História

AO ETERNO AMIGO: WALDEMAR CORREA STIEL

No domingo, dia 29 de maio, o mundo da história dos transportes se entristeceu. Falecia nesta data Waldemar Corrêa Stiel, pesquisador do setor.

Sua obra, que resultou em livros, entrevistas, páginas de internet pode resgatar fatos fundamentais de uma atividade, a dos transportes, que por estar tão ligada com as realidades econômicas, sociais e culturais, ajudam a entender, sob um ângulo diferente, como as cidades se desenvolveram, seus erros e acertos, e quais os caminhos que podem ser seguidos para o futuro da mobilidade.

Tanto este blog como outros espaços dedicados a compreender melhor o setor de transportes fizeram por várias vezes uso das informações preciosas coletadas por Waldemar Correa Stiel.

Mas nada melhor do que quem conviveu com este pesquisador, para contar quem era e como atuava Waldemar Correa Sitel. E uma das pessoas mais indicadas para isso é Ayrton Camargo e Silva, arquiteto e outro apaixonado pelos transportes.


CONFIRA E O TEXTO:

Um pouco do Dr. Waldemar Corrêa Stiel

por Ayrton Camargo e Silva

Durante mais de 70 anos, Waldemar Corrêa Stiel dedicou-se a pesquisar e a registrar a história do transporte urbano em São Paulo, no Brasil e também no exterior.

Menino ainda, acompanhava e guardava todas as histórias contadas pelo seu pai Augusto , eletricista da Light, responsável pela montagem dos circuitos elétricos do Teatro Municipal, sobre o cotidiano e as atividades vivenciadas na empresa canadense. Certamente essas histórias eram recheadas por muitos episódios onde os bondes eram os protagonistas, e ajudaram a despertar a atenção do menino Waldemar para esses monumentos elétricos que dominavam as ruas de São Paulo.

Na infância, uma de suas principais distrações era ficar na janela de sua casa na rua Maria Antônia anotando todos os prefixos dos bondes, bem como os respectivos horários, que por ali passavam. Apesar da insistência de sua família para que ele brincasse de outras coisas….

Por sorte o interesse do menino Waldemar foi maior que a vontade de seus pais.Com isso, suas pesquisas prosseguiram, se aprofundando, tornando-o uma testemunha viva de toda a evolução do sistema de bondes da cidade de São Paulo. Cada veículo era conhecido pelo seu prefixo, pela linha que operava, pelas reformas que passou e pela Casa de Carros que o abrigava. A intimidade com os elétricos era tamanha que conhecia até os motorneiros que os dirigiam.

Mas seu conhecimento era muito mais profundo que o simples registro cotidiano da vida tranviária da cidade. Stiel conhecia também as especificações técnicas de cada modelo, as origens do projeto e dos fabricantes, quais cidades também operavam modelos similares, e com o tempo, se aprofundou no exame da legislação de transportes da cidade, nos planos de melhoria, garimpando também variada documentação sobre inúmeras outras informações dos sistemas.

E como a pesquisa é como um rio que ao longo de seu curso se aprofunda, suas atividades acabaram por se estender para o sistema de ônibus e trólebus, em São Paulo e em outras cidades do Brasil e também do exterior que os possuíram.

Além da absoluta competência no desenvolvimento de suas pesquisas, Waldemar Stiel era completamente generoso em compartilhar seu conhecimento com outras pessoas que também demonstrassem interesse no tema.

Tive a oportunidade de conhecê-lo aos 14 anos, quando, a pretexto de realizar uma entrevista com ele para um jornal juvenil que dirigia, tornei-me seu amigo, e mais do que isso, seu admirador, fazendo dele meu grande mestre e mentor no mundo da história dos transportes urbanos.

Acompanhei a edição de seu primeiro livro, ainda em 1977, partilhando de sua alegria na ida à editora que o publicaria no ano seguinte, a MacGraw Hill, não mais existente. E em Janeiro de 1978, o grande lançamento, no Rio de Janeiro , no primeiro congresso da Associação Nacional de Transportes Públicos. Evento que nem sonhava estar presente.

Estimulado pela sua trajetória, e por minha vontade de fazer algo em defesa dos bondes, entabulamos a ideia de formar uma entidade dedicada à preservação de bondes, trólebus e ônibus, em parte estimulado por Patrick Dollinger, que pouco antes tinha liderado a criação da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária. E assim, em 1980, era criada, juntamente dom Jorge Françozo e Carlos Aberto Romitto de Carvalho, entre outros, a Associação de Preservação de Material de Transporte Coletivo, a APMTC, entidade pioneira no Brasil a atuar nesse tema.

Em 1984, Waldemar Stiel dá nova e importante contribuição ao país, com a edição de seu segundo livro, dedicado à história do transporte público no Brasil, dessa vez em edição especial patrocinada pelo governo federal, por meio da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos.

Para seu lançamento, ainda estudante, organizei uma grande exposição no Museu da Imagem e do Som, seguida de um debate sobre os reais motivos sobre o fim dos bondes em São Paulo.

Ao longo do debate, que contou com a participação de Maria Eliza Carrazoni, importante consultora responsável pela estruturação do programa Preserve, do Ministério dos Transportes, discutimos a necessidade de criar um Museu dos Transportes Urbanos em São Paulo. O representante da CMTC, Gilberto Lehfeld, gostou da ideia, disse que aceitaria o desafio! E de fato pouco tempo depois, sob sua liderança, era inaugurado o Museu da CMTC. A APMTC pôde ajudar em sua estruturação, indicando onde havia bondes que poderiam compor o acervo, bem como contribuindo na identificação das peças, trabalho desenvolvido zelosamente por Stiel.

Anos mais tarde, Waldemar concluíra seu terceiro livro, e mais uma vez, enfrentava dificuldades em encontrar um editor que se interessasse pelo projeto. Nas voltas que a vida dá, à época eu atuava na direção da mesma ANTP onde havia sido lançado o primeiro livro de Stiel. Consegui desenvolver o projeto de lançamento, enquadrando-o na lei Rouanet, obtendo patrocínio para sua publicação. E assim, em Setembro de 2001, em Porto Alegre, no Congresso da entidade, era lançado o livro, coroando mais de 10 anos de tentativas de editá-lo.

Dr. Waldemar Stiel, deixa uma vida de exemplo na rigorosa e permanente pesquisa do mundo do transporte coletivo, bem como na extrema generosidade em compartilhar seu conhecimento com quem quer que fosse, jamais se importando em receber louros, ou brigando para “sair na foto”.

E é justamente essa sua grandeza, esse seu desprendimento, essa sua dedicação que o farão perene entre nós.

Ayrton Camargo e Silva, arquiteto, pesquisador dos transportes e acima de tudo: AMIGO

Comentários

Comentários

  1. Gustavo Cunha disse:

    Olá Ayrton e a todos !
    Não conheci o Dr. Waldemar. Soube do seu falecimento pelo Blog. Creio, por tudo que foi exposto por ti que, teria me pós-graduado, se tivesse tido a honra, de ouvir as histórias, os ensinamentos do mestre.
    Todo o conhecimento adquirido nos bancos das escolas, universidades e cursos em geral, é importante, mas nada é tão imenso que, a sabedoria acumulada durante a escola da vida.
    Meu humilde obrigado ao Dr. Waldemar.

  2. Marcos Galesi disse:

    Eu confesso que estou muito emocionado com esta matéria, pois posso dizer que sou privilegiado e aluno do professor Waldemar Correa Stiel e do Ayrton Camargo e Silva com muito orgulho, e vou prosseguir levando a história dos transportes às futuras gerações, pois o Brasil é um país que tem sido injusto com a memória dos fatos importantes, ainda mais sobre a questão dos transportes, porque se não fossem os transportes o Brasil não se desenvolveria e infelizmente isso ninguém tem ciência. Os nossos gestores antigos não tinham noção e nem visão da proporção do crescimento da cidade de São Paulo, porque se o sistema de bondes e também o trenzinho da Cantareira, a estrada de ferro Ituana, Bragantina, dentre outras, não tivessem sido erradicados, tenho certeza que hoje uma grande parte dos problemas que temos hoje com um transporte digno e que seja à altura da cidade de São Paulo, com certeza estariam amenizados. O professor Waldemar Correa Stiel através de seus trabalhos, quer lembrar e atentar inclusive aos nossos gestores dos erros que foram cometidos no passado e atraves destes mesmos trabalhos, mostrar-nos que há saída para os problemas caóticos que hoje estamos enfrentando, o grande problema é que infelizmente os gestores públicos até hoje não tem tido sensibilidade o suficiente para atentar às soluções. Eu fico muito chateado e frustrado porque eu tentei lutar para conseguir em vida para o professor Waldemar o título merecido de cidadão paulistano, creio que certas homenagens tem que ser em vida e não depois de morto, mas infelizmente, fui surpreendido por esta noticia, mas uma coisa é certa, se a Cidade de São Paulo não o reconhece, fica ao menos nosso reconhecimento ao SENHOR DA HISTÓRIA DOS TRANSPORTES, descanse em paz, nosso eterno PROFESSOR, através deste espaço nós o homenageamos.

    Marcos Galesi – aluno e principalmente AMIGO.

  3. Roberto SP disse:

    Embora eu não tenha conhecido também fico emocionado ao ler essa matéria, não tenho dúvidas da importancia desse Sr, para a história dos transportes urbanos brasileiros, tanto que vou procurar ler as obras escritas pór ele, sugiro que se possível nos dê mais indicações onde podemos encontrar esses livros, e mais caso eles já tenham esgotados vale uma nova edição para que nós possamos aprender mais sobre o assunto. Forte abraço

  4. renato Lobo disse:

    Que o Seu Waldemar possa sempre nos inspirar a lutar em favor da coletividade, através dos transportes públicos. Muito mais que admirador que ele foi dos transporte, ele fez acontecer.

  5. Egon Rohde disse:

    Graças a pessoas como o seu Waldemar que a história fica registrada
    para as próximas gerações, para muitos o transporte coletivo é apenas
    um negocio lucrativo, para outros um meio de locomoção no seu cotidiano,
    para alguns um meio de promoção pessoal.
    Mas existem pessoas que são admiradores, e sem visar lucro, se preocupam em
    deixar a sua contribuição para que as gerações futuras tenham noção de cada
    etapa do desenvolvimento fique gravado.
    Taí um bom exemplo a ser seguido.

  6. Ayrton Camargo disse:

    Colegas,

    Fiquei muito feliz com os comentários registrados acima.Certamente que o exemplo do Dr. Waldemar ja está dando frutos, e certamente nossos amigos continuarão essa missão tão prazeirosa , e tão importante para o país, de preservar a memória dos transportes públicos no Brasil.
    Infelizmente os dois primeiros livros do Dr. waldemar estãoe sgotados.Com muito custo podem ser achados em sebos de todo o Brasil.
    Ja o livro “Onibus” encontra-se á venda na ANTP.
    Maiores informações podem ser encontradas no site da entidade:www.antp.org.br

  7. Marcos Galesi disse:

    A contribuição que o professor Waldemar deu em prol dos transportes, seria interessante que alguma empresa pudesse patrocinar a reedição dos dois primeiros livros. Existem até leis de incentivo à Cultura, mas infelizmente nem sempre este dinheiro chega ao seu destino, motivo pelo qual algumas empresas deixaram de patrocinar. Mas se alguém conhecer alguma empresa ou empresário que se habilita, entrem em contato conosco. abs

  8. Marcos Vinicius disse:

    Fico muito triste em saber da Morte dele, pois, estou lendo uma de suas obras: Historia dos Transportes Coletivos em Sao Paulo.
    Era realmente um historiador.

    Muito Triste.

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