Passageiros e donos de empresas de transporte público: o SUM, uma espécie de SUS do transporte, é a resposta?

Foto reproduzida do site do IDEC - Instituto de Defesa do Consumidor

Arena ANTP vai discutir a ideia de um outro modelo, que abandonaria de vez a mobilidade como serviço e assumiria a visão da mobilidade como direito

FÁTIMA MESQUITA, ESPECIAL PARA O DIÁRIO DO TRANSPORTE

Passageiros e donos de empresas de transporte público finalmente parecem estar no mesmo ponto: à beira de um ataque de nervos. Os primeiros não aguentam mais pagar as caras passagens cobradas por um sistema que vive ciclos constantes de mais e mais aumentos. Já os concessionários  do transporte de massa sofrem com a perda constante de passageiros desde 2013 — muitos já faliram e outros tantos lutam com dificuldade para se manter vivos e operantes no asfalto. Mas talvez seja justamente este ponto máximo de corda esticada o ponto zero de uma grande mudança.

Da apoplexia à ação

É que no meio da apoplexia geral de passageiros e empresários, surgiu, então, a ideia de um outro modelo, que abandonaria de vez a mobilidade como serviço e assumiria a visão da mobilidade como direito, com a criação de uma espécie de SUS do transporte, batizado pelos adeptos da conceito de SUM – Sistema Único de Mobilidade — e que, dentre outras coisas, traria a Tarifa Zero como uma realidade para todo o país..

Uma proposta neste sentido foi elaborada em 2022 tendo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) à sua frente e culminou na formulação de uma PEC (proposta de emenda constitucional) protocolada na câmara dos deputados em maio desse ano pela Luiza Erundina do PSOL de São Paulo. A novidade, porém, parece que não comoveu muita gente lá dentro da casa e aguarda agora o despacho da presidência da câmara para poder dar novos passos.

Reviravolta

Apesar da paradeira lá em Brasília, Daniel Santini, jornalista e mestrando em planejamento urbano e regional pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, enxerga uma luz bem clara no final do túnel. Para ele, “A conjuntura nacional está tão confusa e a situação do transporte é tão crítica que eu não descartaria que, em uma reviravolta, a proposta de criação do SUM avançasse. Talvez não a que defendemos, com Tarifa Zero universal, mas alguma alternativa mais conservadora”.

Autor do livro Passe Livre: as possibilidades da Tarifa Zero contra a distopia da uberização e co-organizador do livro Mobilidade Antirracista, Santini assegura que não é exagero dizer que o sistema está em colapso e acha que a hora de inovar e promover uma poderosa onda de inclusão é agora. E se o assunto cai na questão do cofre dos governos, ele dispara: “O custo dividido entre toda a sociedade de manutenção e expansão da malha viária, hoje destinada prioritariamente para veículos motorizados privados, é indecente”.

A multiplicação do zero

Daniel Santini lembra que a roda já gira de outra maneira em algumas partes do mundo, com várias cidades adotando a Tarifa Zero universal em países como Luxemburgo, Estônia, Polônia, França, Canadá e Estados Unidos. E se a onda de iniciativas semelhantes parece tímida hoje num Brasil com 5.568 cidades, é preciso olhar para o ritmo de crescimento dos municípios aderentes à novidade porque, em apenas quatro meses ele saltou de 67 para 83 cidades – um impressionante aumento de praticamente 25%.

O especialista Daniel Santini é categórico em afirmar que esse é um caminho sem volta que passa pelo esforço coletivo de muitos movimentos e organizações, mas que também “Fica a cada dia mais evidente para qualquer um que colocar a cara na janela e olhar para a rua ou avenida congestionada em frente. Não importa a hora ou o dia, se você vive em um grande centro urbano, é bem considerável a chance de se deparar com carros parados, pessoas frustradas e poluição, tudo intercalado com motoqueiros correndo apressados para entregar mercadorias ou alimentos. É uma lógica que não se sustenta, ninguém está feliz. É hora de mudar”.

Lisboa, Brasília, Luanda e além

O maior congresso de mobilidade do Brasil, a Arena ANTP,  vai tomar conta do Transamérica Expo Center na capital paulista agora nos dias 24, 25 e 26 de outubro. E traz algumas oportunidades importantes para quem quiser aprender, entender melhor ou ajudar a mudar os rumos da mobilidade coletiva no país e discutir as questões tarifárias e o direito ao transporte.

Na quinta-feira, dia 26 de outubro, às 11 horas, a conversa será sobre Política tarifária: caso do sistema de transporte metropolitano de Lisboa, com moderação de Roberta Soares, jornalista do Jornal do Commercio do Recife, e a presença de  Sonia Alegre, administradora da Transportes Metropolitanos de Lisboa; Flávio Murilo Prates, Secretário de Mobilidade de Brasília e ainda Mário N’singi Pedro,  presidente da Empresa Nacional de Bilhética Integrada de Angola.

E mais tarde no mesmo dia, às 15 horas, acontecerá o painel O Sistema Único de Mobilidade – SUM para a conquista do transporte público como direito social. O encontro terá a moderação de Wesley Nogueira do Instituto Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte e a participação de  Manuel Camilo, chefe de gabinete da Secretaria Municipal de Transportes do RJ, Moema Gramacho, diretora de mobilidade urbana na Associação Brasileira de Municípios e ainda dos especialistas Renato Boareto e Daniel Santini – Fundação Rosa Luxemburgo.

Para conferir a programação completa da Arena ANTP e garantir o seu ingresso gratuito, basta acessar o site www.arenaantp.com.br

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Comentários

Comentários

  1. laurindo junqueira disse:

    Fátima, boa noite! Muito interessante a tua forma de resumir e de chamar à atenção a leitura das teses defendidas pelos nossos companheiros de lida na circulação urbana. Mas fique atenta para um detalhe – q, na verdade, não é um mero detalhe! -: a circulação urbana depende de duas componentes essenciais, a mobilidade e a acessibilidade. Não me refiro somente à busca de facilidades físicas maiores no acesso de cidadãos PCD aos edifícios, veículos etc. Refiro-me à Acessibilidade com “A” maiúsculo, atinente à facilidade de acesso a tudo o que está disponível aos cidadãos numa urbe, mas q não pode ser acessado pelas mais diversas razões (econômicas, políticas, de gênero, de classe social). Qualquer modelo de circulação urbana (isto é, não só de transporte, mas de trânsito e de uso e ocupação do território urbano) que não se paute por essa visão múltipla, estará destinado ao mesmo fracasso em que nós todos temos incorrido ao largo de nossa história recente. Abçs.

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