OPINIÃO: A miséria premiada
Publicado em: 28 de setembro de 2018

MELI MALATESTA
Nesta terça-feira, dia 25 de setembro, acordamos com uma promissora notícia para os caminhantes paulistanos: em 12 avenidas problemáticas por terem constantes registros de atropelamentos, os tempos semafóricos destinados às travessias de pedestres iriam ser aumentados. Que boa notícia numa cidade onde a maior vítima do trânsito é o pedestre!
Entretanto, nossa animação logo foi cortada: o tal aumento do tempo de travessia se limitava à concessão de mais 20% de tempo aos atuais míseros 12 segundos, tempo adotado na maioria das ruas semaforizadas de São Paulo, passando então de 12 para 14,4 segundos.
Na prática do cotidiano dos deslocamentos a pé essa “benesse” certamente vai passar desapercebida. Ainda mais depois que a CET, responsável pelo planejamento das fases dos semáforos, adotou em boa parte deles uma sequência de cores nos focos destinados aos pedestres que tem prejudicado e muito as travessias. Ela é formada por 4 segundos de verde e o restante em vermelho piscante até ficar vermelho. Este tempo da travessia com o foco em vermelho piscante é responsável por apressar as pessoas a terminarem suas travessias quando do exercício de seu direito de atravessar. Ao mesmo tempo impede de iniciar a travessia quem não conseguiu a façanha de fazê-lo nos 4 segundos iniciais apontados pela cor verde.
Infelizmente esse código de cores para lidar com travessia de pessoas, tem o peso legal, por se tratar de uma resolução do CONTRAN, Conselho Nacional de Trânsito – Resolução 483/2014. Mesmo confrontando ao direito que pedestre retardatário tem de completar sua travessia, garantido pelo Parágrafo Único do Artigo 70 do Código de Trânsito Brasileiro: “ Nos locais em que houver sinalização semafórica de controle de passagem será dada preferência aos pedestres que não tenham concluído a travessia, mesmo em caso de mudança do semáforo liberando a passagem dos veículos” nada pode atrapalhar a prioridade dada aos veículos no direito ao uso do espaço e do tempo destinados à mobilidade em nossa cidade e garantida por esta resolução do Contran.
Portanto, se um dia realmente houver intenção e vontade política de uma gestão que ocupe a Prefeitura de São Paulo por colocar em prática o exercício legítimo da prioridade ao pedestre em seu direito básico de atravessar ruas com segurança e dignidade, este direito certamente não será exercido concedendo míseros segundos ao tempo de travessia já exíguo e longamente esperado. Deve ser garantido por ações muito mais expressivas do que esta.
O esperado e necessário é a adoção de uma mudança na forma de dividir o direito de passagem no espaço e tempo públicos entre o veículos e pedestres por formato que não seja o atual, já comprovadamente ineficaz. Não deve ser a busca por um tempo mínimo necessário ao pedestre para atravessar de um lado a outro da via, mas sim o tempo necessário para que todos os pedestres consigam atravessar as ruas da cidade com segurança e dignidade e assim prosseguirem o exercício cidadão de sua mobilidade mais primordial entre todas, a Mobilidade a Pé.
Meli Malatesta (Maria Ermelina Brosch Malatesta) – Arquiteta pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrado em Transporte a Pé na FAUUSP e doutorado em Transporte Cicloviário pela FAUUSP; presidente da Comissão Técnica Mobilidade a Pé e Mobilidade da ANTP. Escreve também para o Blog “Pé de Igualdade”, do site Mobilize.