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O MOTIVO DE GOSTAR DE ÔNIBUS

Miniatura de ônibus da Viação Padroeira do Brasil

O motivo de gostar de ônibus
ADAMO BAZANI – CBN
Muitas pessoas, cada qual com suas preferências e gostos, me perguntam o motivo pelo qual eu gosto tanto de ônibus. Normalmente, o ônibus é relacionado a problemas nas cidades pelas gestões erradas que não dão preferência ao transporte público: lotação, atraso e muito aborrecimento são as imagens que aparecem na cabeça de quem pensa na palavra ônibus.
O que muita gente não dá conta é que os transportes estão presentes na economia, na vida em sociedade, no acesso à saúde e educação e na vida particular de cada um.
É que as pessoas não notam, mas em suas histórias sempre haverá um ônibus, até mesmo para quem nunca andou de transporte público, mas ao ir à escola, passear mesmo de carro, via os grandes e possantes veículos coletivos pela janela.
Para quem fez muito uso ou ainda faz dos transportes públicos, os ônibus deixam de ser cenas para virarem palcos das histórias.
Quantas vezes postamos fotos antigas e pessoas que nunca admiraram ônibus e que estão muito longe de ser busólogas (quem gosta muito e estuda este tipo de veículo) se lembram da época da escola, da namorada, da família, do bairro, do primeiro emprego e assim por diante.
Assim, pela história dos transportes, é possível saber como o País e as cidades se desenvolveram e como nós também nos desenvolvemos.
Há aqueles que têm empatia tão grande com o ônibus que o começa a admirar.
Claro que o design, o porte e o ronco do motor, ou seja, a máquina em si, chamam a atenção. Como existem os que gostam de Fusca, de Opala, de Trens, de Caminhões, etc, etc.
Mas não é só o metal, a borracha e o plástico dos chassis e carrocerias que chamam a atenção, mas toda uma bagagem cultural e de convivência por trás do ônibus
Comigo não foi diferente. Por isso que abro, neste final de semana, um espacinho neste órgão de notícias do segmento para contar um breve testemunho.
Desde que me conheço como “gente”, como diria a expressão popular, eu sempre gostei de ônibus. Quem admira transportes sempre tem uma empresa e um modelo de ônibus que fizeram com que este gosto fosse aflorado.
Para mim foi a Viação Padroeira do Brasil Ltda, de Santo André, que não opera mais.
Primeiro porque quase nasci num Padroeira. Literalmente. Minha mãe, grávida, sentia os desejos alimentícios, se é que podem ser chamados assim. No centro de Santo André, havia uma pastelaria chamada Garça. Confesso que não era o melhor lugar do mundo para fazer uma refeição, mas o pastel era muito gostoso (Cheguei a comer lá ainda pequeno).
Minha mãe, ainda grávida, nove meses, teve vontade de ir na tal Garça. Começou a passar mal no ônibus. Os motoristas da época eram de família praticamente. Poucas linhas, poucos carros, todo mundo se conhecia. Ele virou o itinerário para especial, parou na frente do Hospital Beneficência Portuguesa de Santo André, o Hospital São Pedro, e um busólogo vinha ao mundo, segundocontam meus pais, Sr Wilson e dona Ada.
Quando eu tinha meus cinco anos de idade, era o menino mais novo da rua, Rua Ipojuca, hoje Nossa Senhora de Fátima. Lá perto, no famoso “Bar do Turco” era o ponto final do Padroeira.
Eu ficava da esquina olhando os ônibus e os moleques mais velhos da rua, se aproveitavam que eram maiores, e ficavam zuando comigo. Hoje isso no Cidade Alerta se chamaria Bulling.
Os motoristas vinham em minha defesa e deixavam que eu ficasse dentro do ônibus.
Aos seis anos de idade, fiz um turno de mais de 8 horas de trabalho de motorista. Calma, eu explico! Os motoristas eram muito amigos da família e eu queria porque queria andar de ônibus. Então meu pai confiava que eu fizesse essa loucura para uma criança.
E fui indo com a Viação Padroeira na minha vida. No meu primeiro dia de aula, da EEPG Dr. Luís Lobo Neto, onde fiquei até ingressar na faculdade de jornalismo da Metodista, o que me consolava nos primeiros dias de aula, eu tinha medo de como ia ser a escola, era ver os Padroeira da janela da sala.
Meu pai não tinha carro. Eu fui saber o que era ter carro em casa quando eu comprei o meu primeiro: um Gol CL Autolatina 92/93 quadradinho. Isso em 2001.
Então todos os passeios em família eram de Padroeira. No Rudge Ramos, já em São Bernardo do Campo, outro extremo da linha que eu usava (Santo André – Bairro Paraíso / São Paulo – Fábrica Troll – via Rudge Ramos) havia uma Casa de Esfirra deliciosa ao lado do Parque dos Meninos. Era passeio obrigatório.
O Padroeira também marcou minhas idas à casa de meu avô, Romão Justo Filho, que por sinal, era maquinista de trem. Ele trabalhou no Locobreque (uma máquina inglesa) em Paranapiacaba. O nome dele está no museu ferroviário, em duas placas. É que ele conseguiu em 1956 evitar um acidente salvando a vida de 150 pessoas. As placas foram uma condecoração.
Com meu pai e minha mãe, eu ia até o centro de Santo André e de lá pegávamos um Viação Alpina até a casa do meu avô na Rua das Pitangueiras, no Bairro Jardim.
Quando passei o vestibular, eu comecei a ir à faculdade de Padroeira. Minha primeira namorada, foi num Padroeira que conheci.
Quando comecei a trabalhar na CBN, eu usava bengala. Isso mesmo, bengala com 20 anos de idade. Eu tinha um problema sério nos pés, que graças a Deus foi corrigido.
Mas era um estágio numa rádio grande e não poderia perder a oportunidade. Os motoristas da Padroeira eram tão atenciosos. Paravam tão perto da guia. Esperavam eu sentar para saírem com o ônibus. Isso me ajudava mesmo indo trabalhar dom dor. Depois do Padroeira, eu pegava um ônibus da EAOSA até a Avenida Paulista e outro municipal, da CCTC, uma cooperativa de ex funcionários da CMTC, até perto da Rua das Palmeiras, sede da Rádio.
Neste sábado, 15 de setembro de 2012, um sonho meu se realizou. Consegui uma maquete do Caio Gabriela II, da Viação Padroeira.
Foram meses de trabalho do talentoso senhor Nelson, um artesão dos ônibus aqui de Santo André. O mais curioso é que eu me julgava um profundo conhecedor dos ônibus da Padroeira, pela vivência. Mas vi que não era nada disso. Ele me perguntava detalhes como prefixos, placas, disposição das janelas, coisa que eu não lembrava.
Daí eu descobri que eu não tinha um motivo para gostar de ônibus. Mas vários motivos: o meu pai, minha mãe, meu avô, a casa de esfirra, o primeiro dia de aula, a Cris, a Metodista, a rádio, enfim, minha vida.

Miniatura de ônibus da Viação Padroeira do Brasil


Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes
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