OPINIÃO: A Era da “Colaboração”, da “Inteligência Coletiva” e do “Propósito”.

Por que o Waze, Uber, Wikipédia e Airbnb se tornaram tão populares!

 

ROBERTO SGANZERLA

Grande parte dos conceitos de Marketing e das Estratégias Mercadológicas das últimas décadas foram definidas ou tiveram participação direta de Philip Kotler, conhecido por ser o pai, e até mesmo, o guru do Marketing.

Não é diferente com a expressão “Marketing 3.0”, que ganhou atenção depois que Philip Kotler, Hermawan Kartajaya e Iwan Setiawan lançaram o livro “Marketing 3.0 – As Forças que Estão Definindo o Novo Marketing Centrado no Ser Humano”.
Neste livro, Kotler define como um dos principais pilares deste novo marketing (3.0), a Era da participação e do marketing colaborativo, em que surge o uso expressivo das mídias sociais que mudaram a maneira das pessoas se relacionar, comunicar e agir de forma colaborativa. É também, conforme o autor, a era da sociedade criativa e do marketing espiritual ou do espírito humano.

A colaboração envolve as novas formas de criação e desenvolvimento do produto ou serviço, com a experiência por meio da participação colaborativa das empresas, dos consumidores e dos fornecedores. Nessa nova prática, todos estes atores estão interligados em uma rede de inovações.

De acordo com Prof. Gil Giardelli, os conceitos de crowdsourcing* e croundfunding** até um tempo atrás eram inexistentes, mas agora estão ditando os rumos da nova web colaborativa. Não é à toa que diversos cases de crowd projects têm invadido os principais sites e portais sobre internet e inovação, pois “colaborar” é a palavra do momento.

Podemos citar como um exemplo de crowdsourcing o site CrowdMed, uma plataforma on-line que permite usuários do mundo inteiro diagnosticarem sintomas médicos enviados por outros usuários, gerando assim, um incrível banco de dados de informação colaborativa.

Outro exemplo, é a marca Suíça de cosméticos Mavala que, por meio de uma ação integrada entre Facebook, Twitter e Instagram, conseguiu chegar na “cor ideal” de esmalte através da colaboração e interação de internautas.

A internet, atualmente, permite que pessoas de todas as partes do mundo se ajudem de diversas maneiras. Por isto que o Waze, Uber, Wikipédia, Airbnb entre tantos outros, são grandes fenômenos mundiais, por que se baseiam nos pilares da colaboração e participação coletiva. Assim, aproveitaram essa nova era e se lançaram com o intuito de promover a interação entre seus usuários baseados no fato de que a sociedade está cada vez mais colaborativa, pois “o diálogo cria a base da colaboração”, como já dizia Paulo Freire.

 Inteligência Coletiva

Estas novas tecnologias se tornaram, na verdade, catalisadoras da chamada “inteligência coletiva”.

Warren G. Bannis, no Livro Organizing Genius, disse: “Nenhum de nós é tão inteligente quanto nós todos juntos”.

Por mais especialista que alguém possa ser sobre determinado assunto, jamais suplantará a inteligência acumulada de todos os que contribuíram na Wikipédia sobre este mesmo assunto.

Quanto mais Wazers colaborarem com sua informação sobre o trânsito, mais e melhores caminhos serão sinalizados fruto da participação coletiva.

Aplicativos como Uber, Airbnb, MobyPark, Fon e muitos outros, constituem um novo sistema chamado sharing economy (economia compartilhada), baseado em dividir os bens e serviços entre os usuários.

Embora seja um fenômeno recente, a coluna de Schumpeter na revista da The Economist remete ao famoso programa de compartilhamento de arquivos, o Napster, que inspirou a economia colaborativa, onde um sistema intermedia o contato entre estranhos para partilhar e trocar as coisas.

Dentre muitos aplicativos, destacamos:

Uber: uma empresa de transporte privado urbano baseado em tecnologia disruptiva em rede, através de um aplicativo E-hailing que permite aos proprietários de um carro oferecer um serviço semelhante ao táxi tradicional.

Airbnb: conecta os donos de apartamentos ou locatários com turistas interessados em estadias curtas.

MobyPark: serve para alugar a vaga de estacionamento enquanto o proprietário não estiver utilizando.

Fon: é uma plataforma para compartilhar sua rede Wi-Fi com os assinantes do serviço e para usar a conexão deles quando, por exemplo, você está viajando e não tem 3G.

 Colaboração em massa

O canadense Don Tapscott, autor do livro: Wikinomics: Como a Colaboração em Massa Pode Mudar o Seu Negócio, afirma que “Não vivemos na era da informação. Estamos na era da colaboração”.

De acordo com o autor, a internet possibilitou a formação de espaços colaborativos com maior intensidade. A formação de uma inteligência coletiva é possível pela contribuição de muitas inteligências com diferentes óticas e diferentes conhecimentos de mundo, que podem ajudar nas mais variadas e complexas situações humanas.

Don Tapscott cita exemplos como da Procter & Gamble, conglomerado de produtos de higiene e limpeza que está usando a colaboração em massa. Na busca de uma molécula capaz de tirar mancha de vinho tinto de roupas, ao invés de buscar a resposta entre os 7.000 engenheiros químicos da própria empresa, criou um site e foi procurá-la entre os milhões de engenheiros químicos fora da empresa, multiplicando a probabilidade de encontrar o que buscava.

Outro exemplo, citado por Tapscott, é o caso da Goldcorp, empresa do setor de mineração. A companhia estava insegura sobre onde tentar explorar ouro e tomou uma atitude inédita: divulgou seus dados geológicos, que normalmente são o grande segredo desse setor, e ofereceu um prêmio a quem tivesse a melhor análise que indicasse onde fazer uma exploração. A empresa pagou 500.000 dólares em prêmio e encontrou 3,4 bilhões de dólares em ouro. O valor de mercado da Goldcorp pulou de 90 milhões para 10 bilhões de dólares.

 E para o setor de transportes?

No setor de transporte coletivo no Brasil, já temos disponíveis várias tecnologias e aplicativos***, que visam melhorar a experiência de quem se move diariamente pela cidade.

Entretanto, o grande desafio para a maioria destas tecnologias, é como melhor usar a colaboração e participação da comunidade que utiliza o transporte, integrando os dados estáticos do transporte público e de operadores de trânsito, com dados em tempo real coletados de usuários, bem como permitir o envio de relatórios etc., gerando assim inteligencia coletiva em prol de uma melhor mobilidade urbana para todos.

Outro ponto que tem precupado as Entidades representantes do sistema de transporte coletivo, é a proliferação de alguns aplicativos, ou até mesmo comunidades nas mídias sociais chamadas de “carona solidária”, que possibilitam uma pessoa a viajar com outras em um carro e dividir as despesas. Tais iniciativas têm contribuído para a redução do número de passageiros transportados, e as empresas operadoras os encaram como uma concorrência desleal, pois, muitas vezes cobram taxas, além de privilegiarem o transporte individual, apesar de pregarem a utilização total da lotação dos carros.

Não podemos negar que o futuro das atividades laborais e produtivas passa, necessariamente, pela utilização cada vez mais intensa da tecnologia em todas as suas formas, embarcadas nos veículos, na Internet, nos sites, apps etc., mas nem toda iniciativa por mais inovadora ou tecnológica que seja se justifica, se ela não comungar com os princípios básicos da legalidade, cidadania e priorização do transporte coletivo em prol da mobilidade urbana e sustentabilidade do planeta.

Foco na “experiência” ou no “propósito”?

Theodore Levitt, uma das mais reconhecidas autoridades em Marketing, disse: “Os clientes não querem comprar uma broca de um quarto de polegada. Eles querem fazer um buraco de um quarto de polegada”. Em outras palavras, para ele, o foco não deve estar mais no “produto” e sim na “experiência”.

Prof. Gil Giardelli, estudioso de Cultura Digital citado no início deste artigo, me disse certa vez uma frase muito interessante, quase reveladora: está terminando a era da “experiência” e começando a era do “propósito”.

A iniciativa que produz “experiência”, mas que não tem “propósito”, não tem mais valor.

Muhammad Yunus – prêmio Nobel da paz, no livro Um mundo sem pobreza, comenta que dirigir um gigantesco veículo utilitário esportivo (SUVs), pode até proporcionar um boa “experiência”, só que eles exigem recursos enormes para serem fabricados, usam grande quantidade de combustível e poluem muito. Os SUVs são ruins para a sociedade, para o meio ambiente e para o mundo. Atitudes como esta da indústria automobilística descrita pelo Professor Yunus, que eram comuns na era da “experiência”, hoje na era do “propósito”, são encaradas como algo muito irresponsável socialmente.

Parafraseando Theodore Levitt, os clientes não querem comprar uma broca de um quarto de polegada (produto), eles querem fazer um buraco de um quarto de polegada (experiência), mas desde que seja para pendurar um lindo quadro (propósito).

Conclusões

As novas tecnologias precisam melhor utilizar a colaboração e a participação coletiva dos clientes e usuários, convergindo a “inteligência coletiva do transporte”, em prol de uma melhor mobilidade urbana para todos.

É claro que os líderes, os mestres, os estudiosos e os especialistas não vão acabar. Mas, o poder de concentração de conhecimento e opinião neste cenário sócio-cultural-tecnológico atual, dá lugar sistematicamente a iniciativas que trabalham com o a inteligência coletiva, pois o saber está na humanidade, já que ninguém sabe tudo, porém todos sabem alguma coisa.

*crowdsourcing: são pessoas que se unem para encontrarem soluções para criar novos produtos, conteúdos, testarem novos sites e muito mais.

**croundfunding: modalidade de financiamento onde qualquer pessoa pode investir pequenas quantias de dinheiro no seu negócio, geralmente via internet.

***CittaMobi: fornece previsões em tempo real de quando o ônibus irá chegar no ponto de parada, baseado na localização atual do ônibus (GPS) e se destina também a usuários com deficiência visual. Em algumas cidades também oferece a recarga de créditos do cartão Transporte pelo app ou pelo canal voz.

Moovit: ajuda a traçar a melhor rota baseada em informações fornecidas em tempo real por usuários, e também fornece horários de chegada e partidas em tempo real. Em algumas cidades também oferece a recarga de créditos do cartão Transporte.

Recarga Agora, Ponto Certo, BOM MOB: são aplicativos que permitem a consulta de saldo e a recarga de créditos do cartão de transporte.

Citymapper: muito popular na Europa e USA, e que agora chega a São Paulo, é um app (pode ser usado no computador também) que ajuda a chegar a qualquer lugar da cidade a pé, de bicicleta, de táxi ou usando metrô, trem e ônibus, sozinhos ou combinados.

Roberto Sganzerla, especialista em Marketing de Transportes

 Mestrado em Liderança pela Andrews University – Berrien Springs, MI – USA,  MBA em Gestão de Negócios e Liderança, Pós-Graduação em Marketing

Comentários

Comentários

  1. Ligeirinho disse:

    Posso concordar com quase todos os argumentos, mas há um contraponto sobre a questão da “economia colaborativa” e sobre o Uber também.

    – da economia colaborativa: o limite das ações de economia colaborativa é quando ela “mata” um serviço anterior e cria outra situação que possa ser pior. A do compartilhamento de rede sem fio (Que é a primeira vez que ouço falar), ao que noto, tem a possibilidade de “matar” operadoras, mas ao mesmo tempo deixar todo e qualquer equipamento de rede como distribuidora. A não ser que os futuros equipamentos de informática sejam mais duráveis e autogeriveis (o que não duvido que ocorra), deixar qualquer pessoa como distribuidora tem seus riscos. Vide o AirBnb e os problemas com excessos seja de contribuintes, seja de usuários.

    Em uma contraposição positiva, há a questão de situações onde ações colaborativas, onde qualquer pessoa é distribuidora, resultam em um benefício. O uso de equipamentos residenciais de capitação de energia, como placas solares e turbinas eólicas pequenas por exemplo. Já há estudos e lugares onde cada cidadão tem sua própria capitação, e isso gera bonus para o mesmo. Pela simplicidade da manutenção e pela urbanidade, o resultado é positivo a todos.

    – do Uber: é mito pensar que a empresa é um serviço colaborativo. Lyft, Bláblácar e até o antigo (hoje falido) Tripda são sim colaborativos, pois deixa na responsabilidade do motorista colaborador as atitudes de serviço prestado.

    O Uber, diferente dos outros, faz a propaganda como se a empresa fosse proprietária e responsável pelos veículos. E em matérias já divulgadas anteriormente, nota-se que o Uber não quer ser uma empresa de economia colaborativa, mas sim um monopólio de transportes.

  2. Não seu porque, mais a linha 4310, do nada tiraram todos os WiFi do ônibus já faz um tempo, e não reinstalaram, estranho.

  3. Paulo Gil disse:

    Amigos, boa noite.

    Muito bem escrito o artigo, mas a teoria na prática e no capitalismo é outra.

    Outro dia mesmo estava pensando na facilidade com que os aplicativos propõe e executam negócios, mas e a prática do dia a dia e seus problemas reais ?????

    A empresa que desenvolver um produto de forma “colaborativa” vai também doar o produto aos consumidores de forma “colaborativa” ou vai VENDER ?

    Se um passageiro que chamou o UBER e foi transportado pelo Senhor “Y” e no caso de um acidente o passageiro foi a óbito e ai, a quem cabe a responsabilidade ????????

    Recentemente houve um site de “open inovation” do Projeto FIAT MIO, onde varias pessoas deram sugestões, inclusive eu.

    Gostaria de recuperar algumas sugestões minhas e hoje não se acha mais nada desse conteúdo na Internet.

    Mas uma coisa eu aprendi; ideias ou colaborações só mediante remuneração.

    Quero ver se numa ação colaborativa, alguém pedir: “assine aqui por favor”.

    Duvido.

    Em negócios não há colaboração e sim lucros.

    Att,

    Paulo Gil

    1. vagligeirinho disse:

      Sobre o Fiat MIO, tente procurar os idealizadores do projeto que talvez eles lhe ajudem a pegar as ideias que você passou. Acho que basta ir atrás deles.

      Do resto, você não está totalmente errado. Vou tentar lhe explicar para ficar claro.

      Muitos dos apps que foram citados na matéria apesar de colaborativos, também tem alguma remuneração, cobrada em algum aspecto, seja em publicidade, na compra do app, na aquisição do serviço pelo usuário ou na cobrança do colaborador.

      No caso do Uber, se ocorrer um acidente, a responsabilidade é do condutor. Isso eles deixam bem claros (e é um dos motivos para que haja revoltas contra a empresa). Quem presta serviços ao Uber deve ter um seguro particular, é uma exigência do serviço. Jogando nas contas, o Uber parece que cobra entre 10 a 30% do serviço de corridas. Dos 90 a 70% do condutor, tem que se separar este seguro, os impostos, a manutenção do carro e o combustível (e em alguns casos, o aluguel do veículo). Não é diferente de um condutor de táxi que aluga veículo de frota.

      No entanto, há serviços colaborativos, como a própria Wikipedia, as comunidades e sites de troca ou concentração de de ideias (como a Ônibus Brasil, Skyscrapercity, etc…) e todos eles apenas tem anúncios, não sendo cobrado do usuário pelos seus serviços.

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