ATÉ 2050, A GENTE APRENDE A LIÇÃO

Milton Jung

Milton Jung, jornalista da Rádio CBN, e otimista em relação à melhoria do trânsito. Ele, no entanto, pertence à minoria dos paulistanos ouvidos pela pesquisa da Othink. O levantamento mostrou que 64% das pessoas que moram na Grande São Paulo acreditam que em 2050 a mobilidade estará pior. Apenas 20% espetam melhorias efetivas daqui9 a 38 anos. Foto: Site de Arthur Nobre.

Até 2050, a gente aprende a lição

POR MÍLTON JUNG

Logo que cheguei em São Paulo fui morar em uma casa que as amigas costumavam definir como uma gracinha, e os amigos, apesar de não se entregarem nos elogios, admiravam. Era em uma rua sem saída, com casas que haviam sido construídas para comerciários, de dois andares, com porta para a calçada e quintal na parte de trás. Ficava em Pinheiros, de onde era fácil sair de ônibus para chegar a Marechal Deodoro, Santa Cecília, onde estava a antiga sede da TV Globo, meu primeiro emprego na capital. Sentado na janelinha, assisti à São Paulo passar, quando não reservava as viagens para leitura. Alguns anos depois, me mudei para a divisa com Taboão da Serra, extremo da zona oeste, o que fulminou minha admiração pelo ônibus, pois a distância era grande e a oferta pequena. Não demorei para perceber que a vida do outro lado do rio era mais demorada, pois mesmo de carro somos reféns das pontes que se transformam em um funil para o enorme volume de trânsito que segue em direção à cidade.

Mesmo tendo trocado de emprego três vezes, em todos, as redações ficavam do lado de dentro do rio, enquanto minha casa permanecia do lado de fora. O tráfego se complicava com carros, motos, caminhões e ônibus misturados em espaços reduzidos. Tinha certeza de que nossos administradores perceberiam – assim como eu e toda a torcida do Corinthians – que a falta de mobilidade impactaria de forma contundente a qualidade de vida do paulistano. Portanto, ao mesmo tempo que aumentavam as horas desperdiçadas no trânsito, crescia minha fé no investimento público em corredores de ônibus inteligentes e linhas de metrô abrangentes. E assim que um destes fosse inaugurado, abandonaria meu carro na garagem.

Faz 21 anos que moro em São Paulo e ameaço trocar o carro pelo transporte público, mas sou demovido da ideia antes mesmo de chegar ao ponto de embarque. A falta de confiança no horário, o desconforto na parada, os passageiros entalados nos ônibus e vagões não me entusiasmam e, parece, tiram a esperança de todos os paulistanos. Somos – moradores da capital e arredores – os mais pessimistas do Brasil em relação ao futuro do trânsito, de acordo com pesquisa de opinião da Othink, uma consultoria de Alta Gestão, que ouviu 1.000 pessoas de todos os cantos e queria saber como imaginamos o Brasil, em 2050. Se entre os brasileiros 57% acreditam que o trânsito estará pior do que agora, na Grande São Paulo este índice chega a 64%. E para reforçar a opinião desta gente, enquanto escrevo, ouço no rádio que o congestionamento está próximo dos 110 quilômetros, um dos maiores deste ano. A persistirem os sintomas estamos mais próximo do engarrafamento final do que poderíamos imaginar e, em breve, trocaremos o airbag por sacos de dormir.

Com a pesquisa em mãos, descubro que sou dos poucos moradores de São Paulo que esperam avanços na mobilidade nos próximos 38 anos – 20% dos entrevistados disseram que isto vai ocorrer. Meu otimismo está depositado na tecnologia abordo dos carros, cruzando dados com equipamentos da prefeitura, e redistribuindo para uma rede de GPS que tornarão mais lógicos os deslocamentos; na ampliação das pistas exclusivas para ônibus e o espalhamento da rede de metrô e trem, por pressão popular, que aumentarão a confiança no transporte público; e nas campanhas de incentivo ao uso da bicicleta e do respeito aos pedestres que tornarão o espaço urbano mais civilizado. E, convenhamos, até 2050 teremos mais dez eleições, ao menos cinco prefeitos se todos forem reeleitos. Um deles vai ter aprendido lição.
Mílton Jung, é jornalista da Rádio CBN, âncora do Jornal da CBN e escreve também para a Revista Época.

Comentários

Comentários

  1. alexandro disse:

    gostei muito da matéria, principalmente da parte final! espero que entre os 5 governadores ou prefeitos, pelo menos 1, se comprometa com o transporte público!!!

  2. Luiz Vilela disse:

    Mais um bom texto do Milton jung!

    Mas só acredito em melhora com a criação de uma Autoridade Metropolitana de Transportes gerindo os 39 municípios conurbados. E troncalizando a rede, o que significaria profundas mudanças nas rotas de ônibus e na arquitetura e acesso viário das estações.

  3. DR. PROTESTO INDIGNADO DA SILVA disse:

    O amigo Milton Jung é um sábio em suas palavras, o que muitos governantes deveriam de fazer era ler este artigo. Na verdade o BRASIL está EMPESTEADO DE POLÍTICOS CORRUPTOS, por isso que na maioria das cidades não tem uma INFRA-ESTRUTURA DECENTE. A Cidade de São Paulo era para ter uma rede de metrô, corredores de ônibus funcionando como relógio. Vejam bem, KASSAB teve 8 anos para fazer os 66kms de corredores, (tempo mais que suficiente para fazer os corredores necessários na cidade de São Paulo, visto que em 2 anos de governo Marta ela fez os corredores Rebouças, São João, 23 de Maio/Ibirapuera, requalificou os demais corredores, enfim, o KASSAB mostrou o quão foi incompetente em todo seu mandato, que na verdade só foi um passatempo para ele, pois não governou a cidade de São Paulo como merecia. Já o governador Alckmin, eu particularmente esperava muito mais do que está se apresentando, um ano já passou e só vejo o Jurandir Fernandes falando só de planos nas quais já estamos cansados de escutar e nada executar, fala se de LICITAÇÕES, LICITAÇÕES E NADA!!!, Aí a outra desculpa do Jurandir, são as licenças ambientais que impedem que as obras sejam executados, (mas espere aí, como pode as secretarias do meio ambiente tanto do estado quanto da prefeitura impedirem uma obra que beneficie o próprio meio ambiente??? estranho não??) e porque os projetos executivo demoram cerca de 2 anos para saírem do papel, e a linha 4?? não era para estar totalmente pronta em 2006??? Caro Milton, se até 2050 saírem Alckmin,Jurandir Fernandes, Mário Bandeira e Kassab, e colocar pessoas que realmente amam a cidade de São Paulo, é bem capaz que tanto o Metrô, quanto os corredores de ônibus existam, e a CPTM enfim se torne NA QUALIDADE DE METRÔ COM SEUS TRENS REGIONAIS, porque sinceramente nestes governantes LESMAS que demoram para tomar uma DECISÃO.e quando DECIDEM, deixam para o seu SUCESSOR que nem sempre conseguem iniciar a obra.

  4. willian disse:

    E muitos dos politicos que hoje se apresentam como solução, quando estiveram no poder em SP – Capital, o que fizeram ? Mandaram pintar nos onibus as logomarcas de suas administrações .
    Falta vergonha na cara e desapego politico, se for iniciada uma grande reestruturação no transporte que continue nas administrações seguintes, e naõ seja interrompida, porque ”nõ é assim que meu partido trabalha” …
    Não vejo mudanças antes de 2065, sou um pouco pessimista.

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