Membro do Comfrota afirma ser inviável meta anunciada pela prefeitura de 6 mil ônibus com baixa emissão em 2020

Empresa Transwolff, na zona Sul da capital paulista, adquiriu lote de 15 ônibus 100% elétricos fabricados pela BYD. Foto: Flavio Forido / Transwolff

Informação consta de comunicado da prefeitura publicado após SPTrans anunciar parceria técnica com entidades internacionais

ALEXANDRE PELEGI

Como mostrou o Diário do Transporte, a Prefeitura de São Paulo fechou uma parceria com a organização internacional C40 Cities e o ICCT – Conselho Internacional de Transporte Limpo no dia 08 de outubro deste ano.

O convênio foi formalizado posteriormente e publicado na semana passada, no dia 07 de novembro.

O objetivo é acelerar a transição para ônibus com zero emissões de poluentes e gases de efeito estufa.

Na matéria publicada pelo Diário do Transporte reportamos comunicado da parceria entre a organização C40/ICCT e a SPTrans, que afirma que há perspectiva de que pelo menos seis mil novos ônibus estarão circulando na capital paulista até o final do próximo ano, “em um dos mais ambiciosos projetos de corte de emissões do transporte público no mundo”. Relembre: Bancos sinalizam interesse na eletrificação da frota de ônibus da capital paulista e SPTrans firma convênios internacionais

Lei sancionada no início de 2018, após um ano de intensos debates na Câmara Municipal, em 2027, determina que as emissões de CO2 (gás carbônico) devem ser 50% menores e zeradas em 2037. Já as reduções de MP (materiais particulados) devem ser de 90% até 2027 e de 95% em 2037. As emissões de Óxidos de Nitrogênio devem ser reduzidas em 80% até 2027 e em 95% até o ano de 2037.

Olimpio Alvares, consultor ambiental, explicou ao Diário do Transporte em um evento sobre os novos contratos de concessão do transporte da capital, que as metas anuais de redução das emissões de poluentes atmosféricos devem representar uma dificuldade. Relembre: Novos contratos de concessão preveem multas de até R$ 1,5 bilhão em 10 anos em caso de descumprimento

De acordo com o especialista, simulações demostram que para atender as exigências ano a ano, será necessária uma grande frota de ônibus elétricos puros logo nos primeiros anos dos novos contratos. Outras tecnologias, como o diesel hidrogenado e o biometano comporiam a transição de redução de poluentes. A questão é, segundo Olimpo, que hoje, mesmo não havendo testes mais amplos, a única tecnologia disponível é a do ônibus elétrico.

No site da prefeitura, em matéria de 03 de outubro de 2019, consta a informação de que pelo menos seis mil novos ônibus estarão circulando na capital paulista até o final do próximo ano, assumindo tratar-se de um dos mais ambiciosos projetos de corte de emissões do transporte público no mundo. Confira: Zerar emissões do transporte público é prioridade para Prefeitura de São Paulo

A nova concessão do transporte público da cidade, cujos contratos foram assinados no dia 6 de setembro deste ano, prevê que o sistema de ônibus da cidade inicie e dê andamento no processo de renovação ambiental gradual da frota de 14 mil veículos nos próximos 20 anos, conforme estabelece a Lei 16.802/2018.

Diante da matéria publicada, o Diário do Transporte foi ouvir novamente a opinião de Olimpio Alvares, que é membro do Comitê Gestor do Programa de Acompanhamento da Substituição de Frota por Alternativas Mais Limpas (Comfrota) e do Comitê do Clima da prefeitura municipal de São Paulo, além de secretário-executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transporte Públicos (ANTP).

Indagamos Olimpio sobre a notícia publicada no site da PMSP, de que ano que vem teríamos pelo menos seis mil ônibus de baixas emissões.

Leia entrevista a seguir:

Diário do Transporte: É possível em 2020 a frota de ônibus do sistema de transporte da capital ter 6 mil novos ônibus com baixas emissões?

Olimpio Alvares: As autoridades envolvidas nessa cooperação sugerem que os parceiros e agentes financeiros garantirão a viabilidade financeira, técnica e operacional dessa importante e ousada mudança. A declaração da Prefeitura de que haveria em circulação pelo menos seis mil ônibus com baixa emissão o ano que vem chamou imediatamente a atenção, porque esse assunto não foi cogitado nos fóruns que tratam do tema (COMFROTA e Comitê do Clima). Isso só seria possível com uma substituição massiva da tecnologia diesel por ônibus elétricos (única forma de reduzir imediatamente as emissões), o que requereria alguns passos críticos preliminares (praticamente) mandatórios, que ainda não foram objeto de discussão nas comissões técnicas do COMFROTA (comitê que avalia o processo de substituição dos veículos diesel pelas alternativas mais limpas). Esses passos carecem de cautela e da definição de alguns arranjos seguros para que haja a devida confiança dos operadores de frota.

Diário do Transporte: Que passos seriam esses?

Olimpio Alvares: Começaria por uma postulação pela PMSP de um modelo de engenharia financeira garantido pela Secretaria de Finanças da Prefeitura (conforme indica a Lei 16.802/2009), que se responsabilize pela cobertura dos custos incrementais iniciais (Capex) dos ônibus elétricos, que são cerca de 2,5 a 3 vezes maiores que os de seus equivalentes movidos a diesel, e da infraestrutura de carregamento de energia nas garagens, e se necessário, nos terminais e paradas para as cargas rápidas de oportunidade.

Diário do Transporte: Como seria essa engenharia de economia-financeira?

Olimpio Alvares: A engenharia econômica tem parâmetros ainda desconhecidos – sequer cogitados nos fóruns afins – que carecem de análise como, por exemplo, a estimativa do impacto no equilíbrio econômico-financeiro dos contratos da eventual antecipação da substituição natural de ônibus a diesel que ainda não completaram dez anos de idade, que é o limite contratual. Os eventos de antecipação precisam ser claramente identificados para cada operador, pois podem ocorrer no curso da operação para permitir o atendimento das metas intermediárias futuras de redução (ano-a-ano) de emissões da frota previstas no cronograma do contrato. Ao que parece, isso poderá ser uma realidade, diante do rigor do cronograma de metas anuais estabelecido pela PMSP – rigor esse, maior, inclusive, que o rigor das metas da própria Lei 16.802/2019, que subtraiu uma possível flexibilidade que as empresas poderiam usufruir para planejar com liberdade seus respectivos arranjos tecnológicos e financeiros para o cumprimento dessa lei ambiental sem precedentes no mundo.

Além disso, é necessária a indicação dos atores da engenharia financeira e definição dos detalhes de sua respectiva remuneração, bem como dos papéis de cada um no processo de financiamento dos ônibus elétricos. Esses aspectos devem fazer parte do contexto de um modelo detalhado de negócio devidamente chancelado pela PMSP.

Diário do Transporte: Quais são esses atores?

Olimpio Alvares: Os possíveis atores desse modelo disruptivo de negócio no transporte público são: o Poder Concedente, garantidor final da remuneração aos bancos e fabricantes de veículos e baterias; operadores de ônibus; empresas intermediárias, responsáveis pelo fornecimento de veículos e/ou serviços de manutenção dos veículos e baterias; bancos financiadores; fabricantes de veículos, carregadores e baterias; e o fornecedor de energia e infraestrutura da rede elétrica.

Cabe alertar que quase inexiste informação conceitual, e de exemplos de casos de sucesso, disponível na bibliografia especializada, sobre esse inédito modelo de negócio; seria oportuno – de modo a reduzir eventuais resistências por parte de empreendedores, adaptados ao modelo convencional – que a Prefeitura trabalhasse no sentido de levantar, organizar e oferecer essas informações de forma amigável para as empresas e especialistas do setor.

Diário do Transporte: Em sua visão, como devem proceder os operadores de transporte da capital diante da necessidade de renovar a frota e ao mesmo tempo cumprir a Lei que exige a redução das emissões de poluentes?

Olimpio Alvares: Como não há experiência anterior dos operadores de frota de São Paulo com a operação de pequenas ou grandes frotas de ônibus elétricos, seria desejável que cada uma das empresas se antecipasse e adquirisse o quanto antes uma pequena frota elétrica para testar os veículos em todas as possibilidades de aplicação: linhas com alta, média e baixa velocidades médias e carregamento e condições diversas do pavimento e acidentes geográficos. Essa experiência prévia será fundamental para a providência de ajustes necessários eventuais nos veículos e em sua operação.

Além disso, é preciso haver a discussão e preparação dos contratos de fornecimento de energia elétrica, incluindo os equipamentos da rede elétrica necessários para que a energia chegue ao interior das garagens e, se necessário, nos terminais e pontos de parada onde eventualmente haverá cargas de oportunidade – especialmente em razão da queda significativa da capacidade das baterias após os primeiros anos de uso.

Diário do Transporte: Você vê outras questões dentro do que você chamou de arranjos seguros para que os operadores de frota tenham confiança no modelo?

Olimpio Alvares: Sim, e na sequência do que apontei acima. No caso da implementação massiva de ônibus elétricos, como anunciado pela Prefeitura, seria necessário o treinamento de pessoal técnico, administrativo e comercial, reformulação de oficinas e revisão de contratos com subfornecedores de combustíveis peças e acessórios. Além disso, os operadores terão de preparar um programa amplo de venda, para o ano de 2020, de pelo menos seis mil ônibus a diesel usados e semi-novos para o mercado brasileiro e eventualmente para outros países.

Diário do Transporte: Como você vê então essa notícia de que 2020 será um marco para o setor de transporte coletivo da capital?

Olimpio Alvares: Para mim é uma notícia insólita, de que no ano de 2020 entrariam pelo menos seis mil ônibus de emissão zero (e atualmente, somente os elétricos atendem esse requisito). Isso me motivou a fazer uma consulta informal a colegas representantes do setor de produção de ônibus elétricos, que participaram do evento de assinatura dessa parceria, bem como aos próprios técnicos da Prefeitura que coordenam a implementação da lei 16.802/2018 de troca dos ônibus urbanos a diesel por alternativas limpas. A resposta informal que obtivemos foi consistente em ambas as fontes, de que a informação publicada está errada; na verdade, ao que parece, a perspectiva é que esse número de pelo menos seis mil ônibus de emissão zero seja atingido somente ao final da próxima década – lá pelo ano 2030 – ritmo mais apropriado para um projeto dessa envergadura.

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes

Comentários

Comentários

  1. Maurício H Collaneri disse:

    Até nós, aqui meros espectadores, leitores, busologos e afins sabemos que é fora da realidade, assim como essas inúmeras informações de ampliações de redes metrô ferroviárias. A energia elétrica é o caminho mas a estrada ainda nem passou o trator. Do jeito que falam dá impressão que está asfaltada. Tem chão ainda. Tem que ter abastecimento rápido, o custo tem que ser compatível com a vida útil, tem que ter oferta de energia para recarga enfim, ninguém ainda deu clareza sobre a estrutura oferecida.

  2. Rodrigo Zika! disse:

    Ou seja a prefeitura querendo ludibriar, 6 mil ta óbvio que e inviável só em 2020, a longo prazo quem sabe, vai depender da prefeitura não afrouxar pros donos de empresa, que se deixar morrem abraçados no diesel.

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