“Estamos assistindo, de braços cruzados, ao enfraquecimento da engenharia nacional”, alerta a Associação de Engenharia Automotiva

Marcus Vinícius Aguiar, presidente da AEA

Associação Brasileira de Engenharia Automotiva defende política industrial ativa e conteúdo local; posição converge com críticas de Cláudio de Senna Frederico à postura brasileira no cenário global

ALEXANDRE PELEGI

Estamos assistindo, de braços cruzados, ao enfraquecimento da engenharia nacional.” A frase, dita pelo presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), Marcus Vinicius Aguiar, sintetiza a preocupação da entidade com os rumos da indústria brasileira diante do avanço de modelos produtivos que priorizam importações e reduzem o papel do País como polo de engenharia, pesquisa e desenvolvimento.

O alerta foi feito nesta terça-feira, 16 de dezembro de 2025, durante o lançamento do Fórum Estratégico de Engenharia, iniciativa da AEA que busca mobilizar montadoras, sistemistas, governo, academia e instituições financeiras em torno de uma agenda clara: fortalecer a engenharia automotiva nacional e adensar a produção local de veículos, sistemas, peças e componentes.

Segundo a entidade, a crescente entrada de produtos nos formatos formatos como CBU, quando o veículo chega pronto do exterior; SKD, com montagem local restrita;e CKD, em que o produto é desmontado em kits para recomposição no país, sem exigências robustas de conteúdo local, transferência tecnológica ou instalação de centros de engenharia, tem provocado uma perda silenciosa de capacidade técnica instalada no Brasil.

Esse cenário mais recente nos preocupa porque, nos últimos anos, estamos assistindo, de braços cruzados, certo enfraquecimento da engenharia nacional, quando – em realidade – nossos profissionais possuem domínio tecnológico, em se tratando de descarbonização veicular, para mostrar ao mundo sua capacitação em tecnologias inovativas de biocombustíveis, diante da realidade brasileira de ser privilegiada com abundância de fontes renováveis”, argumenta Marcus Vinicius Aguiar.

Para a AEA, o problema não é a abertura de mercado em si, mas a ausência de uma política industrial estruturante, capaz de transformar demanda em desenvolvimento.

A avaliação parte de um paradoxo. O Brasil dispõe de engenheiros qualificados e domínio tecnológico relevante, especialmente em temas nos quais o mundo busca respostas — como biocombustíveis, eletrificação e bioeletrificação. Ainda assim, esse capital técnico não tem sido convertido em vantagem competitiva duradoura, nem em geração consistente de empregos qualificados.

Esse diagnóstico encontra eco na análise de Cláudio de Senna Frederico, vice-presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e um dos responsáveis pela estruturação do Metrô de São Paulo. Em entrevista ao Diário do Transporte, Frederico relembra que a implantação do metrô paulista, nos anos 1970, esteve ancorada em uma diretriz explícita de proteção à indústria ferroviária nacional e de transferência de tecnologia, o que permitiu o surgimento e a consolidação de fabricantes brasileiros.

Para Frederico, essa visão estratégica foi sendo abandonada ao longo do tempo. Ele chama atenção para o fato de que, enquanto países como Canadá, Estados Unidos e membros da União Europeia utilizam compras públicas como instrumento de política industrial, o Brasil mantém uma postura que já não encontra respaldo no cenário internacional. O episódio recente de Toronto, que cancelou uma licitação internacional para garantir conteúdo local mínimo na aquisição de trens, é citado como exemplo de pragmatismo econômico.

O mundo mudou”, avalia Frederico. “Vivemos uma era de barreiras agressivas e práticas protecionistas generalizadas, enquanto o Brasil insiste em um ‘fair play’ que não existe mais.” Para ele, não se trata de barrar novas tecnologias ou fornecedores, mas de condicionar sua entrada a parcerias com a indústria instalada no País, garantindo absorção tecnológica e fortalecimento da engenharia local.

Ao criar o Fórum Estratégico de Engenharia, a AEA pretende justamente oferecer subsídios técnicos ao Governo Federal para a formulação de políticas industriais de Estado no setor automotivo, com reflexos diretos no transporte coletivo e na mobilidade urbana. A entidade planeja realizar quatro edições do fórum por ano a partir de 2026.

A convergência entre a manifestação da AEA e a leitura de Cláudio de Senna Frederico reforça um ponto central: defender a indústria nacional não é ideologia, é estratégia.

Sem engenharia forte, o Brasil perde capacidade de decidir, de inovar e de transformar investimentos públicos em desenvolvimento econômico e social duradouro.

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transportes

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