concessão ou permissão, sempre por meio de processo licitatório, e o artigo 21, que remete à hipótese de autorização, a qual deve ser utilizada de forma excepcional quando houver a falta do serviço, conforme estaria previsto na doutrina do direito administrativo.

O projeto, em sua visão, traria transparência e resolveria esse conflito.

DIRECIONAMENTO

O senador Marcos Rogério disse durante as discussões sobre o projeto ao longo de outubro de 2020, que o atual modelo da ANTT pode levar o risco do direcionamento de autorizações, algo que é menor numa licitação feita seguindo estritamente a lei.

“O processo de autorização não tem concorrência, não exige licitação. É escolha, é direcionamento. É muito perigoso esse modelo. O projeto que apresentamos visa garantir transparência e concorrência sem direcionamento, sem escolha de quem vai ganhar a linha a ou a linha b. O projeto tenta corrigir uma lei inconstitucional”

TRANSIÇÃO EM OITO ANOS

Pela proposta, a ANTT deverá elaborar um plano de outorga dos serviços de transportes rodoviários por ônibus em até dois anos a partir da publicação da lei (se o projeto for aprovado).

O sistema concedido deve ser implantado em até oito anos.

CANCELAMENTO DE AUTORIZAÇÕES DESDE 30 DE OUTUBRO

O projeto recebeu uma emenda que suspende as autorizações concedidas pela ANTT após 30 de outubro de 2019.

AUTORIZAÇÕES TAMBÉM NA MESA DO SUPREMO:

O STF – Supremo Tribunal Federal também analisa se o atual modelo de autorização das linhas é ou não inconstitucional.

Como mostrou o Diário do Transporte, apesar de constar da pauta de votação do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira, 21 de outubro de 2020, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5549, sobre relatoria do ministro Luiz Fux, não foi julgada.

Relembre:

https://diariodotransporte.com.br/2020/10/21/apesar-de-constar-de-pauta-de-votacao-stf-nao-julga-abertura-de-mercado-de-linhas-rodoviarias-interestaduais/

Essa ADI foi proposta em 2016 pelo então procurador-geral da República na época, Rodrigo Janot, que se manifestou no STF contrário à atual forma de autorização individual por linhas de ônibus para a ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres.

Desde 2008, a ANTT tentava licitar o sistema rodoviário por grupos e lotes, o que foi rejeitado pelos empresários de ônibus que não concordavam com a divisão do sistema e também com os cálculos de dimensionamento da demanda e frota. Foi uma verdadeira queda de braço, a qual os empresários de ônibus venceram.

A partir de 2014, no entanto, por causa da Medida Provisória nº 638, que tratava do Programa de Incentivo à Inovação – INOVAR-AUTO, foi inserido um “jabuti” no relatório do Projeto de Lei de Conversão. Ou seja, uma matéria estranha ao conteúdo da Medida Provisória original. A finalidade: alterar o regime de prestação do serviço de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros para o regime de autorização, independentemente de licitação.

Desde então, a questão tem sido discutida nos tribunais.

É incompatível com o regime instituído pela Constituição de 1988 exploração de serviço de transporte interestadual ou internacional de passageiros sem a devida outorga do poder público, precedida de indispensável licitação”, afirma Janot na ADI 5.549.

Foram ajuizadas duas ADIs na Suprema Corte Brasileira, ambas apontando a inconstitucionalidade da exploração do serviço público de transporte rodoviário interestadual de passageiros pelo regime de autorização sem prévia licitação.

A ADI de 2016, proposta por Janot, teve como Relator o Ministro Luiz Fux, que hoje preside o STF. A outra ADI foi proposta pela ANATRIP – Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros.

Desde 2017, a ABRATI – Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros passou a constar como “Amicus curiae” na ADI 5.549, ou seja, como entidade que se voluntariou a intervir no processo com o objetivo de apresentar a sua opinião sobre o assunto debatido.

Veja o projeto de Lei PL 3.819/2020, de autoria do senador Marcos Rogério (DEM-RO) na íntegra:


          

 

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes

Comentários

Comentários

  1. Santos Dumont disse:

    Já é o segundo adiamento da votação sobre a matéria, e isto sinaliza, como bem ressaltou a ilustre senadora Kátia Abreu, a complexidade do assunto devido a abrangência da atividade transportadora – dados preliminares, pinçados de órgãos diversos (sim, porque a própria ANTT não tem sequer seu anuário) mostram que existiam em 2013 algo como 3.387 empresas de fretamento e 195 empresas de linhas regulares federais; a frota de um e outro subsistema seria de aproximadamente 30 mil veículos operando no fretamento/turismo, contra 9,8 mil operando em linha regular, o que projeta números da mão-de-obra equivalente a 71,8 mil no fretamento/turismo contra 29,5 mil nas linhas regulares, com o destaque de que muitas dessas empresas do fretamento/turismo são potenciais pretendentes ao transporte regular, sobretudo em nível regional (aquele desprezado pelas grande operadoras).
    A discussão requer discussões mais profundas, envolvendo os órgãos reguladores da atividade, e até mesmo os estaduais, devido a interferência entre linhas, trazendo para dentro da formulação de qualquer novo marco regulatório, o Senado. Também a Câmara dos Deputados não estará pacificada dentro desse tema, já que a regulamentação nova, como está na pauta, interferirá na política dos municípios, seja por lhes retirar a renda de atividades que orbitam as empresas de ônibus, seja por lhes suprimir o estímulo a abertura de empresas dentro do município como forma de aumentar sua arrecadação tributária (ISS, IPTU, as mais representativas).
    O sistema como hoje prevalece normativamente, favorece o direcionamento de autorizações para as mesmas grandes empresas, que fizeram apenas aumentar suas malhas de linhas regulares, sem aumento proporcional no atendimento ao cidadão. Pesquisa de satisfação (ANTT) nos mostra que o usuário privilegia quem oferece melhor serviço, mais conforto e segurança, e não o menor preço. Então, que medo teriam as grandes de uma competição no setor? Maior qualidade (ônibus novos), maior conforto (salas vips e ônibus) e mais segurança (experiência e treinamento) são atributos das grandes, a quem as pequenas apenas tomam como referência.
    A proposta do PL é tão incipiente que curiosamente divide as empresas e mercados em dois subconjuntos: os que precederam a Deliberação 955/ANTT (que inclui linhas regularizadas sem licitação) e os que foram autorizados posteriormente, ainda que com cláusulas de barreira que fulminaram as pequenas postulantes a linhas regulares (não sem alguma razão, é fato).
    Dois mundos se digladiam nesse PL: o do controle total do Estado sobre as linhas, inclusive retornando ao sistema de planilhas (e preços) definidas pela administração pública, sem concorrência plena entre as empresas conforme suas eficiências, e com possibilidade de negociar as permissões; e do outro lado, a liberdade tarifária, a concorrência plena em qualquer âmbito e a impossibilidade de se negociar meras autorizações.
    É assunto que definitivamente não se pode resolver na base do ‘petit comitê’.

  2. Fernando de Souza disse:

    Só um questionamento, sem encontrar no mérito de ser contra a abertura do mercado, e até mesmo transporte por app.
    Por que os ônibus da Buser estão sendo apreendidos e os da JCA (WEMOBI), Águia Branca (AGUAI FLEX)e UTIL CLIKC BUS) estão circulando sem serem apreendidos?? Embora essas empresas explorem as suas próprias rotas, elas vendem por app.

    1. Clark Kent disse:

      Esta é a pergunta que vale um milhão de reais.

    2. Santos Dumont disse:

      Meus caros Fernando e Clark Kent, esse serviços tem como pano de fundo as linhas regulares que as empresas aderentes ao APP (sempre do mesmo grupo econômico) já possuem, de modo que não devem estar criando grupos fechados de pessoas a ir e voltar de um mesmo destino. Até aí tudo bem, porque se não é efetuada uma viagem com base em ‘Autorização de Viagem’ (serviço tipo fretado, que não deve ser com regularidade de uma linha) é uma alternativa válida de mercado ao serviço da Buser. O que causa estranheza é apenas a ANTT autorizar EMBARQUE/DESEMBARQUE fora do terminal rodoviário, porquanto tal possibilidade se dá por meio de TERMINAL ADICIONAL, e não por pontos de embarque ao bel prazer da empresa, pois assim agindo elas fogem ao controle do sistema de monitoramento de viagens e ao controle do terminal rodoviário, cuja fonte de receita é a TAXA DE EMBARQUE.
      É bom que isto aconteça agora, quando se discutem novas regras para o transporte, pois mostra de forma insofismável a necessidade de se estimular a concorrência. Quanto a fiscalização da agência reguladora ….. os agentes devem estar sentados aguardando os carros passarem nos terminais, pois na estrada não há o que fazer aos ônibus de empresas de linha!

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