História

HISTÓRIA: Quando os ônibus clandestinos viraram lotação em São Paulo

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Ônibus clandestino em protesto pela legalização

 

Processo deu início à formação de grandes grupos que hoje são maiores que muitas viações na capital paulista

ADAMO BAZANI

No próximo dia 25 de janeiro, São Paulo faz mais um aniversário e como sempre exibimos no Diário do Transporte/Blog Ponto de Ônibus, a história da cidade é ligada ao desenvolvimento do transporte, que ajuda no crescimento econômico e social, ao proporcionar para o cidadão a integração entre as regiões menos providas de recursos e as que oferecem maiores oportunidades de geração de renda e colocação profissional, além de mais serviços essenciais.

São várias as páginas que retratam como os transportes foram se adaptando à cidade e também como São Paulo se adaptou à realidade do setor.

Um destes capítulos é o aparecimento mais intenso dos ônibus clandestinos, principalmente no final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990.

E esse processo pode ser visto por diversas óticas: Em relação à mobilidade e oferta de serviços públicos, é importante destacar que os ônibus clandestinos surgiram por brechas do sistema de transportes, tanto porque existiam bairros sem nenhuma cobertura plena como pela crônica deficiência dos serviços regularizados de ônibus.

Também há questão social: desempregados, principalmente que antes atuavam na indústria e construção civil, usavam a indenização e compravam veículos velhos, muitos dos quais das próprias empresas regulares, e começavam a tentar a sorte.

De semelhante modo, há o aspecto de Segurança Pública, já que durante a expansão dos ônibus clandestinos e, principalmente, depois as peruas de lotação, facções criminosas e grupos de traficantes começavam a encontrar nas lotações uma renda extra ou oportunidade para lavar dinheiro.

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Veículos usados vinham dos sistemas regulares de diversas regiões

Todos estes ônibus clandestinos podem ser considerados o embrião do subsistema local da cidade de São Paulo, hoje formado por ex-cooperativas que se tornaram empresas para participarem do processo de licitação dos transportes lançado em 2013, mas que depois de ter sido suspenso pelo  TCM – Tribunal de Contas do Município, que detectou diversas regularidades, ainda não foi concluído.

De acordo com o último indicador da SPTrans, das 1377 linhas de  ônibus municipais, 517 são da permissão, ou seja, destas empresas ex-cooperativas, e 860 das empresas convencionais mais antigas.

Dos 14760 ônibus municipais, 5966 operam no subsistema local, que teve origem nas cooperativas e 8794 são do estrutural (viações).

Existem hoje em empresas do sistema de permissão que são até mesmo maiores que algumas viações tradicionais, tanto relação à frota, como ao faturamento.

Uma reportagem de novembro de 1992, da revista Carga & Transporte, assinada pela jornalista Regina Helena Teixeira, retrata o momento em que os clandestinos viraram lotação.

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Matéria se tornou importante registro histórico

A matéria cita o início da regulamentação do transporte clandestino em outubro de 1992, por meio do decreto número 31.347, assinado em março daquele ano pela então prefeita Luiza Erundina, autorizando a criação do sistema de ônibus lotação.

Na ocasião, surge de maneira oficial a primeira cooperativa de transportes da cidade, a Cooperleste – Cooperativa Popular de Transporte de Passageiros da Grande São Paulo, operando duas novas linhas urbanas na Zona Leste: Vila Formosa – Aeroporto e  Jardim Guaiacará – Vila Mariana, com 21 ônibus de idade média de 12 anos.

De acordo com a regulamentação, os ônibus-lotação só podiam transportar passageiros sentados, de 42 a 44 pessoas. A tarifa foi estipulada em Cr$ 2.500, superior à tarifa de outubro de 92 do município, de Cr$ 2.200, e menor que a tarifa dos ônibus executivos que variava entre Cr$ 3.000  e Cr$ 6.000 e só transportavam também pessoas sentadas.

A reportagem ainda mostra que oito cooperativas tinham na ocasião encaminhado propostas para análise da comissão de licitação da CMTC -Companhia Municipal de Transportes Coletivos, responsável pelo gerenciamento da operação.

Na ocasião também, o presidente da Cooperleste, Carlos José dos Santos, ex trabalhador da construção civil que, após perder o emprego, em maio de 1991 colocou seu ônibus nas ruas do bairro do Belém para fugir da crise econômica e do achatamento salarial, disse que apesar de um avanço, a medida não conseguiria erradicar com os ônibus clandestinos. E realmente foi o que aconteceu.

O presidente da Cooperleste disse que a tarifa mais alta e a idade média dos veículos poderiam desestimular a população, além do que muitos operadores, para fugir da burocracia, continuariam na clandestinidade.

“Alguns clandestinos continuarão nas ruas fugindo da fiscalização e das apreensões. A idade média da frota exigida é de 12 anos, mas tem gente com ônibus de 1977/1978 que vai ficar de fora. Não temos a burocracia dos grandes empresários e nós mesmos fazemos a manutenção… A tarifa do ônibus lotação será 30% mais cara que a dos ônibus comuns. Será que os passageiros pagarão a mais para andar em ônibus velhos?” – comentou para a repórter Regina Helena, na época.

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No início da regulamentação, ônibus recebiam número de inscrição

Na época da municipalização dos transportes, a frota de ônibus regulares desde meados de 1991 até o final de 1992 recebeu mais 2300 coletivos. A cidade passou a contar com 10. 300 ônibus regulares e, pelos contratos de municipalização, a frota seria ampliada em 20% a cada ano.

Na época, a legalização dos clandestinos foi considerada uma falta de racionalidade no processo de municipalização: 40% dos trajetos desses ônibus que deixariam de ser clandestinos poderiam coincidir com os trajetos dos ônibus legalizados.

A matéria cita que houve pressões políticas da Câmara Municipal, em especial dos vereadores petistas Henrique Pacheco e Arselino Tatto, para regulamentação dos clandestinos.

Na ocasião, o secretário de transportes Lúcio Gregori, disse também à revista que tudo seria fiscalizado, trazendo benefícios para a população. Haveria exigências de qualidade e também de cumprimento dos horários.

“A CMTC fará uma vistoria nos ônibus antes de contratação do serviço e manteremos inspeções rotineiras para garantir a segurança o conforto e a eficiência do sistema” – disse.

Já o ex-secretário de transportes e então deputado estadual, Getúlio Hanashiro, disse que a legalização dos clandestinos criava um sistema concorrente aos ônibus comuns, se tratando de uma irracionalidade no sistema e também podendo ampliar a evasão de passageiros do sistema comum.

“Os clandestinos tiram passageiros nos ônibus municipalizados e podem aumentar assim a ociosidade da frota oficial”.

O fato é que as linhas com os perueiros, que passavam a trocar os ônibus velhos por vans (nada novas também), só cresceram.

Entre 2002 e 2003, quando foi lançada a primeira licitação do sistema de transportes, já com a prefeita petista (na época), Marta Suplicy e o secretário de transportes Jilmar Tatto (a família Tatto sempre teve relação muito próxima aos perueiros), as cooperativas fizeram parte do sistema local, recém-criado para os transportes.

Polêmicas judiciais envolvendo políticos e facções criminosas ainda são analisadas pelo Ministério Público e noticiadas pela imprensa, embora que os donos hoje das empresas ex-cooperativas usam até advogados que sondam jornalistas para tentarem apagar este capítulo da história.

Em 13 de abril de 2015, o repórter Giba Bergamim Jr, da Folha de S.Paulo, com a matériaEx-perueiros se tornam caciques do transporte em São Paulo”, cita alguns personagens deste controverso setor que fizeram da clandestinidade um lucrativo negócio que se ampliou depois dos processos de legalização:

Eles rodavam a cidade dirigindo Kombis abarrotadas de passageiros e faziam parte de uma rede clandestina que no ano 2000 ganhou ares de legalidade. Na ocasião, o prefeito de São Paulo, Celso Pitta, numa jogada política, deu um alvará temporário aos chamados perueiros.

Quinze anos depois, alguns dos mesmos homens que literalmente ergueram o prefeito em comemoração saíram da condição de marginais do sistema de transportes e viraram empresários.

Atualmente comandam a operação de 6.000 micro-ônibus e ônibus e cuidam de uma engrenagem que transporta cerca de 4 milhões de passageiros na capital paulista, com faturamento de R$ 2,6 bilhões por ano –43% do sistema municipal.

Apelidado de “Doidão”, Valter Bispo, 46, era um ilegal. Comanda hoje a Transcap, empresa que atua na zona sul, com 300 veículos.Ele ri ao se recordar de um protesto em que se vestiu de noivo e simulou o casamento da então prefeita Marta Suplicy (PT), em 2001, como forma de pressioná-la a legalizar a situação dos perueiros. À época, a prefeita estava de casamento marcado com Luís Favre, hoje seu ex-marido.

“Atualmente operamos como qualquer empresa e temos certificados de qualidade. Crescemos muito de lá para cá”, disse ele, que tem uma segunda empresa, de transporte de combustíveis.

O padrão de vida também melhorou muito. “Tenho minha casa, um carro bom, mas me considero administrador, não empresário”, diz.

Bispo e um grupo de empresários presidem as antigas cooperativas de transportes.

Entraram definitivamente no sistema após ganharem licitação em 2003, aberta durante a gestão petista.

Passado esse tempo, saíram de cena as Kombis e as Bestas financiadas “a perder de vista” e entraram ônibus e micro-ônibus novos, além de investimentos em garagens de até R$ 100 milhões.

Se antes viviam num jogo de gato e rato com a polícia e a fiscalização municipal, agora os antigos camelôs do transporte querem se manter no comando do negócio.

Estão de olho na licitação que a gestão Haddad fará neste ano e devem concorrer com os empresários de ônibus tradicionais, que operam hoje nos grandes corredores.

INVESTIGAÇÕES

No começo deste ano, os antigos perueiros deixaram de se reunir em cooperativas –sistema no qual, ao menos na teoria, cada um é dono de seu veículo e ganha pela quantidade de passageiros. Tiveram que virar empresas, prerrogativa para participar da próxima concorrência.

De 2003 para cá, algumas cooperativas não só cresceram como se tornaram alvo de investigações sobre suposta presença do crime organizado, incluindo a facção criminosa PCC, em garagens.

Luiz Carlos Pacheco, o Pandora, estava entre os que jogaram Pitta para cima na comemoração. Na ocasião, tinha apenas detenções por fazer transporte clandestino.

Em 2006, presidente da Cooperpam, foi preso sob suspeita de atuar no plano de resgate de um preso. A Justiça concluiu não haver provas. O inquérito foi arquivado.

Hoje, a Transwolff, que absorveu a Cooperpam, é uma das maiores do sistema, com 1.200 ônibus ou micro-ônibus e garagem de R$ 100 milhões.

Com ele também foi acusado Paulo Korek Farias, 46, que atuava numa garagem associada à Cooperpam.

Hoje, Farias é dono da A2, empresa com 513 veículos, que atua no extremo sul, e de uma viação em Cubatão (a 56 km de SP). “Nenhum diretor de cooperativa se envolveu com crime. Jamais”, disse Farias, após posar para fotos.

Vestindo terno e sapatos importados, ele lembra que usava uma perua branca para transportar passageiros da região do Campo Limpo à Vila Mariana. “É motivo de orgulho olhar para trás e ver o que a gente construiu”, disse ele, que mora na região do Jabaquara e é empresário do grupo de pagode Katinguelê.

Tanto na empresa dele como na maioria das demais, a frota é subcontratada, já que antigos cooperados passaram a ser agregados. As garagens, no entanto, ainda pertencem às antigas cooperativas.

Mesmo crescendo no negócio, os ex-perueiros afirmam que estão longe de serem barões do transporte, como os clãs portugueses que atuam há décadas no sistema de ônibus, caso da família de José Ruas Vaz. “Perto dos Ruas, sou só uma viela”, diz Bispo.

Não mais como perueiros ou cooperados, mas ainda mais fortes, estes hoje empresários devem continuar no sistema de transportes após a licitação.

O processo de formação das empresas foi polêmico e muitos ex-cooperados dizem que, com conivência do poder público, foram “passados para trás” e quase expulsos do sistema pelos diretores de cooperativas, hoje empresários.

Muitos também alegam que em vários casos, as garagens só têm características de empresa apenas no nome porque a estrutura de cooperativa continua o mesmo. O dono de um  ônibus ou lotes de veículos é que responde na prática pelos trabalhadores e não a empresa, como deveria ser

 Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes

Comentários

Comentários

  1. O.Juliano disse:

    Bela matéria!!

  2. Roberto disse:

    Como sempre esclarecendo e informando , parabéns!

  3. Paulo Gil disse:

    Amigos, boa noite.

    Adamo, legal esta materia, lemvrando que esse e apenas o primeiro de uma serie deles.

    Tem mais um merito dos “perueiros”, foi gracas aos bancos macios das Sprinter’s e outros modelos, que o maldito banco de fibra foi eliminado.

    So podia dar certo, afinal eles sabem fazer o que precisa fazer, so isso.

    Mas vamos ver daqui pra frente.

    Vamos aguardar cenas dos proximos capitulos, vem ai mais uma novela:

    ” A LICITACAO DO BUZAO DE SAMPA”

    Em breve em todos os meios de comunicacao.

    Nao percam…

    Sera que a Viacao Santo Atraso ganhara sua parte na licitacao ???

    Aguardem cenas dos proximos capitulos…

    Att,

    Paulo Gil

  4. pedro disse:

    Como a própria reportagem cita “traficantes e grupos criminosos” encontram nas lotações um jeito de lavar dinheiro.
    è isso mesmo como será que o pcc hoje se tornou a maior facção criminosa do brasil com ramificações em outros países vizinhos? com a lotação todo mundo sabe que que é honesto não ganha mais dinheiro nessas cooperativas que são fachada apenas pra lavar dinheiro sujo alem de o dinheiro obtido com as lotações ainda financiar compra de armas e drogas pro crime organizado e também sabemos que 80% dos veículos são de laranjas que na verdade são carros de bandidos a maioria deles presos põem o carro no nome de uma pessoa sem B.O e pagam uma moeda por isso e fazem e acontecem a prefeitura tinha que ter dado um golpe fatal nas lotações quando implantou o bilhete único era só fazer com que este não fosse aceito pelas peruas que todos veriam que não seria vantagem andar de lotação aí teria sido tudo diferente….

  5. David Souza disse:

    Hoje a história se repete com os Apps, tipo Uber.
    Foi com conforto que eles conquistaram os passageiros e agora ta esse excesso de burocracia e de regras para matarem o serviço.

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