TRANSPÚBLICO 2018: Mobilidade, quem deve bancar e como?

Secretários de mobilidade reunidos em São Paulo. Foto: Adamo Bazani - Clique para ampliar

Secretários são unânimes em defender a Cide Municipal. Política e convencimento da sociedade são os principais desafios

ADAMO BAZANI

Colaboração: Jessica Marques e Alexandre Pelegi

Não perder horas e mais horas do dia em congestionamentos. Ter um ar respirável. Contar com sistemas de ônibus e ferrovias integrados, com qualidade e baixo custo para o cidadão.

Quem não quer uma cidade assim, onde é possível ir e vir com a rapidez que a vida moderna exige e sem aborrecimentos?

No entanto, tudo isso tem um custo. Mas como bancar os investimentos necessários para um sistema de locomoção eficiente?

Este foi um dos temas principais da reunião extraordinária do Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Públicos de Mobilidade Urbana que ocorreu na manhã desta quinta-feira, 02 de agosto de 2018, como evento paralelo à feira de transportes Lat.Bus Transpúblico 2018, na zona Sul da capital paulista.

Os mais de 30 secretários presentes foram unânimes em apontar a Cide Municipal como um dos caminhos mais viáveis para melhorar a qualidade dos transportes e trânsito.

A Cide Municipal, ou Cide Verde, consiste num imposto sobre o litro do diesel e do etanol cuja a arrecadação deve ser destinada ao financiamento do transporte público, em especial das tarifas.

A lógica é a seguinte. Quem está no carro, se deslocando individualmente, ocupa mais espaço nas vias assim como, proporcionalmente, polui mais do que o deslocamento de uma pessoa que está no transporte público.

Desta forma, na visão de quem defende a Cide Verde, o transporte individual financiando diretamente o transporte público é um cenário até mesmo de justiça econômica na mobilidade.

O presidente da ANTP – Associação Nacional de Transportes Públicos, Ailton Brasiliense, disse que hoje existem pessoas que deixam de usar o ônibus, trem e metrô, simplesmente porque não têm dinheiro para pagar a passagem, de acordo com um estudo da NTU, associação que reúne as empresas de ônibus urbanos no Brasil.

“A tarifa está alta para o usuário, que é a principal pessoa com quem a gente tem que trabalhar, buscando qualidade evidentemente maior. Nesse evento todo, junto com o seminário, foi lembrado de um trabalho desenvolvido que mostra o universo de pessoas que usavam o transporte público e abandonaram por desemprego, perda de salário, etc. Se a tarifa fosse reduzida em R$ 1, você teria o retorno de quase 60% desses usuários.” – disse Ailton.

De acordo com o presidente do Fórum, que também é secretário de mobilidade de Juiz de Fora, Rodrigo Tortorielo, há desafios para convencer a classe política para aprovação do projeto, que já está no Congresso Nacional, e a sociedade, cansada de pagar impostos e que vê o preço dos combustíveis cada vez mais altos nas bombas.

Para o secretário, entretanto, estudos mostram que a Cide Verde é vantajosa sob vários aspectos e que, na prática, não deve ser visto como mais um imposto, mas uma transferência de recursos.

“Já têm estudos apresentados que mostram que R$ 0,10 de aumento no preço do combustível representam R$ 0,30 de redução na tarifa do transporte coletivo. Isso já representa que a maior parte da sociedade que mais precisa de transporte público, teria benefício maior. Também já têm estudos que a apresentação dessa contribuição através do combustível tem um caráter deflacionário, uma vez que também traz redução de custos com acidentes, custos que a sociedade paga como um todo e não percebe, como a poluição. Com isso, o espectro é muito mais amplo do que um possível aumento de impostos. Na verdade, é uma transferência de recursos, que melhora a utilização dos recursos públicos que já são utilizados na saúde, na redução de poluição e na melhoria do transporte coletivo.” – disse Tortorielo.

O secretário disse ao Diário do Transporte que este momento é propício para a discussão por causa das eleições. Para ele, os candidatos devem não só promoter o que vão fazer para a mobilidade, mas já apresentarem propostas de quem deve pagar a conta e de que forma.

Confira as entrevistas na íntegra:

 

Rodrigo Tortorielo

Quantos secretários fazem parte do fórum?

O fórum é aberto a todos os secretários de trânsito e transportes que queiram participar das discussões. Não tem um limite de participantes e cerca de 30 secretários estiveram presentes. A gente debateu a necessidade de financiamento extra-tarifário para o transporte coletivo. A pressão da tarifa exercida sobre a classe que utiliza o transporte coletivo, é sempre maior e a gente precisa incentivar o transporte também e tentar manter ou reduzir os valores de tarifas.

O caminho que parece mais concreto é o transporte individual, que hoje ocupa muito mais espaço que o transporte público, financiar o passageiro do transporte público?

O que tem que ficar claro é que esse recurso extra-tarifário é para custear o transporte e não empresas de ônibus. Assim como se tem recursos que vão para energia elétrica e não custeiam a operadora de energia elétrica. A mesma coisa no saneamento básico, quando o governo federal investe na área, não dá o dinheiro para uma concessionária de saneamento. É importante que a gente clarifique isso e que o beneficiado é o usuário do transporte coletivo. O usuário do transporte individual precisa colaborar um pouco mais tendo em vista o espaço que ele ocupa na via, que foi construída para a sociedade, como um todo.

Quais são os desafios?

Hoje em dia, o projeto da Cide já tramita no Congresso Nacional. A gente também quer aproveitar o período de campanha eleitoral de deputados federais, senadores, presidentes da república e governadores para que a gente possa sensibilizar os representantes da sociedade para que apoiem esse movimento de prioridade para o transporte coletivo, através de criação de receitas extra-tarifárias.

Como convencer a sociedade de que isso vai trazer mais recursos, qualidade de vida, e ao mesmo tempo vai representar um combustível mais caro, talvez?

Já têm estudos apresentados que mostram que R$ 0,10 de aumento no preço do combustível representam R$ 0,30 de redução na tarifa do transporte coletivo. Isso já representa que a maior parte da sociedade que mais precisa de transporte público, teria benefício maior. Também já têm estudos que a apresentação dessa contribuição através do combustível tem um caráter deflacionário, uma vez que também traz redução de custos com acidentes, custos que a sociedade paga como um todo e não percebe, como a poluição. Com isso, o espectro é muito mais amplo do que um possível aumento de impostos. Na verdade, é uma transferência de recursos, que melhora a utilização dos recursos públicos que já são utilizados na saúde, na redução de poluição e na melhoria do transporte coletivo.  

Ailton Brasiliense

Qual o balanço do encontro de hoje?

O objetivo principal desse fórum é amadurecer proposições e questões, algumas dessas que foram ditas na reunião, obviamente a questão tarifária é uma das mais importantes, a tarifa está alta para o usuário, que é a principal pessoa com quem a gente tem que trabalhar, buscando qualidade evidentemente maior. Nesse evento todo, junto com o seminário, foi lembrado de um trabalho desenvolvido que mostra o universo de pessoas que usavam o transporte público e abandonaram por desemprego, perda de salário, etc. Se a tarifa fosse reduzida em R$ 1, você teria o retorno de quase 60% desses usuários.

Esse estudo, a questão da Cide e um pequeno aumento no preço dos combustíveis é onde o usuário é um dos beneficiados, não só nisso, porque parte das viagens que estão sendo feitas de outro modo, moto, bicicleta, a pé, etc, voltam para o transporte público e reduz o número de acidentes e poluição. Os benefícios são grandes.

A gente fez vários estudos ao longo dessa história procurando mostrar que a sociedade ganha quando as viagens são feitas por transporte público. Claro que não estamos falando de um transporte qualquer. Nós da ANTP falamos de um transporte público de qualidade, que tenha confiabilidade, regularidade, que a tarifa seja um atrativo dessa viagem, a redução de acidentes e assim por diante. O fórum toca essas questões. Esse fórum foi criado em 1990 pela ANTP. Nós estimulamos, fazemos trabalhos técnicos para que eles possam utilizar em suas administrações.

Hoje, indubitavelmente, você tem um pessoal técnico na área de transportes muito melhor do que se tinha antigamente. Isso vai significar, na outra ponta, produtividade. E essa produtividade vai significar redução de custos.

Em relação aos benefícios gerais para uma cidade ou todo país, tem como mensurar retornos financeiros?

Primeiro, você reduz o número de acidentes e poluição. Um outro estudo que foi feito pela ANTP mostra que o custo de acidentes de trânsito no Brasil é estratosférico, perto de R$ 200 bilhões por ano. Aquilo que mundialmente se estima é que o custo do acidente de trânsito gira em torno de 2% do Produto Interno Bruto. Para se ter uma ideia, é três vezes o orçamento da cidade de São Paulo, é maior que o orçamento dos ministérios da Saúde e Educação, para ferir e matar pessoas. É uma coisa que tem que ser tratada com todo o empenho, não só pelo governo, mas pela sociedade. Temos que tratar de questões elementares como fazer e manter calçadas, iluminação de vias públicas, educar todos, inclusive os que têm carteira de habilitação. Têm que ser reeducados, porque o comportamento deles é que gera mais de 120 mortes por dia. Não estou falando de qualquer coisinha, é uma barbárie. Esse movimento tem que ser trabalhado e tem que ser convergente com aquilo que se pretende de uma sociedade que se acha sadia.

A sociedade e a classe política estão conscientes disso?

Tanto não estão que esse número de 120 por dia está aí diariamente. O trabalho que os órgãos púbicos, privados e organizações não governamentais, como a ANTP, têm que fazer, é tentar, de todas as formas, explicar para as pessoas que atitudes são tomadas hoje e levam a essa barbárie. Botar R$ 100 milhões em melhor escola, saúde, transporte, desenvolvimento tecnológico e científico. O Brasil tem tudo a ganhar se mudar o comportamento e tudo a perder se continuar esse comportamento.

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes

Colaboração: Jessica Marques e Alexandre Pelegi

Comentários

Comentários

  1. Wilson disse:

    Segundo a reportagem : ” A lógica é a seguinte. Quem está no carro, se deslocando individualmente, ocupa mais espaço nas vias assim como, proporcionalmente, polui mais do que o deslocamento de uma pessoa que está no transporte público.” Hoje em Guaratinguetá – SP – TUG transporte Coletivo – Ônibus velhos, barulhentos, apertados, sem conforto. Na ultima vez que eu usei o sistema de transporte avisei a cobradora e o motorista que tinha balaustres soltos e bancos soltos. Tres dias depois quando usei o mesmo ônibus no sentido Rodoviária – Bairro o ônibus tinha o mesmo problema. . Muitos passageiros que podem pagar uma passagem R$ 3,80 preferem ir usar o automóvel próprio, mais confortável, tem ar-condicionado, musica a bordo e esta limpo. Mesmo o litro da gasolina aditivada a R$ 4,45 / litro não compensa andar de ônibus. Outro detalhe muitas pessoa andando de graça rs! e quem pode pagar prefere o automóvel.

  2. Marcos disse:

    A questao e: sera que essa cide seria repassada para mobilidade ou ira para o bolso de alguem??? Se fosse repassado para as empresas de onibus sera que os empresarios com sua ganancia repassaria para a tarifa ou colocaria no bolso deles??? Essas questores tem que ser respondidas …….pois um projeto desse pode ir por agua abaixo dependendo da resposta de ambas…

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