Mais uma Semana da Mobilidade: discursos são bonitos, mas prática deixa a desejar

ônibus
Ônibus em São Paulo são integrados com o Metrô. Tudo tem custo e o poder público politicamente gera mais gastos sem apontar novas fontes de recursos.

Todos são unânimes em afirmar que o ideal é que mais pessoas usem o transporte coletivo, mas nem mesmo o básico tem sido garantido pelo poder público que erra na gestão

ADAMO BAZANI

Todo ano, na Semana da Mobilidade é a mesma coisa: surgem estudos que mostram que as atuais políticas em benefício do transporte individual têm a cada dia que passa provocado mais prejuízos ao cidadão, seja de ordem econômica como na qualidade de vida.

São feitas campanhas, peças publicitárias e ações como o Dia o Mundial sem Carro, Desafio Intermodal, Corrida Multimodal, simpósios, palestras, etc.

Tudo isso é importante para criar uma cultura em prol da livre circulação de pessoas e não só de indivíduos isolados em seus veículos. Mas, e na prática? E no cotidiano das cidades?

Assim como qualquer data festiva, a Semana da Mobilidade é exaltada, mas depois passa e os problemas continuam os mesmos há décadas.

É verdade que a solução para os deslocamentos nas médias e grandes cidades não vem do dia para a noite e as mudanças requerem recursos financeiros e alterações até mesmo culturais.

Mas o que tem intrigado os cidadãos é que nem o básico hoje tem sido feito pelos gestores públicos, que falham exatamente no que deveria ser o seu papel: gestão.

Obras são importantes, como a expansão de corredores de ônibus e linhas de metrô, mas hoje os administradores sequer têm conseguido gerir com eficiência os sistemas de suas cidades ou regiões metropolitanas.

Dois exemplos desta realidade são emblemáticos: o da capital paulista, a maior cidade da América Latina, e de Curitiba e região metropolitana, considerada referência mundial em mobilidade urbana e berço dos BRTs – Bus Rapid Transits – sistemas de corredores de ônibus com maior eficiência.

Em Curitiba, o transporte poderia ser melhor ainda se não houvesse tantos problemas político-partidários. Por questões mais partidárias que técnicas, houve a separação financeira das linhas municipais e das metropolitanas. Agora, os passageiros que antes contavam com um sistema para 14 cidades, encontram duas realidades. A bilhetagem eletrônica que era única, agora está dividida. Enquanto na região metropolitana de Curitiba, há um novo sistema de cartão, mais moderno;  na capital paranaense, a bilhetagem eletrônica praticamente não avançou.

Mas os problemas vão além. Há um descompasso entre a projeção de usuários por parte da Urbs – Urbanização de Curitiba S. A. e o número de passageiros que realmente embarcam nos ônibus, que tem sido bem menor.

Esta projeção, que tem se mostrado equivocada, interfere na tarifa técnica, que é a remuneração que as empresas de ônibus recebem pelos serviços.  A diferença entre a demanda projetada e a real faz com que o sistema registre déficit, reduzindo a capacidade de investimento das empresas, o que afeta diretamente no dia-a-dia dos passageiros.

Já na capital paulista, que registra em torno de nove milhões de embarques diários, o déficit da prefeitura para com o sistema está na casa dos R$ 200 milhões. São recursos que deveriam ser repassados pelo poder público referentes aos serviços já prestados.

No maior sistema de ônibus do mundo, com quase 15 mil veículos, cresceu o número de gratuidades, o tempo de integração com o pagamento de uma única passagem, modalidades temporais do bilhete único sem reajuste de tarifa, tudo, entretanto, sem a criação de fontes de recursos para estes benefícios sociais, muitos, no entanto, concedidos com conotação política.

Algumas gratuidades, como para estudantes, foram criadas após as manifestações de junho de 2013 e agora têm sido usadas em campanha eleitorais. Ninguém é contra benefícios sociais, mas tudo deve ter uma fonte de recurso discriminada para que o prejuízo não seja sentido por todos.

O orçamento para 2016 previa um subsídio de R$ 1,79 bilhão até 31 de dezembro. Mas nesta semana, todo esse dinheiro já foi usado. E agora? Não há uma resposta concreta da prefeitura.

Toda esta situação financeira recai sobre o elo mais importante na cadeia dos transportes: o passageiro, que poderia contar com serviços melhores.

É claro que não se deve atribuir toda responsabilidade da atual situação da mobilidade urbana ao poder público, mas de fato as políticas de transportes adotadas pelos municípios e estados têm dado brechas a estas distorções.

É muito importante ter projetos de médio e longo prazo para a expansão da oferta de transporte público. Afinal, as pessoas que usam transporte individual só vão deixar os carros e as motos em casa se os ônibus, trens e metrô oferecerem serviços de maior qualidade.

No entanto, primeiro deve-se arrumar a casa agora.

Nem o que se tem hoje é administrado corretamente. Isso é um perigo, já que até um ótimo sistema de transportes, como uma nova rede de corredores de ônibus e metroferroviária conjuntas, pode ter todo seu benefício anulado se a gestão for atrapalhada e apenas com viés partidário, como tem acontecido na maior parte das cidades brasileiras.

Isso não exime o fato de que as empresas precisam melhorar os serviços e de que a remuneração deve trazer retorno financeiro às companhias de ônibus e metroferroviárias de maneira justa – nem menos e nem mais do que merecem.  Só que não é exagero dizer que a maior parte da estagnação da mobilidade urbana hoje é realmente de responsabilidade dos entes públicos.

É verdade que hoje a falta de dinheiro é sim o grande problema das cidades. Mas também é fato que só dinheiro não é solução. Dinheiro sem boa gestão não é bem aproveitado e acaba logo.

Se o poder público é regulador e as empresas não podem sequer mudar um horário sem autorização do concedente, então, é o administrador que carrega sobre si a responsabilidade do que acontece com a mobilidade urbana.

No segmento de transportes, não tem como deixar o mercado se autorregular. Isso porque o transporte tem uma responsabilidade social que nem sempre é de interesse da iniciativa privada. Mas, mesmo assim, este abismo entre a cabeça dos gestores e a realidade das operações deve acabar, ou ao menos diminuir.

Transporte não se faz na canetada do poder público e nem com o extremo de operadores que não se abrem para evoluir, mas nem sempre dá para evoluir se a canetada não deixar.

 Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes

Comentários

Comentários

  1. Paulo Gil disse:

    Amigos, bom dia.

    Adamo, otimo texto.

    Dai, concluimos que o que atrapalhao a mobilidade e o Poder Publico, portanto esse deve sair de cena dos transportes coletivos.

    Quem nao ajuda nao atrapalha.

    Permita-me acrescentar no texto mais tres exemplos de relaxo:

    – O Aerotrem de Sampa;

    – O VLT de Cuiaba,;

    – A Ferro Norte.

    Mas so quem vai preso e o motorista da VAN que trabalhava, cobrindo um vacuo, deixado pelo sistema e que ajudava a populacao local.

    Sem contar os buzoes caoticos que a reportagem do Fantastico exibiu ontem.

    Deixo duas perguntas para reflexao.

    Deixar mega obras inacabadas e paradas nao e crime ???

    Nao ha autores pa4a serem presos ???

    Att,

    Paulo Gil

  2. Pedro disse:

    Senhores, quem tem memoria ha de se lembrar que os governos do sr. Serra e Kassab, foram os piores em termos de transporte publico, o PSDB não gosta de ônibus, ônibus na e o ideal, mas e o que temos, como a tendencia e a entrada do Sr. Doria, espero que ele tenha um outro comportamento, e que invista neste modal, pois e ele que chega onde a grande parcela da população pobre morra.

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