Ônibus municipais de Porto Alegre perderam um em cada 10 usuários, e refletem crise do setor no país

Foto: Leonardo Contursi / Câmara Municipal de P. Alegre

No foco de tudo está uma única causa: a falta de priorização do transporte coletivo

ALEXANDRE PELEGI

“Quem pode escolher, não anda mais de ônibus”.É com esta frase que o tradicional jornal de Porto Alegre “Zero Hora”, em seu perfil na internet GaúchaZH (fruto da junção das plataformas Zero Hora e Rádio Gaúcha), inicia uma alentada reportagem que busca descobrir as razões e motivos dos passageiros de ônibus que estão abandonando este tradicional modo de transporte.

É uma realidade preocupante que tem se expressado nos números do transporte público não só de Porto Alegre, mas de várias cidades do país.

Somente no ano de 2016, 10,7% dos passageiros pagantes deixaram de utilizar o sistema de ônibus da Capital. Este percentual de queda agrava uma debandada contínua que começou em 2013.

NÚMEROS DE PASSAGEIROS PAGANTES EM PORTO ALEGRE

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PREJUÍZOS DO SETOR

A perda de passageiros, que começou a despencar em 2013, fez o transporte coletivo da capital gaúcha atingir seu pior resultado desde 2007. As empresas de ônibus afirmam ter acumulado um déficit de R$ 126 milhões pelas perdas de passageiros pagantes em 2016.

A armadilha para a crise do setor do transporte coletivo em todo o Brasil, não apenas para Porto Alegre, está na reação em cadeia que esta debandada provoca em todo o sistema de transporte. Com menos pessoas usando ônibus para se locomover, o cálculo da tarifa remete a uma passagem mais cara. Além disso, a queda de receita no segmento reduz também os investimentos no sistema de ônibus. Menos investimentos somados a menos receita implicam em serviço cada vez pior e mais caro. E a debandada de passageiros aumenta, retroalimentando um nefasto círculo vicioso.

Em resumo, no horizonte imediato a consequência é explosiva: a precarização e sucateamento do sistema de transporte coletivo.

Para o diretor executivo da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), que agrega as concessionárias de Porto Alegre, Gustavo Simionovschi, “com certeza, o alto custo é um fator que tira as pessoas do ônibus. No momento em que entram os apps de transporte, elas se juntam e vão pagar o preço de uma passagem, ou menos. A gente defende que a passagem tem que ser mais barata e o ônibus precisa rodar, não ficar parado. Hoje, pelas isenções e pelo trânsito, o sistema fica caro para quem paga e insuficiente para quem opera. Os recursos são poucos para manter a qualidade”, explica na matéria do site GaúchaZH.

A crise no sistema de transportes tem oferecido oportunidades para se enfrentar problemas do segmento que há décadas vêm sendo adiados. Em Porto Alegre a prefeitura preferiu agir cortando no lado dos custos, para evitar um aumento tarifário pesado em 2018. O prefeito Nelson Marchezan Júnior enviou à Câmara alguns projetos de lei para extinguir gratuidades e decretou o fim da segunda passagem gratuita.

As gratuidades em Porto Alegre sangram o sistema, já que representam 35% de todas as viagens realizadas na Capital.

Sem consenso na Câmara para aprovar as propostas do executivo, e com a decisão da Justiça de garantir a manutenção do benefício da segunda passagem, a tarifa de ônibus em Porto Alegre pode subir para R$ 4,60 no início de 2018.

Para o diretor-presidente da EPTC – Empresa Pública de Transporte e Circulação, Marcelo Soletti, a soma da crise econômica, com a questão da qualidade e da segurança, tem sido explosiva. Para o passageiro descontente as alternativas para fugir do ônibus são muitas, e Soletti cita algumas: “desconto em aplicativos, no táxi, ciclovias melhores, Bikepoa a R$ 10 por mês, além da facilidade na compra de carro e motos”.

Em suma, na raiz do problema está a falta de prioridade ao transporte coletivo no país, ele aponta à matéria do GaúchaZH o grande problema: “se taxa o transporte coletivo e se financia compra de moto e carros”.

O que o presidente da EPTC enuncia é um problema nacional, que pode ser referendado por várias pesquisas e estudos.

Uma recente pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), feita em cidades com mais de 100 mil habitantes, alertou o setor para uma tendência geral de abandono do ônibus no Brasil.

Mais que o preço da tarifa, os entrevistados pela pesquisa CNT apontaram outros problemas que os desestimulam a permanecer dentro do ônibus: o mau serviço oferecido, descrito em atrasos e demora para passar nos pontos, além do desconforto do serviço (ônibus ruins, sem ar-condicionado, sem serviços que hoje são importantes como wi-fi).

Pela falta de comunicação das empresas com seus clientes, elas acabam por reforçar a ideia, contida no imaginário popular, de que a maior culpa dos problemas citados é exclusiva dos ônibus.

Muitos clientes do transporte coletivo desconhecem que, para evitar atrasos (e portanto oferecer nas linhas um serviço com eficiência e rapidez), os ônibus precisam de ruas liberadas, com possibilidade operacional de circular fora do congestionamento provocado por veículos particulares. Sem prioridade nas vias, não há como o ônibus manter uma velocidade que melhore o serviço, e reduza seu custo, causando menor impacto no preço da tarifa. Esta é a grande vantagem oferecida pelos modos sobre trilhos, que os ônibus precisam se aproximar para melhorar performance e reduzir custos.

Se há alguma culpa do operador (e há muitas, basta ver a relação escandalosa no Rio de Janeiro entre empresas de ônibus e políticos), esta torna-se ainda pior pelo perfil de muitos empresários, conforme relata à matéria do GaúchaZH o professor da UnB Pastor Willy Gonzales Taco: “O operador, de forma geral, é muito tradicional: cumpre características operacionais, mas não procura operar com mais qualidade. Investir em ar condicionado, wi-fi, maior proximidade com os locais de moradia, mais informação ao usuário”.

Uma outra questão precisa ser comunicada pelas empresas de ônibus a seus passageiros, já que a maioria dos gestores públicos prefere atender à minoria barulhenta que exige ruas livres para seus carros (e usam a má imagem do ônibus para justificar o uso extensivo do automóvel): os coletivos são o principal meio de transporte público utilizado no país, e se não houver uma saída para a crise do sistema, o futuro da mobilidade urbana terá dias ruins. Descrevendo o cenário inevitável, isso redundará em aumento da poluição, que provocará uma crise no sistema público de saúde, aumento da mortandade, sem contar na enorme perda de eficiência nas atividades econômicas. Que empresa quer se instalar uma cidade em que o tempo de locomoção é incerto e demorado?

Priorizar os carros aumenta o caos urbano, e os discursos que tentam negar esta evidência mundial, já aceita há anos por várias importantes cidades do mundo, baseiam-se sempre na má qualidade do transporte coletivo. A velha história de usar um problema para justificar opções individuais, que só tornam o problema ainda maior, pior e, claramente, cada vez mais difícil de ser equacionado e resolvido.

Esta falta de senso coletivo, aliada à esperteza de muitos empresários e à covardia de gestores públicos, soma-se ao imenso interesse das montadoras de veículos e seus lobbies eternos. Programas de incentivos à produção de carros e motos; exigência para benefícios governamentais, e a longa história das montadoras no país em sua relação incestuosa com governos, tornam o setor automobilístico brasileiro o mais protegido da economia. A frase é de Marcos Lisboa, diretor presidente do Insper, que há um ano criticou as políticas destinadas a induzir o consumo, como o regime automotivo conhecido como Inovar-Auto.

A professora da Unisinos, Nívea Oppermann, vincula a escassez de transporte coletivo a um aumento dos modais individuais, carros e motocicletas. Junto com os ônibus a diesel, já se tornaram os maiores responsáveis pelas emissões de poluentes na cidade.

No foco de tudo, e no início do caos, está uma única causa: a falta de priorização do transporte coletivo.

Eduardo Vasconcellos, assessor da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), alerta na matéria do GaúchaZH: “As pessoas saírem do sistema é um problema, porque existe um perigo, a médio prazo, de o sistema começar a sangrar. Isso está acontecendo no Brasil todo. Alguns vão exagerar para proteger seu próprio negócio, mas é um problema real. Estamos preocupados com a continuidade do sistema de ônibus”.

Alexandre Pelegi, jornalista especializado em transporte

Comentários

Comentários

  1. Marcos disse:

    Cortes nas linhas e altas tarifas….qdo a linha nao atende mais um regiao, obrigando a fazer baldeacoes quem pode vai procurar meio de transporte confortavel……aqui em sao paulo as linhas intermunucipais perderam passageiro por causa do seccionamentos….ou sou um deles seccionaram a linha que eu ia para o trabalho e agora so vou de carro pois a baldeacao muito cansativa…..muitos pensam assim como eu…..os que nao concordam com isso no fundo sabem que seccionando linhaa afastam passageiros, eles so nao querem aceitar isso

  2. LUIZ CARLOS DIRENZI disse:

    Isso esta ocorrendo em diversas cidades do nosso Brasil. Mas também com os preços das passagens que via de regras são caras, os usuários estão se virando como podem. Uns andam a pé, outros de motos, carros, etc. Transporte publico é para servir a população e não para dar enriquecer donos de empresas de ônibus.

  3. Paulo Gil disse:

    Amigos, bom dia.

    Ótima matéria.

    “Quem pode escolher, não anda mais de ônibus”.É com esta frase que o tradicional jornal de Porto Alegre “Zero Hora”, em seu perfil na internet GaúchaZH …”

    “Em Sampa só se utiliza o buzão por obrigação, by Paulo Gil há alguns anos atrás.

    O problema é que o mundo mudou evoluiu, os trilhos aumentaram, modernizaram e em breve os Aerotrens estarão rodando, chegaram os aplicativos, ciclovias e ciclotintas; enquanto o buzão ficou focado e sentado no seu próprio umbigo, igual os taxis ficaram chocando nos pontos, ambos nem ai par aos passageiros.

    Buzão muda o foco, essa choradeira não resolverá o problema.

    O buzão não funciona mais por diversos motivos; então façam o buzão funcionar, principalmente com linhas retas.

    Hoje linhas do tipo Penha – Lapa não funcionam mais, precismos agora é de uma rede de buzão, ligando pequenos trechos aos trilhos.

    É isso, modernizem-se.

    Esse BRT, só com muito dinheiro, demanda e sem semafaros, caso contrário é outro furo n’água, vejam o exemplo real do RJ.

    Buzão sem choradeira, FOCO & AÇÃO.

    Mudem o foco e mudem o modelo de operação, chega de operar igual há 40 anos atrás 21/21.

    Att,

    Paulo Gil

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