OPINIÃO: Tecnologia limpa Euro 6 para os ônibus a diesel paulistanos

OLIMPIO ALVARES

Em 28.11.2017, representantes do International Council on Clean Transportation – ICCT fizeram uma apresentação histórica na reunião mensal do Comitê do Clima do Município de São Paulo, sobre a necessidade premente de adoção imediata no Brasil da tecnologia Euro 6, dotada do imprescindível filtro de partículas e de um reator confiável para redução dos óxidos de nitrogênio – NOx, que realmente funciona no mundo real das ruas.

O Comitê do Clima, por iniciativa da Comissão de Transportes e Energias Renováveis, já havia recentemente recomendado ao Prefeito João Dória e à Câmara Legislativa da Cidade – entre outras ações de governo urgentes – que esse regulamento avançado para os motores a diesel, vigente nos EUA desde 2010 e na União Europeia desde 2012, fosse adotado o mais brevemente quanto possível em São Paulo, em especial, nos ônibus urbanos da cidade mais contaminada do País, em substituição à atual tecnologia Euro 5 (Fase P7 do Proconve): esta, uma caríssima sucata tecnológica, que não entregou, na realidade das ruas, os benefícios ambientais originalmente previstos, somente nos testes de certificação do Proconve, em laboratório – testes que são condicionantes da licença ambiental para comercialização no território nacional desses veículos de alto potencial poluidor.

Lamentavelmente, mesmo com esses atributos altamente negativos, Euro 5 segue inabalável, desde 2012, sendo despejada pelas montadoras no mercado brasileiro de ônibus, caminhões e veículos comerciais leves; isso se deve à notável dominância histórica da indústria automotiva nos fóruns regulatórios do Proconve, somada à (nunca antes questionada) complacência das autoridades federais ambientais brasileiras, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, das ONGs ambientalistas e dos demais agentes de defesa da saúde e qualidade ambiental.

Nos Estados Unidos e Europa, recente ocorrência similar foi batizada de “Diesel-Gate”.  Pois bem, estaríamos no Brasil diante de um “P7-Gate” – guardadas as devidas proporções e particularidades?

É sempre bom lembrar que, somente na Região Metropolitana de São Paulo, morrem prematuramente cerca de oito mil pessoas por ano acometidas de doenças cardiorrespiratórias; e outras dezenas de milhares tem sua saúde afetada pelos altíssimos níveis de concentração de MP ultrafino cancerígeno: o dobro do nível considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde. Os mais afetados pela contaminação letal são os grupos vulneráveis (idosos, recém-nascidos, infantes até cinco anos) da população de renda mais baixa, sempre mais expostos aos poluentes atmosféricos urbanos e com mais dificuldade de acesso a cuidados médico-ambulatoriais adequados.

Os custos sócio-econômicos desses índices inflados de morbi-mortalidade atingem valores milionários de enormes proporções (consistentes com diversos estudos já publicados); uma parte deles onera ainda mais o deficitário sistema público de saúde. O estrago causado pelas partículas tóxicas e cancerígenas do diesel na atmosfera é algo portentoso, a ser considerado como prioridade absoluta pelos gestores da cidade, do meio ambiente, saúde e transportes públicos, especialmente quando não há custos envolvidos na implementação das simples e certeiras medidas saneadoras …. basta apenas um mínimo de vontade política.

São dois os principais problemas de Euro 5, que se desdobram e viram quatro: altíssimas emissões tóxicas dos óxidos de nitrogênio (NOx) – também precursores do ozônio troposférico, também tóxico – e do material particulado ultrafino (MP), cancerígeno e causador do efeito estufa (aquecimento do planeta pelo Carbon Negro – CN contido na fuligem).

O CN, conforme ensinou o Prof. Dr. Paulo Artaxo, colaborador do International Pannel on Climate Change – IPCC, em sua apresentação no Comitê do Clima há alguns meses, responde por cerca de um terço do efeito de forçamento climático, sendo o maior causador do efeito estufa depois do campeão dióxido de carbono – CO2. O Prof. Artaxo mencionou em sua apresentação, que diversos países já incorporaram as medidas de abatimento das emissões de CN em seus respectivos NDCs – National Determined Contribution – ou seja, o CN foi incorporado nas estratégias nacionais de mitigação das emissões que contribuem com o aquecimento planetário.

A figura a seguir apresenta um quadro comparativo dos limites de emissão regulamentados das tecnologias Euro 1 a Euro 6. Nota-se, que nada pode ser mais apropriado para reduzir as emissões dos veículos a diesel, do que substituí-los por outros de tecnologias alternativas não convencionais – híbridos, elétricos, a gás natural, biometano ou biocombustíveis líquidos – ou adotar os veículos a diesel novos convencionais, mas dotados de tecnologia Euro 6.

EU_EMISSIONS

Na apresentação do ICCT foram destacados os seguintes tópicos:

http://www.theicct.org/news/nature-impacts-diesel-nox-may2017 O recente estudo, com a participação do ICCT, publicado na revista Nature “Impacts and mitigation of excess diesel NOx emissions in 11 major vehicle markets”, indica que ocorrem 1818 mortes anuais no Brasil pelo efeito das emissões de NOx;

http://www.theicct.org/news/soot-free-buses-commitment-20-megacities   Quatro grandes empresas mundiais – Scania, BYD, Cummins e Volvo – fornecedores de veículos e motores pesados para ônibus urbanos, firmaram o compromisso internacional Heavy-Duty Diesel Vehicles Initiative –  Soot-Free Urban Bus Fleets Project – do qual participam o Climate and Clean Air Coalition – CCAV, o International Council on Clean Transportation – ICCT, UN Environment – UNEP, C40 – Cities Climate Leadership Group e o Centro Mario Molina para abastecer, a partir de 2018, a cidade de São Paulo, com tecnologia Euro 6 para ônibus urbanos. As vinte cidades que fazem parte desse compromisso são: Abidjan, Accra, Addis Ababa, Bangkok, Bogotá, Buenos Aires, Casablanca, Dar es Salaam, Dhaka, Istanbul, Jakarta, Johannesburg, Lagos, Lima, Manila, Mexico, Nairobi, Santiago, São Paulo e Sydney.

– Santiago do Chile e Cidade do México, assim como todas as cidades dos países desenvolvidos, ciosos de seus compromissos ambientais e com a saúde de seus cidadãos, baniram definitivamente a tecnologia Euro 5 para os ônibus novos;

– Montadoras brasileiras, devidamente interessadas em não perder seu mercado de ônibus na América Latina, já fornecem os veículos Euro 6, para que outros países irmãos com problemas de contaminação similares às grandes cidades brasileiras, possam proteger a saúde de seus cidadãos (poderiam muito bem fazer o mesmo para os brasileiros, seus concidadãos ….);

– Os ônibus dotados de tecnologia Euro 6 tem custo inicial cerca de 2% maior que Euro 5, entretanto, ao longo do ciclo operacional de dez anos, apresentam custo 2 a 3% menor que Euro 5, devido a um ligeiro ganho em redução de consumo, dada a maior eficiência dos motores Euro 6;

– Não há restrições de ordem técnica para que ônibus Euro 6 sejam imediatamente comercializados no Brasil – a exemplo de Santiago e Cidade do México – antes mesmo de o Conama regulamentar a fase 8 (Euro 6) do Proconve para os veículos pesados. Isso, porque os ônibus Euro 6 atendem com folga os limites máximos de emissão regulamentados atualmente no Brasil para os defectivos Euro 5 (ver gráfico acima).  Além dos testes de certificação dos novos motores Euro 6 usando os procedimentos brasileiros aplicados atualmente para a homologação dos ineficientes Euro 5 (P7), ficaria a critério dos compradores dos ônibus, gestores municipais etc, exigirem dos respectivos fornecedores de ônibus a apresentação dos certificados internacionais desses mesmos modelos de motores, ensaiados segundo os procedimentos Euro 6, já aplicados em muitos países desde 2010.

Com base nas auspiciosas informações apresentadas pelo ICCT, não há nenhum motivo plausível para que legisladores e tomadores de decisão municipais, na área do meio ambiente, saúde e transportes, deixem de seguir a recomendação do Comitê do Clima do Município de São Paulo; que, aliás, foi endossada agora pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo – Consema por ordem expressa do Secretário de Estado do Meio Ambiente Maurício Brusadin.

A ideia do Comitê do Clima, é que os gestores de transportes públicos adotem requisitos objetivos nos processos licitatórios e de autorização de operação de transporte coletivo, para efetivar a compra exclusiva de ônibus novos dotados de tecnologia Euro 6 (com filtro), o que ajudará, em muito (como enfatiza o ICCT em seu estudo), a reduzir drasticamente as concentrações de material particulado fino cancerígeno, NOx e ozônio – e por aqui mesmo, onde os até então abandonados cidadãos brasileiros vivem, trabalham e respiram, nas grandes cidades com problemas de contaminação atmosférica.

Essa iniciativa também teria um efeito estimulante no âmbito do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama e do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, no sentido de destravar o congelado processo regulatório do Proconve, amplamente paralisado há muitos anos, sem engendrar os esperados avanços tecnológicos na frota brasileira.

Olimpio Alvares é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1981, Diretor da L’Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos; fundador e Secretário Executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP; Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT; é assistente técnico do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental – PROAM; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina – CAF e do Sindicato dos Transportadores de Passageiros do Estado de São Paulo – SPUrbanuss; é membro titular do Comitê de Mudança do Clima da Prefeitura de São Paulo e coordenador de sua Comissão de Transportes e Energias Renováveis; membro do grupo de trabalho interinstitucional de qualidade do ar da Quarta Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR) do Ministério Público Federal; colaborador do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, Instituto Saúde e Sustentabilidade, Instituto Mobilize, Clean Air Institute, World Resources Institute – WRI-Cidades, Climate and Clean Air Coalition – CCAC e do International Council on Clean Transportation – ICCT; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb, onde atuou por 26 anos; membro da coordenação da Semana da Virada da Mobilidade.

Comentários

Comentários

  1. Paulo Gil disse:

    Amigos, bom dia.

    Sempre um prazer ler os artigos do Sr. Olimpio Alvares, por serem técnicos, precisos e concisos.

    Bom, diante a omissão do puuuuuuuuuuuuder, nada mais lógico do que a própria população exigir o EURO – 6, afinal não há mais motivos para tolerarmos a “complacência das autoridades federais ambientais brasileiras”, conforme citado acima.

    Lembremos ao puuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuder, que eles são tão somente nossos procuradores e se a necessidade do povo é o EURO-6, então que o puuuuuuuuuuuuuder se mexa e obrigue já o EURO-6.

    Afinal:

    “Os ônibus dotados de tecnologia Euro 6 tem custo inicial cerca de 2% maior que Euro 5, entretanto, ao longo do ciclo operacional de dez anos, apresentam custo 2 a 3% menor que Euro 5, devido a um ligeiro ganho em redução de consumo, dada a maior eficiência dos motores Euro 6;”

    Não precisa de choradeira.

    OBS.:

    Fisacalizadora; se o Edital que será publicado em dezembro/17, não obrigar o EURO-6, antecipadamente este Edital já é um JURÁSSICO DESATUALIZADO.

    PREVISIVELLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLLL

    Afinal temos de pensar no buzão do amanhã e esses contratos valerão por 10 anos, ou mais.

    Temos de começar hoje com o buzão verde do amanhã.

    O EURO-6 já é realidade enquanto os demais buzões verdes ainda tem o sério problema de escala de produção, o que os leva para o longo prazo.

    ACORDA SAMPA, MUDA BARSIL

    Att,

    Paulo Gil

  2. SDTConsultoria em Transportes disse:

    Bora , preservar o que é nosso.

  3. Zé Tros disse:

    Gostaria de perguntar ao Sr. Olímpio Alvares, qual a diferença do Euro 5 implantado aqui no Brasil em 2012 para o Euro 5 implantado na Europa?. Lembrando que na Europa ainda rodam muitos ônibus e caminhões Euro 5 e que o Euro 6 só foi implantado em 2014.

    Um outro detalhe é que, até onde eu sei, tanto no México quanto no Chile ainda são utilizados as normas Euro 5. Os ônibus Euro 6 serão utilizados somente nos novos corredores que estão sendo construídos.

    Se ele puder me esclarecer essas dúvidas, ficaria agradecido.

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