Dia Mundial sem Carro e Séculos sem Transporte Coletivo adequado no Brasil

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Mesmo antes da Cultura do Carro, transportes coletivos já eram ruins, o quem mostra algo pior e pouco debatido: a Cultura do Descaso para com a População.

Data é simbólica, assim como as promessas e o comprometimento das autoridades em relação à mobilidade urbana. Cultura do Carro e a Cultura do Descaso

ADAMO BAZANI

Nesse dia 22 de setembro, diversas nações promovem atos em prol da mobilidade voltada para pessoas e não para indivíduos isolados em seus carros e motos.

Criado em 1997 na França para estimular cidades mais humanas, o Dia Mundial sem Carro é uma data importante para reflexão e debates sobre como melhorar a qualidade de vida das pessoas pelos deslocamentos, mas também virou uma data marcada por hipocrisia e discursos vazios.

Alguns gestores, principalmente em países onde a função pública parece que não é levada totalmente a sério, aproveitam a oportunidade para fazer promessas e exaltar como grandes feitos o que não lhes passa de obrigação.

O Brasil é um bom (ou mau exemplo) desta realidade. Enquanto políticos vão aparecer no dia de hoje em eventos e debates, o que é importante para eles darem a cara, na prática muito pouco se avançou em relação à mobilidade urbana, inclusive em ações simples e pontuais, mas que poderiam já trazer uma qualidade de vida melhor e estimular o uso dos transportes públicos.

O carro ainda é o Senhor das ruas e também dos investimentos. Um levantamento da ANTP – Associação Nacional de Transportes Públicos de 2015 mostra que a cada R$ 10 investidos no sistema viário apenas R$ 2 vão para o transporte coletivo.

E o tratamento desigual para quem usa o transporte coletivo e para quem usa o individual se mostra em números.

Em média, o país investe R$ 184,3 bilhões em mobilidade por ano. Deste total, R$ 10,3 bilhões são para a manutenção da infraestrutura das via, sendo que R$ 2,4 bilhões para o transporte coletivo e R$ 7,9 bilhões para os carros e motos circularem. A distorção está no fato de que o transporte público atende diariamente a 1/3 dos deslocamentos da população brasileira, mas 77% destes investimentos vão para os carros.

Levando em consideração a renúncia fiscal e outros estímulos destinados a carros e motos nos últimos anos, o transporte individual ganha ainda mais de lavada em relação ao coletivo.

Isso vem de raízes político-partidárias e culturais. O carro no Brasil é ainda sim sinônimo de status e o transporte coletivo ainda é rotulado, inclusive pela mídia, como algo para pessoas menores ou desclassificadas, o que, é claro, é uma mentira. Mas essa mentira no fundo é estimulada nas campanhas eleitorais e nos discursos recentes como que o brasileiro teve crescimento social não porque a qualidade de vida melhorou, mas porque muita gente conseguiu adquirir um carro.

Um exemplo clássico disso é um vídeo de Propaganda do Plano Brasil Sem Miséria, do Governo Federal, de 2011. Em um dos trechos, que diz que 28 milhões de brasileiros saíram da pobreza e 36 milhões ingressaram na classe média, insinuando a mudança de realidade, aparece a imagem de um homem sentando em um ônibus com a expressão cansada e abatida. Repentinamente, para mostrar seu crescimento, o homem aparece dentro de seu próprio carro com uma cara de muito maior satisfação.

Acompanhe o vídeo:

DISTORÇÕES HISTÓRICAS:

Os primeiros registros do transporte coletivo no Brasil são de julho de 1838, data que marcou o primeiro serviço oficial de ônibus no Rio de Janeiro. Era a Companhia de Ônibus, concessionária criada por iniciativa de Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, Paulo Barbosa da Silva, José Ribeiro da Silva, Manoel Odorico Mendes e Carlos Augusto Taunay.

Veja um dado muito importante:  o serviço de transporte coletivo foi criado por iniciativa privada e não do poder público, que já nesta época deveria estar atento às necessidades das pessoas se deslocarem em centros urbanos. Isso já há dois séculos…e muito pouco mudou em sua essência.

É certo que a partir dos anos de 1950, com a implantação das indústrias automotivas internacionais em território brasileiro é que se criou a cultura em prol do Automóvel, deixando o veículo particular como sinônimo de status e de pessoas superiores.

Mas os problemas da mobilidade urbana são bem mais antigos e praticamente nasceram com as cidades. Por exemplo, esse vídeo “A Luta pelo Transporte em São Paulo” já mostrava a partir da década anterior as dificuldades para as pessoas irem e virem nas metrópoles.

O documentário é de 1952, da Jean Manzon Films, mostrando a situação do transporte público em São Paulo na época como reflexo do crescimento populacional dos anos de 1940, sem a evolução adequada da ioferta de transportes coletivos. A cidade estava com 2,5 milhões de habitantes na época. Hoje, são mais de 11 milhões, com  problemas semelhantes

Por isso que no Dia Mundial sem Carro é importante não correr o risco de errar pelo extremismo e demonizar o carro.

O problema em si não é o fato de as pessoas terem os veículos e sim não terem opções adequadas para se locomover e o uso desenfreado dos carros para qualquer tipo de deslocamento.

A história dos transportes mostra a presença marcante de investidores privados que foram pragmáticos e auxiliaram, com seus investimentos e visão de futuro, as cidades a crescerem, mesmo que desorganizadamente.

Ai se não fossem esses investidores.

O problema, no entanto, foi essa desorganização que já maculou por muito tempo a imagem dos transportes.

A verdade é que nunca o poder público no Brasil quis regular e gerir de maneira efetiva os transportes coletivos.

As cidades não eram planejadas e muitos bairros surgiram após a visão de investidores que levavam primeiro as linhas de ônibus até as regiões mais afastadas e estes serviços atraíram um adensamento populacional.

Muitos empreendimentos imobiliários nasceram por investidores nos transportes.

O problema é que o investidor, por mais benefício que traga à sociedade, pensa no seu lucro imediato. E isso não é errado. No entanto, o transporte coletivo desde quando nasceu tem uma função social e esta é que deveria contar com a melhor participação do poder público, o que tem sido renegado até hoje.

O poder público não precisa necessariamente ser o operador dos transportes.

Em muitos casos, no Brasil, isso até mesmo se mostrou ineficiente, com empresas públicas mal administradas e que consumiam recursos para manter uma máquina burocrática e viciada. No entanto, é dever do poder público direcionar investimentos e criar políticas que proporcionem o equilíbrio entre o interesse do investidor privado no setor de transportes e da população. Estes interesses, inclusive, não são necessariamente opostos uns dos outros.

Os exemplos históricos mostram que parte dos problemas da mobilidade não está na Cultura do Carro e, sim, em algo muito anterior: a Cultura do Descaso em relação ao que a população de fato precisa.

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes

Comentários

Comentários

  1. Paulo Gil disse:

    Amigos, bom dia.

    Adamo, parabens; bela e oportuna materia que nos da mais uma aula, ao informar que a primeira empresa de buzao no RJ , se deu por conta da iniciativa privada.

    Penso que o grande problema do buzao e essa indefinicao ou intromissa.

    Nao e publico, nao e privado e o publico se intrometendo no privado.

    Nao e atividade fim do setor publico ingerenciaruma atividade comercial.

    O sistema de buzao em Sampa tem de ser simplificado e infelizmente nao o caminho que sera tomado no proximo edital de licitacao.

    Lembrando sempre que:

    “A MENOR DISTANCIA ENTRE DOIS PONTOS E UMA RETA”

    Att,

    Paulo Gil

  2. O Brasil esta longe de adequar a isso, e cidades como SP e Curitiba, que poderiam ter ha tempos, preferem dar lucros pras empresas, e acabar com nosso pulmões.

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