História

Mamãe Me Leva: primeira carroceria de ônibus produzida em série no Brasil

Ford TT com carroceria 'Mamãe-Me-Leva' iniciou transporte coletivo por ônibus em São Paulo. Foto: Divulgação / Grassi.

Inspiração para o apelido é que capacidade do veículo era para 12 passageiros, mas ‘sempre cabia mais’, como um coração de mãe

JESSICA MARQUES

A primeira carroceria de ônibus produzida em série no Brasil leva um apelido marcante e peculiar: Mamãe Me Leva. O nome veio do fato de a capacidade do veículo ser para 12 passageiros, mas na prática “sempre caber mais um”, como um coração de mãe.

Neste domingo, 09 de maio de 2021, Dia das Mães, o Diário do Transporte relembra a história da Grassi, empresa que marcou o início da indústria brasileira de carrocerias, fabricando a famosa Mamãe Me Leva, produzida em série a partir de 1924.

O embrião desta história, que culminou no nascimento da indústria nacional de carrocerias de ônibus do Brasil, se deve à criatividade de dois irmãos. O início de tudo foi no centro de São Paulo.

DOIS IRMÃOS

Luigi Grassi era pintor de carruagens na Itália, onde nasceu. Em 1889, foi convidado para vir ao Brasil com seu irmão Fortunato, que por sua vez foi contratado para trabalhar como pintor dos palacetes construídos pela burguesia do café na capital paulista.

Em 1904, os irmãos fundaram, no centro da cidade, a empresa Luiz Grassi & Irmão, para reparar e construir carruagens de tração animal. Apesar de o nome de Fortunato não ficar em destaque, ambos pensavam e inventavam juntos.

A criatividade e o pioneirismo começaram a aparecer na história dos irmãos quando, em 1907, eles decidiram montar o primeiro automóvel Fiat chegado ao país. Sem saber, tornaram-se os pioneiros da indústria automobilística brasileira. Tudo isso em uma pequena área e com ferramentas simples como forja, bigorna e furadeiras.

Buscando evoluir no setor automobilístico, a empresa começou, em 1909, a construir furgões de entrega e passou a representar no Brasil os automóveis italianos Itala.

Em seguida, os irmãos decidiram deixar de importar os veículos completos para fabricar no país as suas carrocerias. A simplicidade da época era revelada nos materiais utilizados pelos irmãos: madeiras locais para a estrutura, couro e até vime para os revestimentos.

Ambos também começaram a fornecer carrocerias para outras marcas de automóveis, preferentemente originários da Itália, mas também, com frequência cada vez maior, para carros Ford T, que a partir de 1919 passam a ser montados no país e logo se tornam figuras onipresentes na paisagem brasileira.

O PRIMEIRO MAMÃE ME LEVA

A unidade pioneira do Mamãe Me Leva surgiu em 1911, quando a Grassi construiu a primeira carroceria, que foi montada sobre o chassi francês De Dion-Bouton por encomenda da Hospedaria dos Imigrantes.

Mais de dez anos se passaram até que, em 1924, a empresa começou a fabricar as primeiras jardineiras, as famosas “Mamãe Me Leva”. Na época, não era comum que as empresas nomeassem os modelos de ônibus, então, os apelidos pegavam facilmente.

As carrocerias eram abertas, de madeira, com três bancos transversais, semelhantes às dos bondes da época, que a empresa passou a fornecer em grande quantidade para o nascente transporte público das principais cidades brasileiras.

Modelo pioneiro, em 1924. Foto: Classic Show.

ÔNIBUS FECHADOS

Em 1920, os irmãos decidiram abandonar a fabricação de veículos de tração animal. No ano seguinte, a Grassi teve a estrutura ampliada, mantendo-se, porém, no centro de São Paulo.

Com o tempo, a empresa passou a fabricar modelos maiores, com quatro ou cinco fileiras de bancos. Antes de terminar a década, lançou os primeiros ônibus urbanos fechados, substituindo as jardineiras fabricadas até então.

No mesmo período, a Grassi começou a construir os primeiros ônibus rodoviários brasileiros para a ainda incipiente rede viária do país, sempre com carrocerias de madeira e teto coberto de linóleo.

Em 1929, a empresa se tornou fornecedora regular da linha de montagem da Chevrolet (inaugurada em 1925), produzindo em série cabines e carrocerias de caminhão, ao ritmo médio de 80 conjuntos por dia.

EXPORTAÇÃO

Na década de 30, a principal atividade da empresa já era o fornecimento de carrocerias de ônibus. A Grassi foi a primeira companhia brasileira a exportar coletivos, em 1931.

Até este momento, a maior parte das carrocerias era montada sobre caminhões Ford e Chevrolet. Contudo, nos anos 30 passou a ser cada vez mais comum o encarroçamento de chassis pesados europeus, especialmente projetados para o transporte de passageiros, tanto em modelos urbanos, quanto rodoviários.

Publicidade no jornal O Estado de S. Paulo, em 1926. Fonte: Lexicar.

A Grassi seguiu crescendo e, nos anos 50, a empresa já atendia encomendas especiais, como papa-filas e até carros fúnebres, fornecidos para a Prefeitura de São Paulo.

Papa-fila Grassi rebocado por um FNM. Foto: Jason Vogel.

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Carroceria Grassi sobre Ford 1936, operando entre Santo André e São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Fonte: Lexicar.

Thornycroft-Grassi, de 1933, foi um modelo rodoviário da empresa, utilizado na rota São Paulo-Santos. Fonte: Lexicar.

FABRICAÇÕES NACIONAIS

Em 1958, a Grassi ainda encarroçava chassis usados importados. Entretanto, também atuava com veículos nacionais.

No mesmo ano, a empresa finalizou o protótipo do primeiro trólebus de fabricação nacional, projeto desenvolvido desde 1956 em conjunto com a Villares e apresentado no dia 06 de maio ao presidente da República, Juscelino Kubitschek, no Rio de Janeiro.

Conforme detalhado pelo portal Lexicar Brasil, o veículo foi fabricado sob licença da norte-americana Marmon-Herrington e contava com 85% de componentes nacionais (apenas eixos, sistema de direção e freios pneumáticos eram importados dos Estados Unidos).

Neste caso, a carroceria integral foi construída pela Grassi. Já os comandos e motor de tração foram produzidos pela Villares e sua subsidiária Atlas.

NOVO ESTILO

Na década de 1960, o estilo das carrocerias começou a ser modificado, com linhas mais suaves e para-brisas dianteiros um pouco mais curvos. Os modelos também ganharam janelas laterais duplas. Em 1964, a empresa lançou o rodoviário Argonauta, com colunas inclinadas.

Grassi Argonauta, em versão especial projetada com a FNM. Foto: Eduardo Nazareth Paiva.

No mesmo período, em meio a uma crise, a Grassi decidiu transferir o controle acionário para o Grupo Walter Godoy (Crisval).

Em 1965, outro lançamento teve destaque no mercado: o ônibus rodoviário Presidente, que foi projetado a partir do Argonauta.

No próximo ano, a encarroçadora foi assumida pela Itatiaia, concessionária Mercedes-Benz. Ainda em meio à crise, os acionistas decidiram encerrar a produção em 1970 e venderam as instalações da empresa.

Jessica Marques para o Diário do Transporte

Comentários

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  1. Tive a chance de ser transportado por um Argonauta anos 60 quando criança no ABC-AutoViaçãoVilaAlpina que foi do Sr. Antonio Bataglia pai do José Roberto (JRB) que dirigiu a antiga Viação Esplanada, meu saudoso Zebrinha, antes CAIOs Bela Vista de chassi longo até 72. Esse modelo da Grassi (urbano) foi sucesso na cidade de SP, como hoje é os VIPs Apaches da CAIO> Há fotos memoráveis do argonauta em meio ao burburinho do Vale do Anhangabaú, quando a cidade fervia de trabalhadores, grandes filas, pontos lotados.

  2. Otacilio disse:

    Trabalhei na Grassi S.A., na época a empresa era comandada pelo Dr. Bruno Grassi é, seu filho Dr. Quirino Grassi. Tinha Dr. Taborda diretor comercial, de quem fui office-boy. A fábrica era na Vila Leopoldina- Rua Othão 335. Lá a Grassi, teve o seu pico comercial.
    Lá encerrou suas atividades.

    Andei muito, pela linha de produção desta empresa, muito.

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