OPINIÃO: Mobilidade Urbana e Meio-Ambiente, motivações extras para a expansão do teletrabalho nas grandes cidades brasileiras

Trânsito em regiões de centros empresariais poderia melhorar

OLIMPIO ALVARES

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC) foi lançada na Cúpula da Terra do Rio de Janeiro em 1992 e ratificada por 196 Estados, que constituem as “Partes”. A 21ª Conferência das Partes da UNFCCC (COP-21) e a 11ª Reunião das Partes no Protocolo de Quioto (MOP-11), ocorreram entre 30 de novembro e 11 de dezembro de 2015 em Paris. Nessa Conferência, chegou-se ao mais robusto acordo climático da história, ratificado em 22 de abril de 2016 na Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, por mais de cento e trinta países. Finalmente, o acordo contou com o engajamento da China e dos Estados Unidos (embora este tenha abandonado recentemente o acordo), que já vinham anunciando ambiciosas ações nacionais em prol da redução das emissões de carbono de origem fóssil. O objetivo comum é manter o aquecimento global abaixo dos 2°C, cabendo aos países industrializados a maior parte da responsabilidade das ações de controle das emissões de origem antropogênica.

 

De modo semelhante à China, a partir da Conferência de Paris, o Brasil demonstrou uma atitude de concreto protagonismo no contexto do combate às mudanças climáticas; com isso, parece que o Brasil não irá apenas permanecer como de costume no plano das boas intenções e partirá para a ação.

 

O governo federal encaminhou à UNFCCC em setembro de 2015 sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), com as ações para atingimento das metas de mitigação das emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases do efeito estufa (GEE). O compromisso oficial pretendido é reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025; em seguida, reduzir as emissões em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, essa contribuição é consistente com níveis de emissão de 1,3 GtCO2e (giga-tonelada equivalente de CO2) em 2025 e 1,2 GtCO2e em 2030, correspondendo, respectivamente, às reduções de 37% e 43%, com base no nível de emissões em 2005 de 2,1 GtCO2e. Isso corresponde à queda em 2025 de 66% na intensidade de emissões do País (emissões por unidade de PIB) em relação a 2005 e em 75% em 2030.

 

O governo estima que as emissões per capita brasileiras já eram da ordem de 6,5 tCO2e em 2012 –  similares às metas de emissões que alguns países desenvolvidos consideram ambiciosas para 2030. A contribuição do Brasil, no âmbito de um ambicioso plano de desenvolvimento sustentável, segundo as diretrizes oficiais atuais, deverá alcançar níveis ainda mais ambiciosos: 6,2 tCO2e em 2025 e 5,4 tCO2e em 2030.

 

No setor de transportes, são previstas, entre outras ações relacionadas à substituição de combustíveis fósseis por energia renovável limpa, estratégias para incremento da eficiência energética, como, por exemplo, as medidas de desmotorização e redução da demanda de deslocamentos motorizados desnecessários, bem como de melhorias na infraestrutura de transportes e no transporte público em áreas urbanas.

 

O chamado “Transporte Sustentável” foi colocado em destaque na COP-21. As medidas foram discutidas em um dos muitos eventos do encontro. A anfitriã, Paris, apresentou sua meta de substituição de 80% da frota de 4,5 mil ônibus (a diesel) até 2025, por unidades elétricas – a uma taxa de substituição de 500 ônibus por ano. Os 20% restantes circularão com biometano, oriundo do processo de purificação do biogás, econômico e abundante em aterros sanitários e numa gama de processos agropecuários e industriais. Outro projeto apresentado em Paris, o MobiliseYourCity (http://mobiliseyourcity.net), pode gerar expectativa positiva entre técnicos de transporte, urbanismo, meio ambiente e gestores de cidades brasileiras.

 

O momento para o Brasil é de boas oportunidades: pela Lei Federal 12.587/2012 da Política Nacional de Mobilidade Urbana, municípios com mais de 20 mil habitantes são obrigados a elaborar planos de mobilidade urbana. O MobiliseYourCity pretende desenvolver planos de mobilidade urbana sustentável em 100 cidades e 20 países em desenvolvimento até 2020, com forte viés na desmotorização e na gestão de demanda de viagens urbanas desnecessárias – os programas de GDM (gestão de demanda de mobilidade corporativa). Esses programas incluem, entre as principais componentes, o trabalho a distância, também conhecido por teletrabalho, trabalho remoto e home-office.

 

Segundo o World Resources Institute (WRI) em seu recente estudo “Opções de Políticas Para Reduzir Emissões Relacionadas ao Uso de Energia”, o transporte é o setor que mais contribui para as emissões de GEE resultantes do uso de energia no Brasil, representando um abrangente campo para formulação de estratégias de cunho ambiental-climático. Pode-se alcançar uma ambiciosa descarbonização nesse setor por meio do uso de transporte coletivo e meios não motorizados. O WRI enfatiza, que um conjunto de marcos regulatórios bem desenhados e incentivos apropriados encorajarão as ações nessa área.

 

Em outra publicação do Embarq-Brasil, os deslocamentos ao trabalho são responsáveis por aproximadamente metade das viagens realizadas diariamente nas cidades brasileiras e por uma perda de tempo entre 10 e 15 dias inteiros por ano, por pessoa. Nesse contexto, e com essa evidência estatística extrema, a mobilidade corporativa e o teletrabalho vem se consolidando como uma potencial alternativa de desmotorização, além de demonstrar reiteradamente uma série virtuosa de outros relevantes cobenefícios para empresas, empregados e o meio ambiente. A oportunidade é grande: 80% dos paulistanos afirmam estar dispostos a deixar de utilizar o carro, caso existam opções razoáveis de transporte – ou “não-transporte” (teletransporte ou teletrabalho). Em outras grandes cidades congestionadas do Brasil e do mundo essa proporção não deve ser muito diversa.

 

Atualmente, inexistem as supostas barreiras culturais, tecnológicas, de segurança e, especialmente, de ordem jurídico-trabalhista, que poderiam causar eventuais restrições à adoção do trabalho a distância e outras práticas de mudanças nos hábitos de deslocamento corporativo. E com a recente explosão das acessíveis tecnologias de informação e comunicação (TICs), plenamente consolidadas na sociedade brasileira, estamos diante de uma desafiadora perspectiva de potencializar a penetração dessas medidas alternativas ao deslocamento motorizado no meio corporativo brasileiro – e para tal, requer-se o auxílio de gestores com mentalidade avançada e bem informados; este é o nosso maior desafio.

 

Parece que já há um entendimento disseminado no Brasil, entre as grandes empresas e os administradores mais jovens, que o teletrabalho constitui uma das formas possíveis de evitar os danosos deslocamentos urbanos motorizados desnecessários, implicando, sem quaisquer riscos gerenciais – devido à sua inerente flexibilidade e reversibilidade – múltiplos benefícios econômicos e sociais às instituições e aos seus colaboradores, além de reduzir a pressão do tráfego motorizado sobre o meio ambiente e a saúde pública.

 

Assim, o trabalho a distância permite a convergência com a premente necessidade atual de desmotorizar a mobilidade urbana nas dezenas de grandes cidades brasileiras hiper-congestinadas, por meio do fomento ao “Desenvolvimento Urbano Sustentável”, favorecendo as gerações atuais e futuras, por meio da melhoria da qualidade de vida e da redução dos impactos sociais, econômicos e ambientais do tráfego motorizado.

 

De fato, são muitos os benefícios do teletrabalho, todos eles facilmente quantificáveis, no tocante à mobilidade urbana: redução do consumo e dos custos individuais e coletivos com combustíveis fósseis e renováveis; redução das emissões de poluentes globais (GEEs) e de poluentes locais (tóxicos), causadores de stress, incômodos, doenças cardiovasculares, respiratórias e mentais, mortes prematuras e do aquecimento do planeta; redução da poluição sonora urbana – difusa e localizada; redução dos acidentes de trânsito e suas consequências sócio-econômicas; redução da super-lotação do sistema de transporte público; redução dos congestionamentos – e da perda de tempo de cidadãos nos congestionamentos; aumento da velocidade média do tráfego motorizado remanescente, com redução proporcional dos fatores de emissão de poluentes e de consumo de combustível; melhoria da fluidez do tráfego, abrindo espaço físico mais amigável nas vias públicas para aumento da penetração das alternativas ao transporte individual e coletivo motorizado; redução do absenteísmo nas corporações e instituições; e maior inclusão de profissionais de excelência portadores de deficiências e necessidades especiais.

 

O gerenciamento e controle da não-controlada demanda de deslocamentos motorizados urbanos individuais e coletivos desnecessários é, portanto, um dos mais relevantes componentes de mitigação da poluição ambiental local e dos GEE e já está incorporado em destaque nas estratégias oficiais federais, estaduais e municipais de redução dessas emissões:

 

– acordos internacionais e decisões nacionais, regionais e locais decorrentes da 21ª Conferência das Partes (COP-21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e da 11ª Reunião das Partes no Protocolo de Quioto (MOP-11), que ocorreram em Paris;

 

– Lei nº 12.187/2009 que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima;

 

– Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC), estabelecida pela Lei Estadual Paulista nº 13.798/2009;

 

– Plano de Controle da Poluição por Veículos do Estado de São Paulo (PCPV), instrumento estratégico do cumprimento das metas estabelecidas pelo Decreto Estadual 59.113/2013;

 

– Lei nº 14.933/2009, que instituiu a Política de Mudança do Clima no Município de São Paulo;

 

– Lei nº 12.587/2012, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana e os Planos Municipais de Mobilidade Urbana, com enfoque na sustentabilidade e preservação da qualidade ambiental;

 

– Lei nº 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas, que visa à inclusão de trabalhadores eficientes portadores de necessidades especiais;

 

– Decreto nº 62.648 de 2017, que institui e disciplina o teletrabalho no âmbito da Administração Direta e Autárquica do Estado de São Paulo.

 

O “não-transporte” e a minimização dos deslocamentos urbanos corporativos motorizados desnecessários nos centros urbanos congestionados, podem, estão sendo fomentados no Brasil em ritmo crescente por meio da expansão do teletrabalho, das teleatividades e de outras medidas corporativas específicas (como o GDM), que favorecem a desmotorização  e consequente, a melhoria da mobilidade urbana. Essa ênfase será materializada por meio da produção e divulgação sistemática de propostas de políticas públicas e artigos, estudos técnicos, pesquisas, práticas de sucesso, estudos de caso, divulgação de cursos, treinamentos, eventos e oficinas.

 

 

Olimpio Alvares é engenheiro mecânico, consultor especializado em emissões veiculares e transporte sustentável; é Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades – SOBRATT; é membro fundador da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP e coordenador da Comissão de Transportes do Comitê do Clima do Município de São Paulo.

MAIS SOBRE O “NÃO-TRANSPORTE”, VOCÊ CONFERE NESTE ARTIGO TAMBÉM:

https://diariodotransporte.com.br/2017/06/29/o-nao-transporte-pode-ser-a-solucao-para-a-mobilidade-das-medias-e-grandes-cidades/

Comentários

Comentários

  1. Andre disse:

    Resumo do artigo: lavagem cerebral completa!

    É atraente um texto que trate do bem social com essa desenvoltura linguística usando palavras bonitas e até novas como “giga-tonelada”. Mas não é todo mundo que cai nessa sedução socialista. Hitler também usou a eloquência para ganhar seus seguidores, criando uma legião de fanáticos, como uma pessoa para resolver seus problemas mas causando outro pior ainda estigmatizando para sempre um país como o causador do genocídio. Por isso devemos ter cuidado com essas matérias enganosas.

    “Teletrabalho”: identifiquei dois fatos prejudiciais nessa ideia. Primeiro que as pessoas não teriam mais um contato pessoal entre si, transformando o mercado de trabalho em um ambiente unicamente profissional – o que não é bem assim. Tem um equilíbrio: com os momentos de trabalho e os de intervalo onde as pessoas tem a liberdade de se socializarem com outras pessoas mas não voltadas para o ramo que atuam, mas de interesse puramente social. É aquela típica consequência jornalística de avaliar os danos causados a curto e longo prazo por uma tecnologia nova, como por exemplo o uso do celular que a princípio era visto como algo evolutivo, mas com o tempo acabou criando uma dependência preocupante.
    No começo eles nos convencem á usar uma ideia e depois tentam reverter o processo, não raro estimulam a abandonar a tal ideia, e dá-lhe especialista para convencer!

    Segundo, a evolução tecnológica da informação e comunicação não deve ser vista como um método de substituição do meio de transporte. O problema da mobilidade em SP foi o abandono do sistema ferroviário em favorecimento do rodoviário, mais especificamente pelo carro. Colocar a população de uma das maiores cidades do mundo quase exclusivamente nas costas de ônibus está longe de ser algo inteligente, mas também não justifica essa alternativa radical e absurda (para não dizer ridícula!) do tal “teletrabalho”, que é muito limitada. Quando um cliente faz um pedido alguém tem que entregar a encomenda, ou isso já é possível por teletransporte?

    Essa mentira do veículo elétrico também não convence. Um trem, carro, ônibus etc que use energia elétrica não poluem diretamente mas a energia usada para produzi-los, reabastecê-los e descartá-los no fim de sua vida útil deve vim de algum lugar e esse lugar chamamos de natureza. Vindo das hidrelétricas então é natureza pura! Mesmo que a fonte energética considerada seja a nuclear, essa também tem como origem o uso de recursos naturais.
    Não interessa o quão qualificado seja o autor dos textos (colocando especialistas e filósofos para tratarem do tema), o que importa é a consciência da realidade e não retóricas inconsistentes.

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