OPINIÃO: Brasil não é a China, nem passa perto

OLIMPIO ALVARES

Brasil não é a China, nem passa perto

Toda atenção às condicionantes dessa manchete da Bloomberg, no artigo do endereço abaixo: “Electric Buses Will Take Over Half the World Fleet by 2025” (“Ônibus Elétricos Vão Dominar Metade da Frota Mundial por Volta de 2025”)

https://www.bloomberg.com/…/electric-buses-will-take-over-h…

A vasta maioria dos ônibus elétricos a bateria estará rodando nas cidades chinesas, sugerem observadores luminares da energia automotiva e economistas especializados. A China tem uma particular e desafiadora tarefa de controle imediato da escandalosa poluição do ar urbana, que atinge níveis de alto poder mórbido e letal; é uma ditadura e tem o poder centralizado das decisões sobre novas políticas públicas; é um país rico e próspero e tem alto subsídio governamental para o alto custo inicial atual de capital desses veículos; e tem apoio técnico-logístico doméstico farto, de alta qualidade e agilidade, do maior fabricante mundial de ônibus a bateria: a gigante chinesa Build Your Dreams – BYD.

A necessária comprovação prévia consolidada (sempre localmente: em cada cidade) da capacidade e qualidade operacional desse material rodante; a futura quebra gradual de paradigmas culturais entre operadores e técnicos nas garagens brasileiras; os preços de baterias caindo fortemente nos próximos anos; os ainda não definidos financiamento, aquisição e disponibilização física de estrutura de geração de energia e carregamento noturno simultâneo de dezenas/centenas de veículos nas garagens; a essencial adequação da regulação fiscal e do sistema de geração e distribuição de energia, em todos os níveis de governo; a normatização dos novos componentes e parâmetros técnicos, em toda cadeia produtiva do veículo e da energia; e os supostos menores custos de manutenção e energia (esses sim, parecem já ser uma realidade, constatam relatórios de especialistas) ….. podem, de fato, mover livres decisões individuais de compra de ônibus urbanos, em oito anos, para os elétricos a bateria – espontaneamente – jamais de modo compulsório, explícito ou disfarçado por mecanismo regulamentar indutor ….. quem sabe isso se dê também no Brasil, pouco depois desse período (referido no artigo aos países desenvolvidos)?

Entretanto, isso também depende do que ocorrerá nos próximos anos no Brasil (centro mundial da biodiversidade energética e berço do Programa RenovaBio) com o semelhante processo que caminha hoje em paralelo, de consolidação técnica, operacional e mercadológica local de outras possíveis alternativas tecnológicas e energéticas limpas para os ônibus urbanos (inclusive no caso da redução total das emissões de CO2 fóssil no uso final – queima).

As alternativas hoje: motor do Ciclo Otto dedicado a gás, movido a biometano renovável (extraído do biogás de esgoto, aterros sanitários e resíduos orgânicos de toda sorte); motores híbridos (motor a combustão especial, combinado com um motor elétrico e bateria movido a etanol ou biodiesel puros, renováveis); biocombustíveis sintéticos renováveis, tipo diesel de cana ou H-BIO ou o diesel sintético hidrogenado HVO, que uma grande montadora sugere implementar no Brasil – todos eles em franco desenvolvimento dentro e fora do País; ou mesmo os motores diesel convencionais a serem regulamentados, desenvolvidos e certificados pelas autoridades ambientais competentes, especialmente para queimar biodiesel puro – o que hoje, no Brasil, está técnica e definitivamente restrito à mistura de teor máximo de 20% de biodiesel – 80% de diesel fóssil (B20).

Os motores pesados a células de combustível (hidrogênio) também seriam uma eventual possibilidade de alternativa aos elétricos a bateria, mas, estima-se que sua viabilização técnica, operacional e comercial ainda possa demorar um pouco mais.

O momento, hoje – aqui em São Paulo e no Brasil – para gestores de transporte e operadores, é ainda exclusivamente propício para uma cautelosa realização de desenvolvimento local, discussão de incentivos, linhas de financiamento, realização de testes para consolidação dos parâmatros da operação, e para as necessárias operações-piloto mais prolongadas em testes reais com passageiros. Entretanto, há iniciativas precipitadas em curso, que parecem ir além do recomendado pelo Princípio da Sustentabilidade no desenvolvimento ambiental das frotas de ônibus urbanos.

Por esses motivos, somente uma única outra “aposta cega” – dadas essas incertezas sub-equatoriais ainda remanescentes – deve ser colocada na mesa neste momento …. só mesmo a “aposta cega” (mas extremamente segura) da diversificação energética, pode oferecer:

– racionalidade objetiva;

– responsabilidade na aplicação de recursos públicos escassos;

– uma cautelosa escolha da composição da matriz tecnológica do transporte coletivo, construída natural e paulatinamente pelo consenso entre operadores e gestores públicos, a cada evento individual de susbtituição de frota – o cenário conjuntural competitivo das diferentes tecnologias/energias é essencialmente dinâmico, vem e continua mudando com o passar do tempo, tornando impossível tomar decisões seguras, imaginando um cenário conjuntural tecnológico e comercial futuro (para dali a 3, 5, 7, 10 anos) com a agressiva gangorra de competitividade existente entre as alternativas;

– a imprescindível segurança energética e operacional;

– aprendizado gradual, seguro, com um consequente amadurecimento dos setores de operação e manutenção de garagens;

– o timing necessário para desenvolvimento de novos fornecedores de peças de reposição para as alternativas inéditas;

– a saudável competição democrática e aberta entre as alternativas tecnológicas disponíveis no mercado;

– possiblidade de minimização, com a concorrência, de custos (sociais) do transporte coletivo, sem riscos de formação de monopólios empresariais indesejáveis;

– incentivo concreto ao desenvolvimento de outros nichos tecnológicos extremamente interessantes para o País no campo industrial, da bioenergia e da agricultura, com potencial exportador quase ilimitado, dada a demanda mundial crescente de alternativas limpas e renováveis aos motores convencionais diesel pesados, etc…

Nesse contexto, uma eventual massificação exclusiva no Brasil, no estilo chinês, das aquisições de ônibus elétricos a bateria, só pode existir se for o produto final de uma prévia, consequente e segura competição aberta, e da evolução gradual local consolidada dessa nova promissora tecnologia disruptiva, em todas as suas interfaces – o que poderá ocorrer durante os próximos anos num cenário regulatório transparente, não-indutor de exclusividade, mais democrático e aberto a todas as possibilidades tecnológicas e comerciais.

A conferir, se isso está sendo, de fato, praticado nas iniciativas em curso.

Olimpio Alvares é engenheiro mecânico pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1981, Diretor da L’Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica, emissões veiculares e poluição do ar; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo, o Programa de Inspeção Veicular e o Programa Nacional de Controle de Ruído de Veículos; fundador e Secretário Executivo da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP; Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT; é assistente técnico do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental – PROAM; consultor do Banco Mundial, do Banco de Desenvolvimento da América Latina – CAF e do Sindicato dos Transportadores de Passageiros do Estado de São Paulo – SPUrbanuss; é membro titular do Comitê de Mudança do Clima da Prefeitura de São Paulo e coordenador de sua Comissão de Transportes e Energias Renováveis; membro do grupo de trabalho interinstitucional de qualidade do ar da Quarta Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR) do Ministério Público Federal; colaborador do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, Instituto Saúde e Sustentabilidade, Instituto Mobilize, Clean Air Institute, World Resources Institute – WRI-Cidades, Climate and Clean Air Coalition – CCAC e do International Council on Clean Transportation – ICCT; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb, onde atuou por 26 anos; membro da coordenação da Semana da Virada da Mobilidade.

Comentários

Comentários

  1. edgardo disse:

    Deve ser bom saber quantas ações tem Bloomberg na BYD…. E sorte que estamos longe da China, eles vão pagar o alto custo de frotas totalmente elétricas, mais degradantes ao meio ambiente que motores a bio combustíveis!! Em fim…todas as soluções chinesas são como sua muralha… Inúteis!!

  2. Raphael disse:

    Eu vou descordar do Edgardo, o alto preço vai ser o que os país vão pagar por não tomarem providencias para reduzir a poluição do ar, que é uma forte ameaça ao futuro e que seus danos podem ser irreversíveis. O “Xis” da questão aqui no Brasil, é que o custo disso é muito caro, pois a carga tributária somada a manutenção cara aqui torna o negócio inviável. O custo do veículo pode não ser tão oneroso se subsidiado pelo poder público, mas que adianta de depois cada peça de reposição tem preços esmagadores? E o “Ípsilon” da questão são os investimentos na infra estrutura das empresas para se adequar a essa tecnologia, isso sem falar dos dominadores de mercado em motores a Diesel podem agir negativamente ao mercado onde são influenciadores nesse campo. Temos muitas empresas aqui no Brasil que tem soluções de energia limpa, mas infelizmente recebem pouco incentivo e atenção dos governantes, a Eletra por exemplo, tem competência para trazer veículos 100% elétricos e modernos com tecnologia nacional. Além de dos trólebus que rodam na Metra, empresa do mesmo grupo, em que fez todo o equipamento elétrico, tem protótipos como trólebus hibrido e o Dual Bus (pode rodar só com baterias, como híbrido – motor gerador – e com captação de energia por alavancas, ou seja, um trólebus convencional) isso mostra a competência da empresa em desenvolver produtos para esse nicho. Temos a BYD no Brasil, que até agora suas iniciativas não passam dos testes que são feitos nas cidades brasileiras. Muitos de nós já pagamos caro por um transporte de má qualidade. Quando tenta em adequar a frota para combustíveis como Gás Natural, Biodiesel e outros combustíveis menos agressivos, os empresários são os primeiros a reclamar. Se houver uma licitação em uma cidade determinando que os veículos sejam todos em GNV, pode ter certeza que não vai decolar, que não terá interessados em participar, que pode ser barrada na justiça por aquele que são contra ao edital e entre outras possibilidades de barrar qualquer tentativa nesse sentido. Então não é apenas a questão de custo, ou de mercado estar preparado para atender esse nicho ou de qualificação profissional, parece que também há a questão cultural, porque para o empresário esses tipos de veículo são difíceis de trabalhar, mas nunca se quer possuiu um veículo desses em sua frota, para avaliar o rendimento e seu custo. Quando pega um veículo desses para testes, passa com ele algumas semanas e depois devolve ao proprietário, sai falando que é ruim, não funciona e é caro de se manter. É confuso mas essa mistura de palavras é um complexo resumo do porque é tão difícil para o Brasil fazer com que sua frota de transporte coletivo seja majoritariamente de energia limpa em um futuro próximo, mesmo detendo a tecnologia necessária para isso.

    1. Paulo Gil disse:

      Raphael, bom dia.

      Interessante seu comentário e duas questões me chamaram a atenção.

      – Se a Eletra tem competência para produzir buzão verde, porque a Metra que é do mesmo grupo, só não opera com buzão verde ???

      * Esta resposta será muiiiiiiiiiito interessante; mas ninguém irá responder.

      – Quanto aos testes de algumas semanas com o buzão verde, outro dia fiz um comentário onde abordei exatamente a sazonalidade dos teste com o buzão verde; e nesta questão sugeri que o puuuuuuuuuuuuuder tem de ser mais ativo e bancar os testes permanentes com o buzão verde, envolvendo universidades, institutos de pesquisa e empresas.

      * Aqui o causador do relaxo é aquele bichinho chamado “política”.

      Sei que esta questão é complexa, mas que tem muiiiiiiiiiiiiita coisa debaixo do tapetão tem.

      Não há explicações claras sobre o buzão verde, sempre ficamos no “Efeito Tostines”.

      Gostei da sua ideia de uma licitação somente com buzão verde, este seria uma ruptura interessante para chacoalhar a goiabeira.

      Talvez uma licitação que obrigasse que num raio de 10 Km a partir da Praça da Sé só seria admitido buzão verde, não importando a fonte energética.

      Mas os Jurássicos não tem cabeça para inovar, só para BURROCRATIZAR, afinal 39000 páginas…

      Legal a questão, espero que outras pessoas debatam, reflitam exponham a suas ideia, pois quem sabe assim sairemos desta inércia.

      A Itaipu tem experiências nesta área, seria legal se eles se manifestassem aqui no Diário.

      O buzão, o caminhão de lixo e os VUC´s verdes precisam ser mais debatidos pela sociedade afim de oxigenar a questão para o bem comum.

      Lembrando que no Barsil, o buzão verde é estudado desde o final da década de 70 e lá fora roda buzão verde.

      Aonde está o bechano ???

      Miau.

      Com a palavra os cientistas brasileiros, os engenheiros e técnicos do buzão verde.

      Precisamos da contribuição de vocês, porque o financeiro do buzão a Diesel é forte.

      Abçs,

      Paulo Gil

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