ESPECIAL: Um passeio pelo Museu da Mercedes-Benz, em Stuttgart

Ônibus, carros e caminhões preciosos que mostram muito mais que a evolução dos automóveis, mas o trafegar humano na linha da história, com todas as suas contradições e avanços. A máquina sempre deve servir

Espaço conta muito mais que a história de automóveis

ADAMO BAZANI

Karl Benz, considerado juntamente com Gottlieb Daimler um dos pais dos veículos à combustão, certamente foi um visionário.

“Carruagens” que pudessem se locomover sem a tração de cavalos e com maior velocidade era quase um sonho impossível no século XIX.

Entretanto, as criações de Benz e Daimler acabaram tendo resultados maiores que ambos esperavam.

Karl Benz previu que no mundo haveria apenas dois mil veículos automotores. Hoje, são em torno de dois bilhões.

Em 1920, Karl Benz disse que o carro já tinha evoluído ao máximo. Hoje, já se veem em testes carros, caminhões e ônibus autônomos, que não precisam mais de motoristas.

O início e a evolução do automobilismo no planeta podem ser conferidos e revividos no museu da Mercedes-Benz, em Stuttgart, na Alemanha.

A convite da Mercedes-Benz, o Diário do Transporte esteve no local, no dia 25 de setembro de 2018.

O espaço impressiona.

De acordo com a fabricante, do grupo Daimler, são nove pavimentos em 16,5 mil metros quadrados, que contam com 1,5 mil exposições dotadas de materiais que vão desde jornais de época até réplicas em miniatura e documentos oficiais, além, claro, de 160 veículos históricos.

A arquitetura do museu é fascinante.

O espaço atual foi inaugurado em 2006, portanto há 12 anos, e a arquitetura, remete às hélices do espiral que dá forma ao DNA humano. O projeto é da empresa UNStudio, dos arquitetos holandeses van Berkel e Bos, em Amsterdã.

O objetivo é mostrar que a marca sempre está em evolução, gerando novas soluções em mobilidade, mas também provar que o automóvel deve atender acima de tudo as necessidades humanas.

Com iluminações diferentes nas mais variadas salas de exposição, com corredores largos, o espaço gera uma sensação de bem-estar e, por incrível que pareça, apesar de estar num museu de automóveis, um olhar mais aprofundado e crítico pode perceber que o foco principal da história é sempre o ser humano.

Pelo menos esta foi a leitura deste repórter.

Os carros, caminhões e ônibus que fazem um desfile na estrada do tempo refletem a dicotomia do caráter humano: ora agregador, ora segregador. Ora coletivo, ora individualista. Provedor da guerra e da paz.

Veículos de caráter militar, usados para ataque; estão ao lado de ambulâncias que salvam vidas. Carros de extremo luxo, que só poderiam ser comprados por príncipes e marajás, estão ao lado de ônibus que ao longo da história promoveram o direito de ir e vir a todos, indistintamente, inclusive aos mais humildes que lutavam pela sua sobrevivência.

Veículos de corrida, que garantiam esporte e lazer para uma determinadas classes, estão bem próximos de caminhões que ajudam a levar o pão para a mesa de todos.

Viajar pela história dos transportes, sejam rodoviários ou ferroviários, é entender de certa forma que o ser humano existe mesmo para evoluir.

Mas no caso dos veículos rodoviários, os sonhos pessoais e as diferenças mais sutis ou as mais gritantes vêm à tona.

Ninguém tinha um trem para “ostentar”, para ter um luxo, mas um carro sim.

No outro extremo, existiam pessoas tão isoladas do progresso do mundo que só conseguiram ter acesso a alguma mudança quando os robustos ônibus e caminhões chegavam até mesmo onde os trilhos dos trens nunca poderiam alcançar.

Abaixo, alguns dos materiais que contam um pouco desta saga não dos veículos, mas do homem sobre rodas.

Veículo de três rodas de Karl Benz, de 1886.

Primeiro carro de quatro rodas a motor de Gottlieb Daimler, de 1886. Trata-se de uma carruagem que recebeu motorização

Na verdade, o primeiro veículo com motor do mundo foi uma motocicleta, montada seis meses antes do carro para testes.

A estrela da Mercedes-Benz, com três pontas, representa que o motor deveria atuar em três ambientes: na terra, água e ar e, nas imagens, é possível perceber que logo nos primeiros anos o objetivo era alcançado: embarcação (1888); aeronave e bonde (1891)

Ainda no final do século XIX, o motor em veículos passou a ser usado não apenas para a tração. Este foi um carro de bombeiros na época. Era movido a cavalo, mas a bomba de água passou a contar com motor

Réplica em tamanho original do primeiro ônibus com motor a combustão do mundo, que surgiu em 1895. Veículo tinha cinco cavalos de potência e poderia transportar oito pessoas. O ônibus, um modal voltado ao coletivo que surgiu na França na década de 1820, ganhava finalmente motorização.

O primeiro caminhão motorizado do mundo surgia em 1896 com um novo modelo em 1898. Veículo era usado para transportar cerveja.

Em 1899, era a vez de o primeiro utilitário aparecer, era um veículo de carga com dimensões menores que do caminhão.

Poucos anos depois da criação, os veículos com motor a combustão começaram a atravessar as fronteiras da Alemanha. No museu, está preservado o registro original da primeira exportação de um automóvel, que ocorreu em 1892 para o sultão do Marrocos.

Entre 1900 e 1914, o automóvel entrava numa nova era, com veículos dotados de motores mais fortes e com ciclos. O primeiro veículo desta era foi este Mercedes-Benz azul.
Surgia a marca Mercedes-Benz, em 1900. O nome foi uma homenagem à filha do investidor e empresário do setor de seguros e viagem, Emil Jellinek, chamada Mercedes. Jellinek comprou o primeiro carro em 1897 e anos depois, se tornara revendedor dos veículos para famílias de altíssimas posses. No ano de 1900 fez uma encomenda muito grande para a época, 36 unidades, com a condição de ter o nome de sua filha nos veículos. Os novos carros foram desenvolvidos por Wilhelm Maybach, engenheiro-chefe da DMG – Daimler-Motoren-Gesellschaft.
A primeira unidade foi um carro de corrida com 35 cv de potência. O centro de gravidade era baixa e a estrutura de aço prensada. Essas inovações classificaram o veículo como o primeiro carro moderno do mundo.
Não somente o carro, mas o nome Mércedès (como a grafia original) foi um sucesso. Em 1902, a marca Mercedes era registrada oficialmente e, em 1903, o pai incorpora o nome da filha ao seu próprio, passando a se chamar Jellinek-Mercedes oficialmente.

A partir da nova era do automóvel, carros ficavam cada vez mais luxuosos e eram artigos para pouca gente.

Nesta primeira era do automóvel moderno surgiam os primeiros chassis que poderiam receber diferentes carrocerias, como para ônibus.

Entre um dos ônibus mais antigos do Museu da Mercedes-Benz está um veículo de dois andares para o transporte urbano de Londres, do ano 1907. O veículo já fazia parte desta nova fase de produção de chassi e encarroçamento posterior. A plataforma com o motor foi feita na Alemanha e o encarroçamento, na Inglaterra. Os moradores ao longo da rota deste ônibus reclamavam do barulho gerado pela operação, mas não por causa do motor, e sim, das rodas. Os pneus eram feitos com borrachas duras, o que gerava muito ruído.

Nos anos 1930, os ônibus já tinham carroceria fechada e motor a diesel

Nos anos 1950, os ônibus ficavam maiores, mas a estrutura e a mecânica não se diferenciavam muito de 20 anos atrás.

A partir dos anos 1960, os ônibus definitivamente deixavam de ter “cara de caminhão” e passaram a incorporar carroceria reta na frente. Os motores traseiros e o conceito monobloco, com chassi, motor e carroceria formando um mesmo conjunto mostravam que o ônibus evoluía em parte do mudo.

Mas encarroçamentos e os ônibus com características semelhantes a caminhões continuavam a ser predominantes em diversos países, como os da América Latina. Este modelo, ano 1962, que operou o transporte público em Buenos Aires, na Argentina, é prova disso. As linhas eram prestadas por proprietários individuais, mediante a autorização, e não por grandes empresas. Ônibus enfeitados e coloridos eram bem característicos deste sistema.

Alguns veículos são exclusivos e bem diferentes no Museu, como o pequeno caminhão de 1955 que transportava carros de corrida da Mercedes-Benz.

Outro veículo bem curioso era um misto de ônibus e caminhão de 1938, O1000 Mobile Postant, para o correio da Áustria.

O Brasil também está presente no museu de Stuttgart. Revista alemã destaca construção da fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, que foi inaugurada em 1956. Nos detalhes, imagens das obras e da alta sociedade da época no Brasil para a inauguração.

Outro detalhe bem curioso da história do automobilismo é que grandes marcas, como a Mercedes-Benz, contratavam artistas que desenhavam e pintavam os manuais e catálogos. Era um capricho numa época que jamais se imaginava em fotografias coloridas e computação gráfica acessível a todos.

Em 1955, a produção de carros entrava numa nova fase, com um conceito renovado de integração entre a base e carroceria. Modelo realmente não foi um dos mais bonitos na época, mas era funcional e de manutenção mais fácil, ditando tendências de produção.

Carro de bombeiro de 1912, mesmo modelo de chassi usado para ônibus

Ambulância de 1937. Muitos destes modelos foram usados posteriormente para socorrer vítimas da Segunda Guerra

Sprinter Ambulância de 2001. Evolução automobilística também beneficiou segmento de veículos de socorro.

Carro estilo Pullman (com divisória entre motorista e passageiros), de 1965. Chefes de estado por todo o mundo encomendavam clássicos modelos da Mercedes-Benz

Um dos veículos de maior destaque no museu da Mercedes-Benz em Stuttgart é o ônibus monobloco O302, que transportou a seleção da Alemanha Ocidental, campeã da Copa do Mundo de 1974. O ônibus reunia o que era mais moderno para época. Os jogos foram realizados no país, em estádios nas cidades de Hamburgo, Hannover, Gelsenkirchen, Dortmund, Düsseldorf, Frankfurt, Berlim Ocidental, Munique e Stuttgart. A final foi entre Holanda (a grande revelação do ano) e a Alemanha Ocidental, em 07 de julho de 1974, no Estádio Olímpico de Munique. O placar foi de 2 a 1 para os donos da casa e o melhor jogador da seleção alemã, Franz Beckenbauer, teve atuação brilhante. Diante de um ônibus deste, foi impossível não tirar uma foto perto. Os monoblocos mudaram definitivamente a forma de transportar passageiros. Há quem até diga que por muito tempo somente os monoblocos eram de fato ônibus de verdade e, os demais, não passavam de caminhões que recebiam carrocerias de ônibus. Em parte o entendimento está certo, em parte, é um pouco exagerado, mas a verdade é que os monoblocos eram muito confortáveis e silenciosos para os padrões de cada época.

Outro ônibus que chama bastante a atenção pela beleza, conservação e riqueza de detalhes é o monobloco O303, o exemplar exposto é de 1979. O modelo inaugurava uma fase dos novos monoblocos, com conceitos seguidos até hoje na Europa, como maior área envidraçada para melhorar a visibilidade motoristas e passageiros. O antecessor, monobloco O302, foi o responsável pela transição para uma nova fase dos monoblocos e o O303 consolidou as novidades.
O modelo foi lançado em 1974 no Salão Automóvel de Paris e foi embrionário de um novo conceito modular de produção de ônibus. As opções de comprimento eram de 8,7 a 12,0 metros e, a partir de 1979, foram desenvolvidos modelos mais altos, com 3,4 metros.
O modelo foi produzido por 18 anos, portanto, até 1992 e neste longo tempo chegou a ter várias opções de motorização, entre as quais, se destacam:
– V6, 11 litros – 159 kW (216 cv)
– V8, 14,6 litros – 206 kW (280 cv)
– V6 , 184 kW (250 cv), com turbocompressor
– V8 , 243 kW (330 cv), com turbocompressor
– V 10, 16 litros – 260 kW (354 hp), em 1980.
O monobloco O303 inaugurou também algumas tecnologias em ônibus como um sistema de mudança de marchas eletrônico / pneumático semiautomático EPS (troca de potência eletrônica). Interessante que mesmo com a troca de marchas eletrônica, o veículo ainda tinha pedal de embreagem.Uma espécie de joystick substituiu a alavanca de câmbio de marchas convencional. Por isso, o sistema era semiautomático.
O modelo monobloco O303 foi o primeiro ônibus da Mercedes-Benz a receber, em 1985, um sistema de freios antibloqueio.
O painel e a área de trabalho do motorista ofereciam ergonomia até então nunca vista, com áreas curvas que facilitava o acesso aos instrumentos, sem precisar dobrar a coluna o entortar o corpo para acionar alguma funcionalidade.
Não é a toa que, ao longo dos seus 18 anos de produção, o O303 foi um dos recordistas para os padrões da época, com 38.018 ônibus vendidos.
Também não foi possível resistir a uma foto ao lado deste ícone.

A Mercedes-Benz sempre esteve também presente no automobilismo, seja com veículos leves e pesados. No Museu, carros e caminhões parecem correr a linha do tempo.

Carros da chamada Linha “Flecha de Prata”, como são conhecidos os veículos de competição da Mercedes-Benz.
De acordo com uma lenda automotiva, que foi lembrada pelo guia no museu, a identidade nasceu em junho de 1934, numa competição da Fórmula 1, em Nürburgring, na Alemanha. O peso do carro estava 1 kg acima do máximo permitido, que era de 750 kg. O chefe da equipe, Alfred Neubauer, teve uma ideia que fez com que o carro de 320 cv, que atingia 280 km/h, ficasse mais leve. Mandou lixar todo o veículo, que ficou só com a cor da chapa.
O público gostou do visual, que foi incorporado à marca.

Antes dos Flecha de Prata, carros de corrida da Mercedes-Benz eram brancos ou azuis.

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes

O repórter viajou a convite da Mercedes-Benz

Comentários

Comentários

  1. Parabéns pela reportagem!!! Deixo registrado aqui, a minha admiração pelos produtos da marca Mercedes-Benz, uma empresa que sempre fez e ainda faz parte do desenvolvimento automobilístico no mundo. É muito bom poder viajar no tempo e ver que essas raridades estão tão bem preservadas pela empresa.

  2. João Paulo J. Lopes disse:

    Parabéns pela excelente matéria.

Deixe uma resposta para Rodrigo Zika!Cancelar resposta

Descubra mais sobre Diário do Transporte

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading