História

A HISTÓRIA DAS LEIS DE TRÂNSITO E O TRANSPORTE PÚBLICO AUXILIANDO NA DIMINUIÇÃO DOS ACIDENTES

Congestionamento em São Paulo em 1962. Problema do trânsito já é bem antigo e se agrava com o aumento da frota e defasagem das vias e das obras que deveriam dar mais espaço ao transporte público. A legislação também tenta acompanhar o crescimento do trânsito, mas apesar dos esforços também não consegue ter o mesmo ritmo do aumento do número de veículos. Na foto, é possível ver os ônibus Nicola Mercedes Benz já impedidos de circular livremente em meio a tantos carros de passeio, a maioria só com os condutores. Nesta época, os transportes públicos já ganhavam espaço nas cidades mais desenvolvidas que pensavam na humanização dos deslocamentos.

As antigas questões do trânsito que todos tentam resolver

O Sistema legal em relação ao trânsito quis acompanhar o aumento de veículos e pessoas e reduzir os problemas gerados por este crescimento. Mesmo assim, a velocidade dos tribunais e dos formuladores das leis não acompanhou a do volume de tráfego. Por conta deste descompasso e da falta de políticas públicas, o País hoje sente problemas antigos que só se avolumam

ADAMO BAZANI – CBN

Atualmente, o trânsito e a mobilidade urbana ganham cada vez mais espaço nos debates sobre as prioridades do País. Muito mais que a percepção do atraso em relação a estes setores que ficou exposto quando os brasileiros viram que do jeito que está não é possível receber sequer um evento internacional, como a Copa do Mundo de 2014, que não vai durar mais que 40 dias, é no cotidiano da população que este atraso é sentido.
Assim, problemas antigos, como poluição, congestionamentos e deficiência nos transportes públicos, que desde os anos de 1940 já atormentam as cidades do País, passam a sensação de que pouco foi feito para a mobilidade das pessoas.
E não é só sensação apenas. A oferta de transportes públicos, a prioridade aos meios coletivos, como o desenvolvimento do sistema viário não evoluiu como o crescimento das necessidades populacionais. A frota de veículos cresceu como conseqüência do aumento populacional e das atividades econômicas, mas a estrutura para isso ocorrer não avançou na mesma proporção.
A foto de abertura da matéria mostra um congestionamento em São Paulo em 1962. A cena é quase a mesma dos dias de hoje. O que só muda são os modelos de carros e ônibus como os Nicola, da Mercedes Benz. De acordo com o pesquisador Nicolau “Nico”, o primeiro Nicola aparenta ser da linha 565, que no Guia Levi de 1962 era Bom Retiro – Vila Mariana. Quem operava no Bom Retiro com várias linhas era a Viação Tabu, que teve vários desses Nicolas. Já o de trás, parece ser na Viação Tânia, na linha Jardim Aeroporto – Canal 7.
Já o vídeo, postado no site Youtube, por Fernando Brasile, mostra ônibus e carros no Rio de Janeiro em 1976 já passando por uma total cena de descontrole, congestionamentos e imprudências.
O vídeo é do Arquivo Nacional e, além do enfoque aos problemas visíveis, como da lentidão e do excesso de veículos, mostra um lado importante da mobilidade e do trânsito: o fato de inicialmente o homem dominar a máquina e depois ser dominado pelos automóveis. Os carros começaram a ocupar todos os espaços da cidade, segundo a narração do homem, e apenas por leis e regulamentos que o homem voltou a dominar a máquina. Mas por certo tempo também, pois aos poucos, o automóvel começou a se proliferar e novamente em vez de servir as cidades, eram as cidades que foram concebidas para servir aos carros.; E este é um dos grandes erros de como os centros urbanos foram planejados, dando ênfase mais aos carros do que às pessoas. Tanto é que ônibus que transportam mais gente que um carro de passeio poluindo menos e num especo menor proporcionalmente ao número de veículos e calçadas foram sendo colocados em segundo plano para servirem à máquina dominadora.

Não é uma questão de ser contra ou a favor ao carro. Afinal, todos têm o direito de comprarem o que quiserem, desde que o produto seja legal, e se locomoverem como bem entendem, mas é uma questão sim de prioridade.
Para organizar o trânsito e a evolução do carro, foi necessária também a expansão das leis sobre o tema.
E o Brasil tem uma longa história que desde o início do século XX tenta regular a expansão dos veículos automotores, que nesta época já ameaçavam desordem se o poder público não interferisse.
E como é olhando para o passado que entendemos o presente e projetamos o futuro, a reportagem foi pesquisar um pouco da história da legislação sobre o trânsito no Brasil.
Nesta pesquisa foi possível se deparar com uma obra muito interessante e informativa, um estudo histórico, realizado por José Ricardo Rocha Cintra Lima, do Instituto Trânsito Brasil.
Nele é possível verificar que o primeiro registro de lei sobre o trânsito de veículos automotores foi de 1910 e exigia menor velocidade dos veículos para evitar os acidentes. Em 1871, chegou a Bahia um dos primeiros protótipos de carros que se auto-movia.
Este veículo foi importado por Francisco Antônio Pereira Rocha. O carro era movido a vapor e tracionava um reboque para passageiros.
Um dia, Francisco Antônio Pereira Rocha foi desafiado a enfrentar as ladeiras de Salvador com o veículo que já tinha rodas de borracha.
Foi uma total expectativa até que quando ele conseguiu, de maneira lenta, mas firme vencer a Ladeira da Conceição da Praia até a Praça do Palácio foi alvo de aplausos e muito entusiasmo.
Por vários meses, o veículo foi comentário geral e ganhou até uma espécie de marchinha.

“Havemos de ver dos dois
O que aperta ou afrouxa:
Do Lacerda o “parafuso”
Ou a “borracha” do Rocha

O primeiro carro a combustão no Brasil foi trazido da França pelo inventor do avião, Santos Dumont, em 1891. Apaixonado por mecânica, Santos Dumont se admirou com os carros modernos para a época. Depois de pesquisar, em 1890 comprou um Pegeout e trouxe no ano seguinte para o Brasil, a fim de estudá-lo, além de passear e se destacar.
Logo depois, o irmão de Alberto Santos Dumont, Henrique, levaria um carro para São Paulo. Ele foi considerado o primeiro dono de um automóvel na cidade que possuiu a maior frota de carros e ônibus do Brasil.
De acordo com documentos oficiais, em 1901, ele pediu isenções tributárias a seu veículo.
“…o suplicante sendo o primeiro introdutor desse sistema de veículo na cidade, o fez com sacrifício de seus interesses e mais para dotar a nossa cidade com esse exemplar de veículo “automobile”; porquanto após qualquer excursão, por mais curtas que sejam, são necessários dispendiosos reparos no veículo devido à má adaptação de nosso calçamento pelo qual são prejudicados sempre os pneus das rodas. Além disso o suplicante apenas tem feito raras excursões, a título de experiência, e ainda não conseguiu utilizar de seu carro “automobile” para uso normal, assim como um outro proprietário de um “automobile” que existe aqui também não o conseguiu”.

É interessante destacar, pelo texto da petição que o primeiro dono do primeiro carro de São Paulo, Henrique Santos Dumont, já reclamava das más condições viárias.
Acredita-se, com base em documentos oficiais, que o segundo dono de carro em São Paulo foi Conde Álvares Penteado.
Aos poucos e no ritmo da época, a frota de veículos automotores começou a crescer, mas não houve uma substituição imediata dos carros puxados por animais. Houve uma convivência nem sempre harmoniosa. As velocidades diferentes entre os dois tipos de carros já era problema e causava acidentes, por isso uma lei nacional de 27 de outubro de 1910 que já determinava controle de velocidade por parte dos motoristas, até então chamados de motorneiros.
Numa lei de trânsito brasileiro, a primeira vez que os ônibus foram citados data de 1927, quando a União determinava a criação de um Fundo para a manutenção das estradas de rodagem. Todos veículos, inclusive auto-omnibus que vinham de outros países, além de pagarem os impostos de importação tinham a partir desta lei de pagar um adicional para este Fundo.
Acompanhe esta cronologia interessante extraída do estudo de José Ricardo Rocha Cintra Lima:

27 DE OUTUBRO DE 1910:

O Decreto 8324 aprovou o serviço subvencionado de transportes por automóveis. Os condutores, chamados de motorneiros, eram obrigados a diminuir a marcha ou parar todas as vezes que o automóvel pudesse causar um acidente.

11 DE JANEIRO DE 1922:

O Decreto Legislativo 4.460 proibia a circulação de carros de boi nas estradas de rodagem. Também limitou a carga máxima dos veículos e tornou oficial a expressão popular “matar burros”.
No Artigo 6º estimulava a construção de mata-burros. Para evitar a invasão de animais na pista, proibindo outras soluções que pudessem diminuir a velocidade dos automóveis ou causar acidentes.
“No leito das estradas não poderão ser estabelecidas porteiras, tranqueiras ou qualquer fecho de igual natureza e fim; nos logares em que isso for necessário, construir-se-hão mata-burros que impeçam a passagem dos animaes e não embaracem o tráfego de automóveis”

05 DE JANEIRO DE 1927 – A PRIMEIRA CITAÇÃO EM LEI FEDERAL SOBRE ÔNIBUS:
.O Decreto 5141 criou o Fundo especial para a “construção e conservação de estradas de rodagem federaes, constituído por um adicional aos impostos de importação para consumo a que estão sujeitos gazolina, automóveis, auto-omnibus, auto-caminhões, de ar, chassis para automóveis, pneumáticos, câmaras de at, rodas massiças, motocycletas, bycicletas, sude-car e acessórios para automóveis. 60 reis por quilograma de gazolina”
Logo quando apareceu numa lei, o ônibus já foi taxado para manter obras de responsabilidade governamental, mas seria uma contrapartida pois tais obras seriam para oferecer condições de tráfego aos veículos.

24 DE JULHO DE 1928:

O decreto 18.323 se baseia em normas internacionais para circulação de veículos no território brasileiro assim como sinalização. As forças públicas de segurança, seja da União, estados ou municípios, passaram pelo regulamento a ser as legítimas agentes fiscalizadoras de trânsito, de acordo com o domínio da estrada.
Também estabelecia que nenhum veículo poderia trafegar sem o pagamento de licença aos municípios exigindo placas. Estipulou um sistema de sanções Quem autenticasse as infrações e levasse ao conhecimento das autoridades receberia metade do valor da multa, uma espécie já de incentivo ou cota para estimular os policiais a fazerem esta função até então extra de força pública.

28 DE JANEIRO DE 1941:

Surgia o primeiro Código Nacional de Trânsito pelo Decreto Lei 2.994.

25 DE SETEMBRO DE 1941:
O Decreto-Lei 3651 revogava o Código Nacional de Trânsito atribuindo aos estados a regulamentação do trânsito, desde respeitassem leis nacionais sobre o tema;

21 DE SETEMBRO DE 1966:

Pela Lei 5108, surgiu o Código Nacional de Trânsito com 131 artigos, mas os estados poderiam adotar normas específicas de acordo com as características locais.
Foi criado nesta data também o RENAVAN – Registro Nacional de Veículos Automotores.

23 DE FEVEREIRO DE 1967:

Antes de entrar em vigor, o Código Nacional de Trânsito sofreu alterações com a extinção dos Conselhos Municipais de Trânsito, criação do Departamento de Trânsito, e o CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito passou a ter a competência de relacionar os equipamentos obrigatórios dos veículos. Devido ao alto número de contestações às multas, foi criada a entidade da JARI – Junta Administrativa de Recursos de Infração.

16 DE JANEIRO DE 1968: OUTRA LEI FEDERAL QUE FALA DE ÔNIBUS

Foi aprovado pelo Decreto 62.127 o Regulamento do Código Nacional de Trânsito, RCNT, de 264 artigos e 08 anexos. O Regulamento aumentou as atribuições do CONTRAN e conferiu à União o poder para conceder, autorizar ou permitir a exploração de serviço de transporte coletivo para as linhas interestaduais e internacionais.
Aos Estados, a incumbência de fixar os transportes coletivos dentro o território e aos municípios foram delegadas as obrigações de colocar taxímetros nos carros de aluguel. Os municípios também eram responsáveis por conceder, autorizar ou permitir a exploração do serviço de transporte coletivo para linhas municipais.

28 DE JUNHO DE 1968:

Nova redação para o Regulamento do Código Nacional de Trânsito definindo de forma mais detalhada as funções dos estados e municípios. Cabia ainda aos municípios conceder, autorizar ou permitir exploração do serviço de transporte coletivo para as linhas municipais.
Nessa nova redação, foi criada a possibilidade de os municípios criarem órgãos para gerenciarem o trânsito de acordo com a sua capacidade técnica e necessidade pela demanda. Exemplos foram a CET – Companhia de Engenharia de Tráfego – de São Paulo e a Superintendência de Engenharia de Tráfego do Município de Salvador.

21 DE MARÇO DE 1973:

Pela Portaria Ministerial nº 345 – B, foi nomeada uma comissão para rever o Código Nacional em vigor naquela época, mas a reformulação não foi profunda.

1993:

Depois de várias discussões foi apresentado Projeto de Lei para a instituição do Código de Trânsito Brasileiro. Polêmicas e contradições marcaram a elaboração do projeto de lei que tramitava entre Câmara e Senado. Algumas discussões eram técnicas, outra meramente políticas e procuravam preservar o motorista, principalmente o de classe média formador de opinião que, por mais que tivesse restrições e aumento de obrigações, não poderia ser contrariado a ponto de criar rejeição política.

23 DE SETEMBRO DE 1997:
Depois de tantos embates, finalmente a presidência da República sancionava o Código de Trânsito, após vários vetos.
Neste código, a crítica é que houve uma “municipalização” extrema do trânsito com maiores atribuições e ônus aos órgãos locais. A crítica se baseou no fato de o Governo Federal ter transferido várias funções e até se esquivando de algumas questões, principalmente de regulamentos que eram nacionais, jogando a responsabilidade para as cidades. A justificativa é que elas têm mais condições de gerenciar o trânsito, mesmo em questões nacionais, por estarem mais próximas das realidades locais, aplicando as leis gerais de trânsito respeitando as peculiaridades regionais.
Mesmo com todas as pressões da sociedade, principalmente da classe formadora de opinião que usa o carro de passeio, as multas e proibições foram ampliadas.

Um detalhado estudo, de 10 anos, chamado Caderno Complementar Mapa da Violência do Instituto Sangari identificou que nos 3 primeiros anos do Código de Trânsito Brasileiro os acidentes caíram, assim como o número de mortos.
Mas depois a fiscalização e a população relaxaram e os acidente com mortos começaram a crescer novamente depois do ano 2000.
Os acidentes envolvendo caminhões, de acordo com o estudo, triplicaram e envolvendo ciclistas quadruplicaram. O número de mortes nos carros de passeio dobrava no período.
O destaque preocupante foi em relação a mortes de pessoas que pilotam ou são passageiras de motos.
Entre 1998 e 2008, o número de mortos usando motocicleta subiu 754%.
O número, ainda segundo o levantamento, não se deu apenas por causa da explosão do mercado de motos, mas pela forma de condução, irresponsável em muitos casos, dos motociclistas.
Em 2008, foram 87,6 mortes para 100 mil motos. Esse número é 170% maior que a média entre frota e mortes envolvendo carros de passeio, que é de 32,5 mortos para 100 mil carros.
Em 1998, essa diferença entre as médias de carros e motos era menor, mas as motocicletas já lideravam. Neste ano foram registradas 67,8 mortes a cada 100 mil motos, uma proporção 75% superior em relação à média entre frota de carros de passeio e pessoas que perderam a vida em acidentes.
O fato é que o trânsito brasileiro mata mais que muitas guerras e epidemias proporcionalmente.
Como foi possível observar, obras e leis tentaram e ainda insistem ao longo do tempo darem contra da demanda de veículos que a cada dia literalmente aumenta e tentarem organizar os deslocamentos e torná-los menos inseguros.
E até mesmo para a redução dos acidentes de trânsito nas cidades, o incentivo ao transporte público é uma das alternativas. Primeiro por uma razão óbvia, o transporte público pode tirar carros das ruas e com menos veículos menores são as chances de colisões. Depois pelo fato de os operadores de transporte público, motoristas de ônibus, maquinistas e metroviários, serem mais preparados que o motorista amador. Quando o transporte público possui um espaço prioritário, como linhas férreas bem estruturadas e corredores de ônibus amplos, todo tipo BRT – Bus Rapid Transit, modernos, com ponto de ultrapassagem, acessibilidade, pagamento da passagem antes do embarque e sinalização mais eficiente, os acidentes podem ser drasticamente reduzidos.
O transporte público vem atender justamente ao alerta feito pelo vídeo do Arquivo Nacional de 1976: a máquina a serviço do homem, e não individualmente, mas da coletividade.
Adamo Bazani, repórter da CBN, jornalista especializado em transportes.

Comentários

Comentários

  1. Silvia Mariz disse:

    É interesante observar que o transporte coletivo é uma atividade tão importante no dia a dia das cidades e ainda se tem tão poucos estudos sobre isso.

  2. andresa disse:

    as leis de transitos surgiram para nao ter mais acidentes

  3. EDUARDO JOSE GOMES disse:

    A petição do senhor DUMONT,deveria ser passada a diante para todo motorista contribuinte que se sentir lesado pelo estado de conservação das vias por onde mal se consegue trafegar!

    1. Reury disse:

      bela coindicação…
      Isso sem duvida seria, um começo para uma possivel evolução, quem sabe um imenço
      abaixo assinado.. vamos amadurecer esta ideia?.

  4. kelly disse:

    muito interessante saber sobre o trânsito

    1. izadora disse:

      e muito bom sabre sobre o trânsito !!!

      1. kelly disse:

        rgvtvg

  5. JULIA JANUARIO disse:

    LOUCO LOLOUCO TODO MUNDO LOUCO

  6. Mesquini disse:

    Adamo Bazani,
    Meu nome é Mesquini, sou professor de trânsito credenciado pelo DETRA /SP, pesquisando para aprimorar um trabalho sobre as leis de trânsito que já vigoraram em nosso País até os dias de hoje para comentar em sala de aula, achei você. Parabéns pela matéria.

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