ESPECIAL: Setra, o berço do monobloco

Maquete original da estrutura do primeiro monobloco do atual conceito, que surgiu em 1951.

Diário do Transporte esteve na fábrica da empresa na Alemanha que criou o conceito de ônibus autoportante, muito usado na Europa

ADAMO BAZANI

Quem andou de ônibus no Brasil entre o final dos anos 1950 e até há duas décadas, certamente se lembra de modelos da Mercedes-Benz chamados monoblocos. O primeiro produzido nacionalmente, na planta de São Bernardo do Campo surgiu em 1958, e tinha a denominação O-321. O último modelo da série de monoblocos no País foi produzido até 1996, foi o O-400, com diferentes tamanhos e configurações.

Para os padrões de suas épocas, os monoblocos eram mais silenciosos e confortáveis que os demais ônibus, mas no Brasil, o mercado de transporte decidiu ficar com apenas o modelo de encarroçamento de chassis.

O atual sistema de produção de ônibus autoportantes, chamados de monoblocos, surgiu em 1951, com a Setra. Aliás, a marca Setra consiste nas iniciais, em alemão, justamente deste conceito: Selbsttragend (auto-suportado ou autoportante).

Na última semana, em 26 de setembro de 2018, a reportagem do Diário do Transporte esteve, a convite da Mercedes-Benz na planta da empresa, em Neu Ulm, cidade da Baviera, colada ao Rio Danúbio.

A marca Setra integra desde 1994, a sociedade limitada EvoBus GmbH, que pertence ao Grupo Daimler, que entre outras empresas, detém a Mercedes-Benz.

A planta existe no local desde 1992. Antes, ficava na cidade vizinha, Ulm, que, apesar da proximidade, sendo separada de Neu Ulm apenas pelo Rio Danúbio, fica em outro estado,  Baden-Württemberg.

O conceito atual de monobloco surgiu com a Setra, em 1951, (antes já tinham sido registrados outros modelos integrais pelo mundo, mas com outras formas de produção), entretanto, a história começa bem antes, em 1883, quando Karl Heinrich Kässbohrer começou a estudar a criação de veículos de maior capacidade de transporte de pessoas, em Viena.

Karl Heinrich Kässbohrer, o criador da empresa que deu origem à Setra

Em 1904, foi feito o primeiro chassi pela companhia e, com o primeiro monobloco em 1951, o nome de empresa mudou para Kässbohrer Setra.

Surgia, em 1951, o primeiro monobloco que criou um novo conceito autoportante para ônibus, com veículos mais leves e resistentes.

Maquetes de modelos históricos da Setra, em planta de Neu Ulm.

O NASCER DE UM MONOBLOCO:

Como o nome diz, monobloco consiste em um bloco só, assim, o ônibus é integral, com chassi carroceria, motor e componentes formado uma unidade.

A reportagem do Diário do Transporte acompanhou de perto a produção dos monoblocos da Setra.

Muito comum entre os ônibus da marca, a empresa fabrica espécies de bagageiros extras acoplados na traseira. Inicialmente, objetivo do compartimento era levar esquis em excursões para os Alpes, mas o equipamento hoje é usado para aumentar a capacidade para bagagens comuns.

Tanto os ônibus mais simples, classificados de MultiClass, como os intermediários da série ComfortClass, assim como os mais luxuosos, do padrão TopClass, passam pela mesma linha de produção, que é formada por nove linhas paralelas para aproveitamento de espaço da planta.

Se a linha geral não fosse desmembrada em linhas paralelas, para a produção dos ônibus seria necessário em uma reta, um espaço de 1,6 km de extensão.

Um dos aspectos interessantes é que não há na linha de montagem grandes quantidades de peças, sem prateleiras altas ou carrinhos cheios de equipamentos que vão ser empregados nos veículos. Os intuitos, segundo um dos diretores da Setra, Jochen Duppui, são racionalizar o processo de produção e criar transparência na área fabril da planta, com a possibilidade de os operários de uma etapa da fabricação verem os colegas das demais etapas.

Para que isso possa acontecer, a Setra aplica um rigoroso sistema de gestão de materiais, com estoque suficiente para atender apenas à demanda projetada de veículos, sem excesso de peças e com fornecimento just in time.

Cada área de produção possui um líder, que controla seu departamento por meio de programas de computadores que permitem um acompanhamento digitalizado dos processos. Este líder está fisicamente bem próximo dos demais operários, em salas dotadas de computadores, para dar apoio e orientações em caso de dúvidas ou algum eventual problema.

Dentro deste conceito de estoque racionalizado de peças, a produção começa na verdade na programação do fornecimento dos materiais necessários para construção do ônibus a partir do pedido feito pelas empresas de transportes.

Uma vez definidos os materiais e as quantidades necessárias, as nove linhas paralelas que foram a linha geral de produção começam a atuar.

Primeiro são separados os cabos e chicotes para a parte elétrica. Em seguida, a base estrutural do ônibus começa a ser produzida.

É sobre esta base que passam as ser instalados os itens mecânicos, hidráulicos, eixos, transmissão e motor. A carroceria vai se formando nas etapas seguintes também nesta plataforma, que corresponde ao chassi.

Instalação dos painéis em uma das fases de produção

Trabalhador monta conjunto ótico dianteiro para instalação na carroceria

 

Equipes instalam motor no conjunto chassi-carroceria

Nas últimas etapas da produção, vidros são colados. Mas o para-brisa só é aplicado depois da colocação dos bancos

Umas das últimas etapas de produção é a colocação dos bancos pelo para-brisaCavaletes móveis automáticos transportam os ônibus até os veículos receberem os eixos e rodas, quando seguem já rodando normalmente para as últimas etapas de produção, como a colocação dos vidros, menos os para-brisas.

Isso porque, é pelo vão onde fica o para-brisa que são colocados os assentos, numa das etapas mais difíceis da produção, já que esta colocação é feita quase toda manualmente. Apenas um elevador com esteira leva os bancos para dentro do ônibus, até a metade da extensão do veículo. A partir deste momento, toda a colocação dos bancos é manual.

Antes de serem liberados para a empresa de ônibus, veículos são inspecionados e passam pelos ajustes finais

Ônibus da série MultiClass de três eixos para transporte intermunicipal

Ônibus ComfortClass, com o conceito conhecido no Brasil como HD, pelo qual os passageiros viajam numa posição superior a do motorista.

Ônibus TopClass de dois andares, o mais moderno da marca Setra

ASSENTOS PRÓPRIOS:

Bancos em linha de produção da Setra

A Setra produz os próprios assentos, tanto para motorista, auxiliar e passageiros, usados por toda a linha de ônibus da Daimler.

Existe uma área apenas para a fabricação dos assentos que atua enquanto o ônibus está sendo montado e fornece para as outras plantas da EvoBus, com exceção da unidade da Turquia, onde a produção é completa.

Setra produz os próprios assentos, que podem ser personalizados, e variam de acordo com os modelos.01

A Setra optou por produzir os próprios assentos para ter maior controle de qualidade, identidade própria, já que os bancos não são usados em veículos de outros grupos de fabricantes, e também para racionalizar a logística.

Se não fosse a produção própria, seriam necessários de 10 a 15 caminhões todos os dias chegando com os assentos para os ônibus.

A unidade produz anualmente, 250 mil bancos.

Após definido o modelo dos bancos, a produção começa na impressão da arte sobre o tecido e o corte.

Fotos da arte chegam a todas as etapas de produção para orientar os trabalhadores.

Paralelamente, a parte de plástico e a estrutura do banco são produzidas.

Assim, a linha de produção é dividida em duas.

Tecido e estrutura se encontram para a costura, que é manual . São 16 funcionárias que trabalham nesta etapa.

A partir deste ponto, os assentos seguem para as etapas finais, de ajustes, apertos e acabamento.

Os bancos podem ser personalizados de acordo com os pedidos de cada companhia de transporte.

No interior de um mesmo ônibus, há diversas características próprias, que diferenciam, por exemplo, a região perto das portas, as saídas de emergência, a área para pessoas com deficiência e o final do corredor dos passageiros, na parte traseira.

A Setra diz que por causa disso produz assentos com pequenas diferenças entre uns e outros para atender às características variadas da área interna de cada veículo.

PINTURA:

Câmara de pintura. Nível de automação é grande

Para os detalhes, o trabalho é manual

A Setra possui na planta de Neu Ulm uma área especial de pintura, que fica conjugada à área de produção, mas não divide o mesmo espaço.

São pintadas entre 6 mil e 7 mil carrocerias por ano, não apenas para os veículos que saem montados da unidade, mas para as carrocerias que vão para outras plantas da EvoBus.

Na sessão de pintura também é realizado o processo de adesivagem dos ônibus, se for a opção do cliente.

O design tanto da pintura como dos adesivos é desenvolvido de forma personalizada para cada comprador dos ônibus pela equipe própria da Setra. Os profissionais são chamados pela fabricante, de artistas e não simplesmente de designers ou pintores, já que algumas pinturas se assemelham a obras de arte.

Em 24 horas um ônibus pode sair com a arte completa.

Setor também trabalha com adesivos, que podem ficar prontos em 24 horas

A Setra arquiva em computadores o material para quando o cliente comprar novos ônibus ou precisar de alguma manutenção, já ter a arte disponível.

O nível de personalização exigido pelas empresas de ônibus é alto, não apenas por cada um ter sua pintura, mas pelos métodos diferentes que escolhem. Por exemplo, há companhias que preferem todo ônibus adesivado, existem aquelas que optam por todo ônibus pintados, algumas empresas mesclam adesivos e pintura.

Dependendo do nível de detalhamento, uma pintura pode custar mais de 10% do valor do ônibus.

SETRA EM NÚMEROS:

Planta de Neu Uln também fornece estruturas para outras unidades da EvoBus

Os números da Setra mostram que a empresa, integrante da EvoBus, que pertence ao Grupo Daimler, é uma das principais fabricantes de ônibus integrais as Europa.

A EvoBus possui unidades fabris na Espanha, França, Turquia, República Tcheca e, na Alemanha, em Neu Ulm e Mannheim. Há subsidiárias representantes em várias partes da Europa .

Entre o final de 2018 e o ano de 2019, deve haver uma reestruturação das unidades, considerada a maior em toda a história do grupo. Por exemplo, a fabricação de urbanos da República Tcheca será integralmente repassada para a unidade de Mannheim. Já a unidade de Neu Ulm vai assumir a linha de rodoviários.

A unidade de Neu Ulm, que foi visitada pelo Diário do Transporte, tem uma planta denominada 5.1., mais moderna, onde existe a área de desenvolvimento, pesquisa de novos modelos e criação de tecnologias. Até mesmo soluções em tecnologia de condução autônoma já são estudadas neste departamento.

A planta total em Neu Ulm possui 600 mil metros quadrados, composta por nove blocos, e conta também com um centro de peças e distribuição e uma área de atendimento ao cliente.

São aproximadamente 3,9 mil funcionários, dos quais, 2,3 mil apenas na área de produção.

Um ônibus fica integralmente pronto em 15 dias.

A reportagem questionou se o tempo não seria alto demais, diante do que se conhece no Brasil, onde em questão de horas fica pronto um chassi e uma carroceria.

Mas o diretor da Setra, Jochen Duppui, disse que a diferença está no fato de no Brasil, as fábricas serem montadoras de ônibus, realizando a integração de peças e componentes fabricados por terceiros, e, na unidade da Setra, os ônibus são fabricados desde o início, contando com as peças e equipamentos. Entretanto, alguns componentes são feitos externamente, como eixos e transmissões que podem ser ZF ou Mercedes-Benz.

Assim, é a própria Setra que fabrica grande parte das quase 30 mil peças que um ônibus recebe.

Além disso, a unidade trabalha em um único turno diário.

Também é em Neu Uln que são pintadas as carrocerias que vão para outras unidades do grupo

Os ônibus da Setra, voltados exclusivamente para os mercados de linhas intermunicipais e rodoviários de alto-padrão se destacam pelo nível de acabamento.

O design segue o padrão europeu, com ônibus mais quadrados, com menos ângulos nas carrocerias que os brasileiros, por exemplo.

Segundo Jochen Duppui, além de ser uma tradição na Europa, o objetivo é oferecer aerodinâmica aproveitando o máximo possível de área útil das dimensões autorizadas por lei.

Se um ônibus possui 14 metros de comprimento, por exemplo, são os 14 metros que devem ser aproveitados, de acordo com a visão da indústria europeia.

Além disso, garante, a visibilidade para o motorista e passageiros fica melhor nos modelos de linhas mais retas.

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes

O repórter Adamo Bazani viajou a convite da Mercedes-Benz

Comentários

Comentários

  1. edgardo disse:

    Excelente reportagem!!!!

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