CAOS NAS CIDADES E FALTA DE CORAGEM DA CLASSE POLÍTICA

TRANSITO

No mundo, mais de 1,3 milhão de pessoas perdem a vida por causa da poluição, de acordo com a OMS – Organização Mundial de Saúde. Em São Paulo, segundo a Faculdade de Medicina da USP, quatro mil pessoas anualmente morrem por causa da poluição e o quadro desde 2006 tem se agravado. Paulo Saldiva, professor da Universidade, aponta os transportes coletivos como parte das soluções para este quadro, mas no caso do Brasil, ele destaca que por questões políticas e econômicas e até de falta de preparo dos gestores públicos, poucos têm coragem de privilegiar de fato os transportes públicos no espaço urbano.

Transportes não recebem investimento adequado por falta de coragem de governantes e interesses econômicos
Afirmação é do professor do instituto da Faculdade de Medicina das USP que pesquisa a poluição atmosférica, Paulo Saldiva. Enquanto em cidades como São Paulo, milhares de pessoas morrem por causa da poluição, Prefeitura não cumpre promessas e não desenvolve os transportes coletivos
ADAMO BAZANI – CBN
ISABEL HARAI – CARTA MAIOR
ANDRÉ CRISTI – CARTA MAIOR
FERNANDO GRANATO – DIÁRIO DE SÃO PAULO
Os números impressionam.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde – OMS, cerca de 1,3 milhão de pessoas morrem todos os anos no mundo por causa da poluição do ar. Só em São Paulo, considerada uma das cidades que mais sofrem pela poluição no planeta, aproximadamente 4 mil pessoas morrem por ano, de acordo com o Instituto de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP.
Coordenador de diversas pesquisas sobre o assunto, o professor do Instituto, Paulo Saldiva, alerta que o excesso de veículos de passeio nas ruas é o maior agente poluidor da capital paulista e região metropolitana.
Para ele não há outra alternativa. A cidade precisa de formuladores de políticas públicas que invistam de verdade nos transportes coletivos de maneira que a malha de ônibus, metrô e trem atenda a demanda que já existe e ainda se torne atraente para que as pessoas que usam o carro de passeio deixem seus veículos em casa.
Por causa da poluição, a expectativa de vida em São Paulo cai um ano e meio. Por outro lado, de acordo com dados da OMS, para cada 10 microgramas de poluição retiradas do ar, a expectativa de vida sobe oito meses.
A questão do transporte coletivo, portanto, é essencial para a longevidade e a qualidade de vida de acordo com os especialistas em área de saúde.
Para se ter uma idéia, relatório da UITP – União Internacional dos Transportes Públicos, entidade multilateral de abrangência mundial, revela que as grandes cidades que investiram em metrô e corredores de ônibus, conseguiram reduzir nos últimos cinco anos, a emissão de gás carbônico entre 200 mil e 900 mil toneladas na média anual.
Ou seja, cidades com mais áreas verdes, menos carros concentrados em poucos espaços e nos mesmos horários e com mais transporte público representam oportunidades de as pessoas viverem mais e melhor.
Uma constatação simples, mas um problema difícil de enfrentar. As dificuldades não são técnicas. De acordo com Paulo Saldiva, o Brasil é pioneiro mundial nos corredores de ônibus e tem condições plenas de desenvolver soluções metroferroviárias.
Mas para o médico, falta coragem de enfrentar interesses políticos e econômicos.
“Dificilmente haverá um político no Brasil, nas presentes circunstâncias, que ouse implementar políticas de favorecimento do uso das vias pelo transporte coletivo ou ciclovias em detrimento dos automóveis.”
A prova disso é justamente a cidade de São Paulo.
Desde 2006, os níveis de poluição que estavam caindo reverteram o quadro e apresentam um preocupante crescimento.
Ao mesmo tempo, contrariando as necessidades de medidas urgentes, os administradores em São Paulo parecem não colocar os transportes públicos como prioridade de ações.
A Prefeitura de São Paulo só entregou 20% dos corredores de ônibus que Gilberto Kassab prometeu.
O consultor em transporte Flaminio Fichmann diz que a prefeitura deve não deixar de lado suas responsabilidades quanto ao gerenciamento e melhoria dos serviços de ônibus.
“A Prefeitura está investindo em trilhos, o que não é da sua competência, e deixando os ônibus de lado.” Fichmann se refere ao fato de o governo municipal estar colocando recursos próprios no Metrô e em monotrilho, modais da responsabilidade do estado.

Outro especialista, Horácio Figueira, vai além ao falar na falta de prioridade do transporte coletivo sobre pneus. “O congestionamento de automóveis é inevitável, mas o de ônibus é imperdoável.”
Acompanhe abaixo as reportagens completas com Paulo Saldiva no “Carta Maior” e com os diversos especialistas no “Diário de São Paulo”
Pobres são os mais atingidos pela poluição urbana, diz médico da USP
Segundo Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP, são motivos políticos e interesses econômicos que impedem as metrópoles brasileiras de reduzirem a emissão de poluentes. “O fato de tratarmos o solo das cidades como mercadoria faz a população mais pobre migrar para áreas mais acessíveis na periferia, aumentando o tempo de permanência no tráfego”, diz.
Isabel Harari e André Cristi (CARTA MAIOR)
São Paulo – Por ano, cerca de 1,3 milhão de mortes no mundo são causadas pela poluição urbana, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Só em São Paulo morrem 4 mil por ano. Em 2004, quando o número de carros era um terço menor, estima-se que o número de mortes tenha sido 2,9 mil. Idosos, crianças, gestantes, portadores de doenças respiratórias e cardíacas crônicas e, principalmente, os mais pobres – que têm níveis maiores de exposição – são os principais atingidos.

Segundo Paulo Saldiva, médico especialista em poluição atmosférica e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), “não há impedimentos técnicos ou falta de conhecimento para que esse problema seja resolvido. No meu entendimento, temos todas as condições de resolver o problema da poluição do ar em nossas cidades em alguns anos”.

De acordo com a OMS, os elevados níveis de poluição na cidade de São Paulo são responsáveis pela redução da expectativa de vida em cerca de um ano e meio. Os três motivos que encabeçam a lista são: câncer de pulmão e vias aéreas superiores; infarto agudo do miocárdio e arritmias; e bronquite crônica e asma. Estima-se que a cada 10 microgramas de poluição retiradas do ar há um aumento de oito meses na expectativa de vida.

Em entrevista à Carta Maior, o patologista apontou para as duas causas fundamentais do problema: o caráter segregador da ocupação do solo nas metrópoles e a falta de políticas públicas que privilegiem o transporte público. Segundo Saldiva, quem mais polui são os carros, e, nas grandes cidades do Brasil, a opção pelo transporte veicular sequer traz o benefício de uma mobilidade eficiente. “A existência de um transporte coletivo rápido, eficiente e barato daria a motivação para que a população migrasse para o transporte público”, afirma.

Carta Maior – Segundo dados da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, ligada ao governo do estado de São Paulo) e do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP, os índices de poluição em São Paulo são os piores dos últimos oito anos e as doenças cardiorrespiratórias matam 20 pessoas por dia na região metropolitana. Há relação entre esses dois fatores?
Paulo Saldiva – O aumento dos casos de doenças cardíacas e respiratórias em nossas cidades tem várias causas: envelhecimento da população, sedentarismo, obesidade e também a poluição atmosférica. Nas cidades onde há grandes séries históricas de medições de poluição, como São Paulo e Rio de Janeiro, houve uma melhora contínua até cerca de 2005 e 2006. A partir desse momento, a tendência de melhora se interrompe, com evidências de piora, notadamente para partículas finas e ozônio. O mais grave é que o patamar onde estamos é reconhecidamente causador de dano à saúde.

CM – Por que a poluição piorou a partir de 2006? Foi por causa do aumento da frota de veículos?
PS – A poluição deixou de melhorar a partir de 2006, estacionando em níveis inadequados para a saúde humana. Os poluentes que ficaram acima do padrão são o ozônio e o material particulado. A razão para isso é o aumento da frota e a lentificação do trânsito, que faz que os veículos emitam mais poluentes ao estarem presos em congestionamentos. A redução da velocidade do tráfego faz que permaneçamos cada vez mais tempo em meio a corredores de tráfego, onde os níveis de poluição são substancialmente mais elevados do que a média da cidade. Em outras palavras, quanto mais tempo ficamos presos em congestionamentos intermináveis, maior será a nossa dose de poluição. O tamanho do problema pode ser resumido da seguinte forma. Aproximadamente 12% das internações respiratórias em São Paulo são atribuíveis à poluição do ar. Um em cada dez infartos do miocárdio são o produto da associação entre tráfego e poluição. Os níveis atuais de poluição do ar respondem por 4 mil mortes prematuras ao ano na cidade de São Paulo. Trata-se, portanto, de um tema de saúde pública.

CM – Quem são os principais atingidos pelo aumento da poluição?
PS – Idosos, crianças, gestantes, portadores de doenças respiratórias e cardíacas crônicas e, principalmente, os mais pobres, que têm níveis maiores de exposição.

CM – Por que os mais pobres têm níveis maiores de exposição?
PS – O fato de tratarmos o solo das cidades como mercadoria faz que as áreas centrais da cidade percam população, notadamente a mais pobre, que migra para áreas mais acessíveis na periferia, aumentando, consequentemente, o tempo de permanência no tráfego. As casas das comunidades mais carentes são também as mais permeáveis à entrada de poluentes. Finalmente, é nos pontos de ônibus, pontos de alta concentração de poluentes, que a população mais desfavorecida passa longos períodos à espera do transporte.

CM – Quais são as alternativas de políticas públicas que você sugere para diminuir a poluição?
PS – No meu entendimento, temos todas as condições de resolver o problema da poluição do ar em nossas cidades em alguns anos. Nas grandes cidades do Brasil, a poluição veicular é responsável pela grande maioria das emissões de poluentes. Mudamos o microclima urbano e poluímos o ar sem termos nem ao menos o benefício de uma mobilidade mais eficiente. A existência de um transporte coletivo rápido, eficiente e barato daria a motivação para que a população migrasse para o transporte público. Sabemos fazer metrô, construímos trens e nossos engenheiros produzem os grandes corredores de ônibus em Santiago, Bogotá e Pequim. Temos a disponibilidade de vários combustíveis mais limpos do que os que utilizamos. Não há, portanto, impedimentos técnicos nem falta de conhecimento para que resolvamos o problema. Faltam políticas públicas de médio prazo para privilegiar o transporte coletivo.

CM – Além das medidas de mobilidade, existem outras que poderiam ser tomadas em outras áreas?
PS – Aumento da cobertura vegetal – que funciona como fator de redução de poluição –, medidas de readensamento urbano nas regiões centrais das cidades e políticas de incentivo aos combustíveis menos poluentes.

CM – Se não há impedimento técnico ou de conhecimento, o impedimento é político? O que causa esse impedimento político?
PS – Dificilmente haverá um político no Brasil, nas presentes circunstâncias, que ouse implementar políticas de favorecimento do uso das vias pelo transporte coletivo ou ciclovias em detrimento dos automóveis. Também creio ser muito pouco provável que encontremos condições para combater a política atual de uso e ocupação do solo urbano, dado o estado de descrédito em que as principais forças políticas de nosso país se encontram. Por exemplo, a maior parte da população irá preferir pagar um pedágio urbano “indireto” – pagar estacionamentos particulares nos locais de trabalho ou perder horas de sono por causa dos congestionamentos – a pagar uma taxa para a melhoria do transporte coletivo. É uma situação que mistura uma crise de gestão política, interesses econômicos e falta de lideranças confiáveis.

CM – Como o modo de vida nas grandes cidades pode afetar a saúde, além da poluição?
PS – O fator mais significativo é o estresse social. O conjunto de falta de mobilidade, ruído excessivo, sedentarismo veicular e violência faz que a incidência de doenças mentais e afetivas seja muito mais frequente nas cidades. Outro exemplo é a obesidade, produto do modo de vida que resulta da maneira como organizamos a cidade. Por exemplo, uma criança hoje não tem acesso ao espaço público por razões de violência. Nesse cenário, o jogo de futebol é no console eletrônico do Fifa 2012 e não na rua.

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20651&boletim_id=1309&componente_id=21450
Isabel Harari e André Cristi (CARTA MAIOR)
DIÁRIO DE OLHO NO TRANSPORTE PÚBLICO
FERNANDO GRANATO – DIÁRIO DE SÃO PAULO
Oito horas da manhã e os ônibus disputam espaço com carros e caminhões na Estrada do Campo Limpo, na Zona Sul da cidade. Os semáforos abrem e fecham e os veículos avançam poucos metros.

Essa cena corriqueira não se repetiria todos os dias se a Prefeitura tivesse cumprido sua meta de implantar 66 quilômetros de corredores exclusivos para ônibus, inclusive nessa via.
Apenas 12 quilômetros, menos de 20% da meta, foram concluídos desde 2006 e a cidade tem hoje apenas 0,73% de suas vias com corredores.

São Paulo tem uma frota de 15 mil ônibus, que cobrem 1.342 linhas de Norte a Sul e Leste a Oeste. Para traçar um raio-X desse serviço, às vésperas das eleições, o DIÁRIO inicia hoje uma série de reportagens, na qual percorreu a linha campeã de reclamações, a melhor avaliada pelos usuários e o maior corredor exclusivo. Testou os avanços tecnológicos que estão disponíveis e flagrou esquemas clandestinos de transportes. Ouviu ainda especialistas, que apontaram problemas e soluções para o transporte público na maior cidade da América Latina.

“Essa atual administração não deu continuidade ao plano de investimentos em transporte público que vinha sendo implantado há dez anos”, afirmou Flamínio Fichmann, consultor de transportes.

“A Prefeitura está investindo em trilhos, o que não é da sua competência, e deixando os ônibus de lado.” Fichmann se refere ao fato de o governo municipal estar colocando recursos próprios no Metrô e em monotrilho, modais da responsabilidade do estado.

Outro especialista, Horácio Figueira, vai além ao falar na falta de prioridade do transporte coletivo sobre pneus. “O congestionamento de automóveis é inevitável, mas o de ônibus é imperdoável.”
Ambos defendem medidas já adotadas em outras cidades, como Curitiba, no Paraná, para dar maior fluidez ao tráfego de coletivos. Uma delas é um sistema nos semáforos que detecta a presença do ônibus e aumenta o tempo em verde enquanto diminui o de vermelho para eles passarem. “Essa medida adotada em Londres, na Inglaterra, em 1977, diminui o tempo do percurso em 30%”, disse Figueira.

Outra ação, ainda mais simples, segundo o consultor, é permitir que ônibus façam ultrapassagens nos corredores, utilizando as faixas destinadas aos carros, como é permitido no caso dos táxis. “Às vezes, um ônibus estaciona para descer um idoso e fica três minutos parado, formando uma fila atrás dele”, afirmou Figueira.
“Permitir a ultrapassagem seria péssimo para os carros, mas ótimo para os coletivos. É isso o que importa quando pensamos no sistema de transportes de uma cidade.”

O objetivo dessas medidas é aumentar a velocidade média nos principais corredores da cidade, que em horários de pico chega a ser a mesma de um pedestre, de acordo com o monitoramento realizado.
Nem metade das metas de mobilidade foi cumprida
A Prefeitura não cumpriu nem a metade das promessas de mobilidade urbana previstas no plano de metas Agenda 2012.

Entre elas estava a requalificação de dez terminais urbanos. Apenas dois foram concluídos: o Terminal Cidade Tiradentes, na Zona Leste, e o Terminal Jardim Ângela, na Zona Sul. Outra meta previa a requalificação de 38 quilômetros de corredores exclusivos. Apenas o Corredor Rebouças, de dez quilômetros, recebeu reparos.

Também na Agenda 2012 aparece a construção de nove terminais urbanos. Apenas um, o Campo Limpo, na Zona Sul, foi entregue. O programa de metas previa ainda a conclusão do corredor Expresso Tiradentes e a revitalização de 46% dos abrigos de pontos de ônibus. Nenhuma dessas metas foi concluída.

A Prefeitura disse que lançou licitação em abril passado para a construção de novos corredores de ônibus. No total, serão 68,5 quilômetros de vias exclusivas para o transporte público. A previsão de investimento é de R$ 2 bilhões. “Como o sistema de transportes da cidade de São Paulo deve operar de forma integrada entre os modais de pneus e trilhos, a Prefeitura já aplicou R$ 1 bilhão na expansão da rede de Metrô.” Além disso, a Secretaria Municipal de Transportes vai implantar mais de 130 quilômetros de corredores de ônibus à direita das vias e faixas exclusivas.

Adamo Bazani – CBN
Isabel Harari – Carta Maior
André Cristi – Carta Maior
Fernando Granato – Diário de São Paulo

Comentários

Comentários

  1. André Ricardo disse:

    tá faltando políticos que trabalhem sério.

  2. Felipe disse:

    Essa falta de vontade política ao invés de priorizar os interesses da população, prioriza os interesses de empresários mafiosos que mantém ônibus precários e em péssimas condições de uso. Isso faz com que a população priorize o transporte individual poluindo cada vez mais as cidades e a população morrendo em decorrência da poluição. Por isso q nessas eleições devemos pensar 2 x em quem votar e qual candidato prioriza o transporte público.

  3. Pedro disse:

    Em São Paulo vivemos um apartaime social criado pela prefeitura de SP, e so ver a diferença de qualidade de serviço entre as regiões, eu moro na zona leste e vejo a diferenção brutal, e so ir até o Parque Dom Pedro II, veja os onibus de outras regiões e compare com os da zona leste, parece que os onibus da zona leste são do ano de 1999 e os onibuis das otras regioes são de 2012, tal a diferença, inclusive em termos de limpesa e conservação, uma vergonha.

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