Segundo os fatores médios de emissão de escapamento de veículos publicados pela Cetesb, as motocicletas mais novas tem fatores de emissão médios de compostos orgânicos voláteis (HC) 5 vezes maiores que os respectivos fatores dos automóveis de última geração. Se a comparação for feita com motociclos de gerações anteriores, essa proporção pode chegar a 10 ou 15 vezes. O HC é um poluente por si só tóxico e um dos precursores da formação do danoso ozônio troposférico – O3, que além de afetar a saúde de humanos e animais, causa degradação do patrimônio vegetal.São cerca de 900 mil motocicletas em circulação na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), entre as quais, estima-se que mais de 200 mil operam no sistema de moto-frete; elas emitem cerca de 12% do total dos HC da frota, diz o Relatório de Qualidade do Ar da Cetesb de 2017. Considere-se ainda, que mais da metade da população brasileira – cerca de 104 milhões de pessoas que estão expostas aos altos níveis de contaminação atmosférica – vive em 6% das cidades do País, em grandes conglomerados urbanos, e que 50 milhões vivem nas capitais.Tomando por base o estudo da Cetesb que avalia a quilometragem rodada pela frota de motociclos na cidade de São Paulo, representativa de outras grandes cidades brasileiras, a média anual é de cerca de 12 mil km/ano. Isso inclui as que rodam diariamente e aquelas utilizadas apenas para lazer, que ficam estacionadas a maior parte do tempo na garagem das residências.

Em outro levantamento realizado pelo Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, cerca de 30% dos profissionais do moto-frete declararam rodar entre cerca de 40 e 60 mil km/ano – o que agrava muito o impacto desses veículos nas emissões atmosféricas, tanto pela quantidade de quilômetros rodados, quanto pela rápida degradação das condições de manutenção desses veículos, bem como pelo desgaste acelerado de peças e, especialmente, dos catalisadores, cuja operacionalidade é vital para a drástica redução das emissões das substâncias tóxicas dos motores a combustão.

No que se refere à quantidade de horas em cima da motocicleta, 30% cumprem jornada acima de 10 horas, enquanto os que utilizam a motocicleta como meio de transporte e lazer pilotam de 2 a 3 horas/dia, o que oferece uma medida da cruel exposição dos próprios motociclistas às emissões tóxicas e cancerígenas do tráfego. Com certos cuidados, esses parâmetros e comportamentos podem ser extrapolados para outras grandes cidades brasileiras.

É importante enfatizar, que essas condições são tipicamente brasileiras, assim como a cultura dos veículos movidos a etanol). A intensidade média de uso desses veículos na Europa, por exemplo, devido a razões culturais e climáticas, é de apenas cerca de 6.500 km/ano (cerca de metade da rodagem média típica no Brasil) e as condições de manutenção dos veículos lá são também muito distintas das brasileiras – bem melhores, é claro, dados a cultura, educação, o poder aquisitivo dos usuários e a existência de rigorosos programas de inspeção veicular obrigatória que ajudam a manter os motociclos com emissões mínimas.

Consideradas essas diferenças decisivas entre Brasil e Europa, não faz sentido que tenhamos um catalisador cuja operacionalidade seja garantida apenas por 18 mil km, como é hoje exigido para os motociclos menores no Promot 4 (Resolução Conama 432/2011); ou mesmo por 20 mil km, que é a atual proposta de “melhoria” flagrantemente irrelevante, que os fabricantes e importadores de motocicleta querem continuar a impor, neste momento, aos pulmões dos brasileiros – 2 mil km a mais, de fato, não implica melhoria alguma na qualidade dos catalisadores. De fato, esses 20 mil km equivalem a apenas 18 meses de uso do veículo! Se for moto-frete, isso equivale a ter a operacionalidade do catalisador garantida por seis meses! O Conama certamente não fechará seus olhos para a gravidade dessa situação, há muitos anos denunciada por especialistas e pela sociedade civil; um catalisador inoperante, faz as emissões aumentarem, no mínimo, três vezes.

Se for reprovado numa virtual inspeção veicular competente, bem ajustada (sejamos otimistas), que tenha o mérito de identificar veículos com emissões acima do aceitável, o proprietário do motociclo seria obrigado a comprar um caro escapamento novo, necessariamente de boa qualidade. O catalisador é parte integrante do sistema de escapamento – não destacável. Para uma moto de seis meses de alta intensidade de uso reprovada na inspeção, o catalisador/escapamento inoperante do motofretista, a ser precocemente substituído, estaria praticamente novo – mas, uma peça original como esta custa de 500 a 1.000 reais e bem acima disso para as motos maiores e mais sofisticadas. Faz pouco sentido, principalmente, quando lembramos, que um escapamento original de boa qualidade, dura em média 60 mil km; depois disso, começa a degradação avançada, o que em situações normais, indica ao usuário que é hora de trocar a peça. Fica evidente, que um programa de inspeção veicular eficiente “prá valer” não estaria “conversando” com o projeto do veículo – um bizarro bate-cabeças de proporções desastrosas.

Na verdade, a regra de ouro do dimensionamento de engenharia da operacionalidade dos catalisadores, é – sempre foi – que eles durem ao menos 5 anos, com eficiência plena; ou seja, garantirá que o veículo, estando em boas condições de manutenção, atenda os limites do Promot, aqueles homologados do veículo novo. É tudo muito simples.

Assim, o usuário terá que trocar seu catalisador/escapamento por um novo, somente quando o escapamento estiver degradado, velho, em más condições – ou seja, depois de cerca de 5 anos de uso. Aí sim, o projeto de engenharia do catalisador, do tubo de escapamento (que contem o catalisador fundido à peça lá dentro) e a regulamentação da inspeção veicular, serão componentes harmônicos de um mesmo sistema, que inclui o veículo, suas emissões, a inspeção veicular e o meio ambiente. Do contrário, o pobre motoboy seria obrigado a comprar um escapamento novo com catalisador operacional a cada inspeção veicular. Já imaginou, um usuário de moto-frete ter que comprar um escapamento original de boa qualidade por ano? Isso seria definitivamente inviável do ponto de vista econômico e da engenharia.

Mas, no mundo real das ruas no Brasil, o que está acontecendo hoje – e não há perspectivas de mudanças no horizonte? Ou você tem um programa de inspeção veicular com limites excessivamente lenientes, impropriamente regulamentados pelo Conama, como no Município de São Paulo (extinto por uma “canetada” trágica) e no Estado do Rio de Janeiro, que não impõe maiores riscos de reprovação, mesmo que o catalisador não esteja operante; ou os proprietários de motos simplesmente não comparecem ao programa de inspeção veicular (lembrando: o índice de comparecimento das motos em São Paulo chegou a apenas 50%); ou não tem inspeção veicular nenhuma. Obviamente, quanto mais robusta for a engenharia e a qualidade dos componentes de controle de emissões, mais duradouros serão os benefícios ao maio ambiente. Trata-se de lógica primária. Com durabilidade garantida de cinco anos ou 60 mil km para os sistemas de controle de emissões, mesmo sem a inspeção veicular, os benefícios ao meio ambiente serão maximizados em todo País. Ressalte-se que, esses 5 anos, na verdade, podem ser o tempo médio de vida das motocicletas de alta rodagem. Motos mais velhas ou rodam menos ou logo viram sucata.

A contrapartida à imediata correção do requisito de comprovação da durabilidade dos catalisadores proposta pelos agentes reguladores e pela indústria no Conama (On Board Diagnosis– OBD) nada garante, podendo ser ineficaz para garantir emissões reduzidas da frota de motocicletas, uma vez que: (1) o sistema OBD que alerta o motorista sobre a existência de defeitos, corre risco de ter efeito inócuo sobre o comportamento dos usuários e de haver fraudes eletrônicas com a desativação do sistema – práticas dos brasileiros amplamente conhecidas na área automotiva; (2) como citado, não há programas de inspeção veicular no País – simplesmente, os governadores não cumprem a lei de 1997 –  exceto o Rio de Janeiro, cujo programa é tocado pelo Estado e tem deficiências técnicas reconhecidas pelas próprias autoridades responsáveis; (3) os lenientes limites atuais do Conama de aprovação/reprovação das motocicletas na inspeção – cerca de cinco vezes (!) maiores que os praticados na Alemanha, por exemplo, para modelos equivalentes aos brasileiros -, assim como a própria metodologia da medição das emissões na inspeção, estão longe de assegurar uma eficiente identificação da grande massa de veículos poluidores, em mau estado de manutenção;   (4) não se sabe quando programas de inspeção veicular, de fato apropriados e eficientes, serão implementados de modo abrangente no País; (5) a história recente demonstrou que o comparecimento das motos em circulação na inspeção veicular (e a evasão do licenciamento anual) chega a incríveis 50% da frota e não há fiscalização nas vias públicas para evitar esse gigantesco rombo nos programas de gestão de tráfego e de controle de emissões ambientais.

Com todos esses antigos problemas enunciados, amplamente denunciados, mas até hoje não resolvidos pelas autoridades competentes, se também não houver no Brasil um mecanismo regulatório corretamente dimensionado para as condições de uso brasileiras, que garanta a robustez e a qualidade do produto, mediante a adequada comprovação da operacionalidade dos catalisadores dos motociclos, por um período mínimo de cinco anos ou 60 mil km, a frota de motocicletas seguirá emitindo grandes quantidades excedentes de poluentes devido aos catalisadores “vencidos”, de vida operacional inconcebivelmente curta, imprópria para as condições ampliadas de intensidade de uso brasileiras. Tudo isso pode ser facilmente evitado agora com a imediata correção pelo Conama dessa distorção histórica que ele próprio criou.

É verdade, que isso vai aumentar o preço das motos de pequeno porte em – digamos, grosso modo – 400 a 500 reais – 5 a 7% do valor de uma moto nova – mas controlar a poluição dos veículos sempre, durante toda a história do Proconve e Promot implicou pequenos aumentos incrementais no preço do produto. É o preço que o poluidor deve necessariamente pagar para ter o direito de circular por aí lançando grandes quantidades de veneno por onde passa.

Mas, os representantes da indústria de motocicletas, curiosamente, alegam nas discussões que se desenvolvem no Conama, que desconhecem o impacto no preço final do veículo da adoção de um catalisador com durabilidade ajustada à realidade brasileira; falam de forma vaga e alarmista num “brutal impacto” sobre os usuários de menor poder aquisitivo.

Ora, não existiria o Proconve nem o Promot – nem qualquer outro programa de controle da poluição veicular – se houvesse esse tipo de restrição, dada a preocupação com um pequeno aumento no valor final do veículo! Trata-se do Princípio do Poluidor-Pagador, observado há mais de 35 anos, desde que a sociedade firmou no âmbito constitucional e legal, compromissos cidadãos de proteção do meio ambiente e da saúde pública – e não apenas no setor automotivo, mas em todos os setores da indústria poluidora e da economia.

Entretanto, estamos seguros de que os fabricantes de motocicletas – alguns deles instalados há muito tempo no Brasil e donos de uma grande fatia do mercado – após avaliarem os presentes argumentos em favor da melhoria da qualidade do ar nas grandes cidades do País, revisarão suas posturas no Conama e cessarão essa resistência em relação à patente necessidade de projetar um produto diferenciado e de melhor qualidade para o Brasil, no que concerne à durabilidade dos catalisadores.

Não há porque acreditar que esses grandes conglomerados empresariais internacionais do setor de duas rodas, que tantos incentivos receberam da Nação, colocarão suas conveniências comerciais e da organização da produção, à frente das necessidades do meio ambiente e da saúde dos brasileiros.

Olimpio Alvares é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1981, Diretor da L’Avis Eco-Service, especializado no Japão e Suécia em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos; é fundador e Secretário Executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP; Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT; é assistente técnico do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental – PROAM; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina – CAF, do Sindicato dos Transportadores de Passageiros do Estado de São Paulo – SPUrbanuss e da Autoridade Metropolitana de Florianópolis; é membro titular do Comitê de Mudança do Clima da Prefeitura de São Paulo e coordenador de sua Comissão de Transporte Limpo e Energias Renováveis; membro do grupo de trabalho interinstitucional de qualidade do ar da Quarta Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR) do Ministério Público Federal; assessor técnico das entidades ambientalistas na Comissão de Acompanhamento do Proconve – CAP; colaborador do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, Ministério do Meio Ambiente, Instituto Saúde e Sustentabilidade, Instituto Mobilize, Clean Air Institute, World Resources Institute – WRI-Cidades, Climate and Clean Air Coalition – CCAC e do International Council on Clean Transportation – ICCT, do qual participou de sua fundação nos anos dois mil; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb, onde atuou por 26 anos; participa da coordenação da Semana da Virada da Mobilidade.